Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fernanda Nidecker

‘Ele guarda ainda hoje a foto que tirou da amiga algumas horas antes da partida. Último gesto para tentar confortar o mau pressentimento que lhe tomou assim que soube que ela partiria para o Iraque apenas dez dias antes do Natal. Há mais de uma década, Phillippe Grangereau trabalha com Florence Aubenas, repórter especial do jornal francês ‘Libération’, capturada em Bagdá no dia 5 de janeiro. ‘Não há uma única noite em que eu vá dormir sem pensar nela, no que comeu, como passou o dia, onde está, como está sendo tratada. É muito angustiante’, conta ele a NoMínimo.

Cinco meses após a captura de uma de suas ‘melhores jornalistas’, o chefe da redação, Antoine de Gaudemar, luta contra o desânimo e o sentimento de impotência que atingem todos do jornal. Para atenuar o desgaste e manter a esperança, Gaudemar e outros sete membros da redação, entre diretores, editores e jornalistas, reúnem-se todas as manhãs, às 9h, para discutir a agenda de mobilização e atualizar as informações que chegam do governo francês. E esta é a parte mais frustrante.

‘Não temos novidades. Em cinco meses recebemos duas fitas de áudio, uma de vídeo e em nenhuma delas há qualquer reivindicação por parte dos rebeldes, que até agora não foram identificados’ – informa Gaudemar. Mais desconfiado da versão oficial, François Sergent, editor da Internacional, acredita que o Quai d’Orsay tem algo a esconder: ‘No inicio de março, o governo chegou a anunciar que os rebeldes estariam prontos a negociar, mas nada foi exigido até agora. O serviço secreto francês se comunica com o governo, verifica provas, mas não entendemos como essas discussões podem levar tanto tempo’, diz, impaciente.

O dia do seqüestro

Desde que Florence foi seqüestrada, ‘Libération’ suspendeu o envio de jornalistas ao Iraque, com exceção de Didier François, correspondente em Aman, na Jordânia, que se desloca esporadicamente a Bagdá em busca do paradeiro da colega. Gaudemar afirma que os jornalistas seguiam normas de segurança, mas admite que o dispositivo não era suficiente para lhes garantir a livre movimentação. Adeptos do estilo ‘reportagem livre’, os jornalistas franceses no Iraque geralmente não contam com guarda-costas nem carro blindado. ‘Dessa maneira, não somos identificados imediatamente como ocidentais e, ao mesmo tempo, podemos nos misturar à multidão, nos vestir como a gente do país. Mas tínhamos regras – como, por exemplo, não sair à noite, não passar mais de três horas na rua e ligar para jornal duas vezes por dia’ – lembra o chefe de redação.

No dia 5 de janeiro, porém, o telefone da redação não tocou. Angustiada, a secretária da redação, Annie Mancone, ligou para a esposa do motorista e guia de Florence, Hussein Hanoun, mas ela também não recebera notícias do marido. A embaixada francesa em Bagdá foi imediatamente contatada e deu início a uma operação de busca em hospitais e delegacias. Mas o pior foi confirmado horas depois: Florence e Hussein haviam sido capturados.

Antoine de Gaudemar sente-se responsável (para não dizer culpado) pelos fatos, pois foi por meio dele que Florence obteve a autorização para partir: ‘Apesar de ela ter aceito voluntariamente, às vezes penso se não deveríamos ter enviado outra pessoa ou fico imaginando por que não antecipamos sua volta.’

Um dos poucos colegas a trabalhar com Florence em reportagens no exterior, Philippe Grangereau recorda os dias que passaram na Indonésia para cobrir a queda do ex-ditador Suharto, em 1998. Velho apreciador dos textos de Florence, ele não sabia que, por trás da palavra escrita, escondia-se um método fascinante e laborioso de colher informações. Phillipe conta que Florence, insaciável, dedicava até mais de quatro horas a cada entrevista e, no final, tendo conquistado a fonte, obtinha depoimentos ricos em dados e em matéria humana. Incumbida de escrever sobre os islamitas da Indonésia, ela desembarcou em Jacarta sem conhecer a região. ‘A história era muito complicada, ainda mais para uma jornalista ocidental. E ela me surpreendeu. Em dois dias, tinha tudo o que precisava e escreveu uma matéria completa e fascinante’.

E é justamente pela maneira singular de fazer jornalismo que Florence é lembrada pela maioria dos colegas que hoje sentem sua ausência. De temperamento agitado, eles contam que ela sofre na hora de transmitir para o papel tudo o que acumulou nas entrevistas. ‘Ainda posso ver sua agonia diante do computador. Ela passa horas imersa num mundo muito particular e ninguém pode lhe dirigir a palavra. No final, um texto sempre primoroso, que não imita ninguém e é geralmente iniciado por detalhes banais que revelam todo o contexto do que se segue’, precisa Phillipe.

Jantares com a família

Consumidos naturalmente pelo estresse da profissão, muitos profissionais do ‘Libé’ dividem a jornada entre a produção de um dos maiores e mais reconhecidos cotidianos franceses e a organização de atos de protesto e de apoio em todo o país. Dentro do próprio jornal, foi criado o Comitê de Apoio a Florence e a Hussein, que conta com 30 membros, entre amigos, jornalistas e parentes. Repórter da editoria nacional e amiga pessoal de Florence, Dominique Simonot é uma das diretoras do grupo e admite que atualmente o trabalho no jornal está em segundo plano. ‘Minha prioridade é Florence e a melhor forma que encontrei para não entrar em depressão foi me engajar na organização de ações que já se espalharam pela França inteira. Mesmo sem notícias, precisamos manter a chama.’

O drama de Florence é vivido com angústia pelos franceses, que vêem mais um de seus jornalistas ser presa fácil nas mãos da resistência iraquiana. Pouco antes de ela ser capturada, Christian Chesnot e Georges Malbrunot, enviados ao Iraque por jornais e rádios franceses, haviam sido liberados após 124 dias de cativeiro. Assim que a terceira jornalista desapareceu, ninguém poderia imaginar que o pesadelo duraria tanto tempo, mas, contrariando as expectativas, o cárcere de Florence é ainda mais longo e completa 150 dias neste domingo, dia 5 de junho. Para lembrar a data, grandes mobilizações são esperadas em todo o país. As principais acontecerão em Paris e em Marselha.

Além de colocar pressão no governo por meio das manifestações, o objetivo do Comitê de Apoio é que essas ações cheguem, de alguma forma, até os reféns. ‘Não há nada pior para um refém do que ser um refém esquecido, e por isso esperamos que eles saibam dos atos de solidariedade que estão sendo feitos em todo o país’, reitera o chefe da redação.

Tomada várias vezes pela emoção, Dominique falou sobre a amizade com Florence, iniciada há 15 anos no ‘Libération’. ‘Ficamos amigas quase de imediato. Além de colegas de trabalho, temos uma convivência que ultrapassa as portas do jornal porque somos vizinhas. Na hora do almoço, costumávamos nadar num clube perto daqui.’ Para se sentir mais perto da amiga, Dominique liga para os pais de Florence todos os dias e um grupo do jornal, do qual faz parte, organiza jantares regulares com a família. ‘Nos aproximamos muito deles, criamos um elo que, apesar de ter sido provocado por uma adversidade, é muito forte.’

Conhecida pela risada inconfundível que ainda ecoa pelos corredores da redação, Florence não dá espaço para brincadeira e desconfia de toda informação oficial quando se lança ao trabalho. ‘Ela quer sempre ouvir a fundo o outro lado da história, buscando a verdade dos fatos e desconfiando de tudo o que é institucional’, çembra a colega e amiga. Foi assim que, sem saber, Florence conquistou fãs pela França e pelo mundo. Sua ‘popularidade’ veio à tona quando o jornal começou a publicar diariamente mensagens de solidariedade enviadas de todas as partes. ‘Ficamos impressionados com a quantidade de pessoas que foram entrevistadas por Florence e que têm um carinho enorme por ela. São pessoas simples que dizem ter passado uma tarde inteira conversando com ela, ou, então, que tomaram um café juntas.’

Mobilização em toda a França

Além da meia página dedicada todos os dias a Florence e a Hussein, com mensagens de solidariedade e a agenda da mobilização, o Comitê de apoio espalhou pôsteres gigantes em vários pontos de Paris e das principais cidades francesas. Adesivos, pulseiras e broches foram distribuídos e um site também divulga mensagens e detalhes das ações.

Amante incondicional da liberdade e dona de um espírito destemido, Florence, aos 44 anos, sempre se lançou em missões arriscadas. Antes de embarcar para o Iraque pela segunda vez, foi a autora de reportagens memoráveis sobre Argélia, Ruanda e Bósnia.. ‘Enviar Florence é sempre a certeza de uma matéria interessante, com um tom diferente. Ela é muito talentosa e competente no que faz’, elogia seu editor François Sergent.

Há mais de 15 anos no cargo, ele diz ter se preparado durante todo esse tempo para algo parecido: ‘Sempre tive pessoas em áreas perigosas. São os riscos da profissão e ser feito refém é um deles. Quando tenho alguém nesses lugares, procuro falar mais tempo ao telefone, fazer brincadeiras e sentir como eles estão. Eu e Florence nos falávamos quase todos os dias e ela estava sempre tranqüila, de bom humor.’

Além de sofrer com a ausência da colega, Gaudemar e Sergent confessam que é muito difícil escrever sobre o assunto. ‘É complicado estar do outro lado dos fatos, ser sujeito da história e ter de escrever sobre um drama que é nosso’, diz Sergent.

Da janela situada atrás da mesa em que trabalhava, em meio aos colegas hoje aflitos com sua ausência, Florence podia admirar todos os dias uma paisagem panorâmica de Paris, em que se confundem milhares de prédios e se erguem, imponentes, a Torre Eiffel e a Igreja de Montmartre. Cenário mágico de contemplação que evoca o bem mais precioso que lhe roubaram: a liberdade.’



O Estado de S. Paulo

‘A festa milionária das celebridades’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/06/05

‘L’Express dá como matéria de capa o uso publicitário dos astros e estrelas

Foi um francês – Guy Debord – quem escreveu um livro cujo título tornou-se um logotipo para o mundo contemporâneo: A Sociedade do Espetáculo. O pequeno volume é de 1968, e, com algumas adaptações, antecipa o culto à celebridade atual. Ela ferve em todos os países. O epicentro, claro, está nos Estados Unidos, em particular na sede da maior indústria de entretenimento do mundo. Mas pulsa em toda a parte, com seu cortejo de figurinhas carimbadas que, com ares de semideuses, se põem alegremente a serviço da publicidade. Os VIPs da moda são assunto da matéria de capa da semanal L’Express. A revista procura mostrar como esse fenômeno, que pode ser rastreado décadas atrás, hoje mudou de configuração. Um agente de stars, que prefere o anonimato, diz que a característica atual é que ‘para muitas estrelas, o ganho que tiram da rentabilização de suas imagens (publicidade, patrocínio, lançamento de produtos com sua grife pessoal, etc.) ultrapassa aquilo que recebem por sua atividade principal’. Por que o que era um bico tornou-se fonte de renda principal? A revista ouve um semiólogo, François Jost, que atribui à multiplicação das mídias eletrônicas essa onipresença das celebridades na vida de todo mundo. Quer dizer, celebridade sempre existiu. A presença forte das mídias no cotidiano simplesmente levou seu poder a uma escala nunca antes sonhada. Os stars têm um pé em sua atração ancestral e outro na modernidade da internet: ‘Eles são um pouco como os deuses gregos da Antiguidade: suficientemente longínquos para suscitar admiração e suficientemente próximos – em especial por seus defeitos e pequenas transgressões – para que possamos nos identificar com eles.’ A revista diz que há uma Omertà entre os VIPs no sentido de jamais revelar cifras. A novidade é que a L’Express abre o jogo, em termos financeiros: Por exemplo, Catherine Deneuve recebe 600 mil por anúncio. E seu colega e parceiro de tantos filmes, Gérard Depardieu, ganhou 1 milhão para enaltecer as qualidades do fabricante italiano de massas Barilla.

O fenômeno é relativamente novo na França. Como diz a reportagem, nos Estados Unidos o uso de celebridades para fins de propaganda já é muito antigo. Mas na França (e talvez também entre nós), quando um ator famoso fazia publicidade de algum produto, logo se dizia que sua carreira estava em baixa, ou que estava precisando de dinheiro urgente. Esse pudor acabou e todo mundo que pode entra na festa. Que, claro, é para relativamente poucos, embora a noção de celebridade tenha passado por um recente processo de democratização. Na França há uma certa Loana Petrucciani, que, como as nossas instant celebrities, lucra com a sua participação no Loft, o Big Brother francês. Por uma curiosa deformação, essas celebridades instantâneas almejam, e não raro conseguem, realizar a façanha da durabilidade.

Atores e atrizes são um must para as agências do celebrity-business, que lucram com a tática de associar suas imagens às marcas. Já vêm prontos, com currículo e tudo, como Deneuve e Depardieu. Mas esportistas também são valores seguros, pois têm imagem associada à juventude, à saúde, ao êxito, ao dinheiro. David Beckham, jogador inglês do Real Madrid, está na ponta, com 10 milhões anuais em publicidade. É seguido de perto pelo golfista Tiger Woods, com 5-6 milhões/ano. Ronaldo e a Cicarelli não foram cotados. L.Z.O.’

CASO NEWSWEEK
Eric Schmitt

‘EUA admitem abusos do Alcorão em Guantánamo’, copyright O Globo / The New York Times, 5/06/05

‘Um inquérito militar descobriu que guardas ou interrogadores na prisão americana de Guantánamo, em Cuba, chutaram, pisaram e respingaram urina em exemplares do Alcorão, o livro sagrado muçulmano. Em alguns casos, diz o inquérito, os incidentes ocorreram intencionalmente, mas em outro o Pentágono afirma que foi acidental.

O respingo de urina foi um dos casos descritos como acidentais e ocorreu quando um soldado aliviou-se perto de uma saída de ventilação. O vento teria levado respingos da urina para dentro de uma cela e molhado o Alcorão de um preso. Segundo o Pentágono, o guarda sofreu uma reprimenda e foi transferido. Em outra ocasião, guardas do turno noturno jogaram bolas de soprar cheias de água nas celas. Em um terceiro caso, palavrões foram escritos em inglês no Alcorão de um preso, mas as investigações não determinaram se a autoria foi do guarda ou do preso. Houve também um caso em que um guarda que pisou num alcorão e outro em que o livro foi chutado. Todos os incidentes ocorreram após janeiro de 2003.

O chefe da investigação, o brigadeiro-general Jay Wood, comandante da Força-Tarefa Conjunta de Guantánamo, disse que os abusos são incomuns. ‘Abusos do Alcorão nunca foram tolerados’, disse ele no relatório.

A investigação começou há três semanas quando a revista ‘Newsweek’ denunciou casos de profanação do Alcorão na base, inclusive um em que um exemplar teriam sido jogado na privada. A revista depois voltou atrás, mas protestos no mundo islâmico causaram 17 mortes.’