Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O noticiário enviesado sobre a violência

 

A questão da violência volta às páginas dos jornais paulistas na terça-feira (28/8). Depois da reportagem antecipando os dados anunciados pela Secretaria da Segurança Pública, publicada na véspera pelo Estado de S.Paulo, o tema volta mais discreto e um pouco mais trabalhado, no próprio Estadão e também na Folha de S.Paulo.

Nos dois jornais, destaque para o fato de que, após vários meses de seguidas altas, o mês de julho de 2012 mostra números menores de homicídios, no estado e na capital paulista, do que os do mesmo período no ano anterior.

Mas, embora os dados estejam mais bem trabalhados na nova versão, não há como escapar da constatação de que os dois jornais tratam com extrema boa-vontade o esforço de propaganda das autoridades.

Depois de destacar em manchete a queda episódica dos indicadores gerais de homicídios, o Estadão coloca no interior do caderno “Metrópole”, sem chamada na primeira página, uma nova reportagem, desta vez menos festiva, na qual aparecem dados menos auspiciosos. Por exemplo, caiu o número de roubos de carros, mas o índice de latrocínios, ou seja, roubo seguido de morte, simplesmente dobrou na capital paulista.

Diferente do que havia afirmado na véspera, quando aceitou publicar parte dos dados antecipados pela assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança sem elementos para fazer uma leitura crítica, o jornalão agora admite que a situação, no geral, “segue preocupante”.

Considerado apenas o ano de 2012, os sete primeiros meses ainda apontam a falta de resultados positivos em densidade suficiente para sustentar a tese oficial de que houve uma reversão na tendência de aumento da violência. Essa seria, de fato, uma notícia a ser comemorada.

Depois de haver passado por um período conturbado, entre os anos 1980 e 1990, quando a criminalidade colocou o estado entre os três mais violentos do país, o cidadão paulista é apresentado a sucessivas estatísticas que, nos números, apontam uma situação gradativamente melhor nos últimos vinte anos. No entanto, antes de repetir o discurso político do governo, a imprensa tem a obrigação de colocar uma lente crítica sobre os dados oficiais.

Mais mortos

Com uma pequena chamada na primeira página, a Folha de S.Paulo, que não foi favorecida com a antecipação dos dados, também compra a ideia de que houve uma reversão na escalada de violência admitida pelo governo paulista no primeiro semestre deste ano. No entanto, o jornal destaca que, enquanto a queda no número de assassinatos foi de 7,7% no estado e 13,2% na capital, em julho deste ano, em comparação com julho de 2011, os casos de latrocínio subiram 100% na capital e 55% no estado – ou seja, a estratégia de combate aos assaltos faz com que os criminosos decidam matar suas vítimas.

As motivações podem ser muitas, mas o “achômetro” dos jornais autoriza qualquer observador a afirmar que o maior número de confrontos nos quais os criminosos são mortos pode ter convencido os assaltantes de que é melhor matar logo a vítima para não ser reconhecido e perseguido por policiais cada vez mais letais.

A rigor, conforme uma especialista entrevistada pela Folha, não há o que comemorar, pois se forem somadas as vítimas de homicídios com as de latrocínios, os dados praticamente não se alteraram entre 2011 e 2012. Além disso, basta olhar os gráficos publicados pelo jornal para se constatar que, comparando os sete primeiros meses deste ano com igual período do ano passado, houve aumento em quase todos os índices criminais no estado.

O quadro é, portanto, muito diferente daquele que foi pintado pelo Estadão na segunda-feira (27), com direito a manchete festiva na primeira página (ver “O noticiário e a propaganda oficial”).

Além disso, há um aspecto que os jornais insistem em ignorar. Trata-se da distribuição dos índices nas diversas regiões da capital. Basta uma olhada no mapa das ocorrências para se observar que a violência aumenta nos bairros mais pobres da periferia quando a polícia se torna mais eficiente nos bairros centrais.

Para complementar os dados oficiais, seria interessante que os repórteres olhassem também os indicadores históricos de outras fontes. Tanto entidades sociais privadas, como o movimento Nossa São Paulo, quanto centros acadêmicos de pesquisa como o Núcleo de Estudos da Violência da USP, e até órgãos oficiais da prefeitura, como a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano mostram a perversidade da distribuição da segurança. Mas esse tipo de análise parece não interessar a uma imprensa cada vez mais partidarizada.