‘A Globo seguia agressiva desde a primeira entrevista de Roberto Jefferson à Folha, há mais de uma semana.
Mas a segunda entrevista coincidiu com uma inflexão, evidenciada já na escalada do ‘Jornal Nacional’, sábado:
– Acusado de corrupção, o deputado Roberto Jefferson faz nova denúncia de pagamento de mesada. Presidente do PTB diz que mensalão era distribuído em malas de dinheiro, mas ele afirma que não tem provas.
Depois, na reportagem, mais qualificações do personagem:
– Ele mesmo acusado… Mas Roberto Jefferson diz que não tem provas… Foi a segunda vez que o deputado fez acusações, após ter sido apontado como comandante de um esquema de corrupção nos Correios… Disse que não tem provas. ‘Era uma conversa cotidiana na Câmara.’
Em contraste, a escalada do ‘Jornal da Record’, sábado:
– Em uma nova entrevista à Folha Roberto Jefferson detalha esquema de pagamento do mensalão. Lula marca reunião decisiva sobre a crise para a Granja do Torto. José Dirceu já fala em deixar o ministério.
E do ‘Jornal da Band’:
– Novas revelações sobre o mensalão… Jefferson diz que o dinheiro era dado por empresas e chegava a Brasília em malas.
Mais da nova inflexão, no ‘Fantástico’, em perfil na voz retumbante de Cid Moreira:
– Ele é acusado de liderar um esquema de coleta de propinas em estatais como os Correios… A crise atingiu a temperatura máxima com o surgimento da gravação com um apadrinhado seu recebendo propinas… O funcionário afirmava agir em nome de Jefferson… Depois de três semanas de intensa pressão, o deputado deu a entrevista na qual denunciou o pagamento do que ele chamou de mensalão… Roberto Jefferson não pode mais renunciar, para escapar ao julgamento da Câmara.
E no noticiário, depois:
– A avaliação dos ministros foi que não há consistência nas novas acusações do deputado. Acusações feitas após ele ter sido apontado como comandante de um esquema de corrupção. O deputado terá que se explicar no Conselho de Ética. Mas Roberto Jefferson já admitiu que não tem provas de nada do que falou.
DE REVISTAS E BLOGS
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos escreveu, em sua coluna no ‘Valor’, que ‘o lacerdismo se mudou para São Paulo’ e terminou entrevistado pela revista ‘Carta Capital’. Disse que, ‘se a chance aparecer, os tucanos vão apoiar esse golpe branco’.
O blog tucano E-Agora reagiu de bate-pronto, em duas notas assinadas por pseudônimo, afirmando que Santos ‘inventou desonestamente o tal golpe branco’ e, depois, que ‘o professor Wanderley resolveu trocar a honestidade intelectual por não se sabe o quê’.
O ex-presidente Collor falou à revista ‘IstoÉ Dinheiro’ que ‘os tucanos são a reedição da UDN, as vivandeiras’, que ‘hoje o PSDB é portador de viés golpista’.
O Blog do Colunista reagiu afirmando que ‘era só o que faltava, virou deboche, derivou para o caminho do escárnio’. A revolta era com os ‘conselhos’, resumidos no enunciado ‘Não repita os meus erros’.
O E-Agora questionou a entrevista do ‘professor Wanderley’, mas deu o link. O Blog do Colunista copiou na íntegra a entrevista de Collor, mas nada de dar o link. É assim no principal blog do país, há mais de um ano -como já avisou e questionou, diversas vezes, o blog de Pedro Dória, no Nomínimo. Até a blogosfera, ‘sem fé nem lei nem rei’, tem as suas regras de conduta.
Cada vez pior
O escândalo corre solto, mas no exterior o que ainda ganha longas reportagens de domingo, como ontem no ‘Los Angeles Times’, é o desmatamento da Amazônia, ‘recorde’.
E tome críticas ao governador de Mato Grosso, mas também -e não poucas- à ministra do Meio Ambiente e governo Lula, descrito como ‘cada vez pior’ na proteção ambiental.
Nomeadamente
Do blog de mídia Intermezzo, reproduzindo o telejornal da portuguesa SIC, na sexta, sobre um ‘arrastão’ em Cascais:
– Portugal experimenta um crime vulgar noutras paragens, nomeadamente Rio de Janeiro, mas inédito entre nós: cerca de 500 jovens invadiram a praia, agredindo e assaltando.
TOM CRUISE VENCEU
Objeto de atenção de jornalistas em todo o mundo por vários dias, a revelação de que Garganta Profunda era o número 2 do FBI, na época do escândalo Watergate, foi fracasso de audiência.
Na semana da revelação, a cobertura do ‘New York Times’ para o episódio não passou da quinta colocação, entre aquelas de maior leitura no site do maior jornal americano. Entre outras, perdeu para uma reportagem sobre o comportamento esdrúxulo do ator Tom Cruise nas entrevistas de lançamento de ‘War of the Worlds’, guerra dos mundos.’
ASSESSORIA DE IMPRENSA
Paulo Nassar
‘O balcão sumiu’, copyright Revista Imprensa, Junho de 2005.
‘O ‘do outro lado do balcão’ é a maneira preconceituosa com que os jornalistas de Redação cunharam os comunicadores das empresas e instituições. Mais do que geográfica, estar do outro lado do balcão, a expressão significava coisas como ‘jornalistas e relações-públicas vendidos aos patrões’, ‘gente que escreve mal e não sabe a diferença entre anúncio e notícia’, entre outras pechas. Essa adjetivação atravessou os anos da ditadura militar e começou a perder força com a redemocratização do país, em 1985, e depois, de forma mais acelerada, com o movimento de reestruturação produtiva, que mexeu com as empresas brasileiras, gestores, acionistas e milhões de empregados, fornecedores e distribuidores. O que significou para os comunicadores – jornalistas, relações-públicas e publicitários – um emergente mercado, no qual fatos a serem comunicados à sociedade foram as fusões e aquisições, a conquista das certificações de qualidade, a inovação de produtos e serviços, as invenções de recursos humanos, as privatizações, entre outros acontecimentos do capitalismo brasileiro.
As ondas da democracia e da transformação das filosofias e das metodologias de produção das empresas chegaram também ao ambiente das empresas jornalísticas. Quem não se lembra do projeto Folha de São Paulo, que significou a entrada retumbante das metodologias de administração, ligadas principalmente ao taylorismo, na forma de pensar e fazer os periódicos brasileiros. Os manuais de redação, disseminados como os anjos da modernidade, com os seus verbetes, normas e procedimentos, são a ponta do iceberg desse processo.
Nas redações também mudaram os estilos de comando e controle, e até a maneira de vestir-se. Reengenharias e donwsizing aconteceram em ambos os lados do balcão. O resultado disso tudo é que o mundo da comunicação empresarial, notadamente nas assessorias de imprensa, foi invadido por centenas de egressos, demitidos ou empreendedores, oriundos das principais redações de jornais, revistas e emissoras de televisão brasileiras. De tal maneira que o jornalista de redação começou a ver, e a encontrar, do ‘outro lado do balcão’ os coleguinhas e até os chefes de ontem. As principais assessorias de comunicação da atualidade, muitas delas ainda não atingiram a idade balzaquiana, têm raiz neste processo.
A mudança de paradigma dos profissionais de imprensa juntou-se a uma mudança também no mundo das universidades, nas quais o estudante de comunicação começou a ser formado diretamente para as estações de trabalho das agências e das áreas de comunicação das empresas. Por razões que todos conhecem, os novos jornalistas não titubeiam em batalhar por uma vaga em empresas como Petrobras, Natura, Fiat, Gerdau, Avon, Vale do Rio Doce, Pão de Açúcar, entre outras, em detrimento do trabalho nas grandes corporações jornalísticas. O ‘outro lado do balcão’ transformou-se para os foquinhas, e também para a velha guarda do jornalismo, em um lugar melhor para se trabalhar.
Uma pesquisa do Instituto ABERJE, realizada em 2003, e repetida em 2005, com as 100 maiores empresas brasileiras, mostrou que as oportunidades educacionais que essas organizações oferecem aos seus comunicadores, a maioria deles mulheres, os estão transformando em mestiços profissionais. A pesquisa revela que 40% dos comunicadores empresariais têm uma segunda e terceira formação, em áreas como administração, marketing, antropologia, história, direito e relações internacionais.
O capitalismo, que derrubou o Muro de Berlim, derrubou também o muro que havia entre as redações e o mundo organizacional.
*Paulo Nassar é diretor-presidente da ABERJE (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial e professor da ECA-USP.’
DASLU & NEW JOURNALISM
Fred Melo Paiva
‘Abre as portas a nova Daslu’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/06/2005
‘A senhora já deve ter visto a gente. Estamos aqui embaixo. Se olhar da janela em direção à Rua Funchal, vai ver um beco comprido. Se subir no heliporto da loja, vai reparar nos nossos telhados. É tudo meio disforme, uma casinha se escorando na outra, que é para não desabar. A gente quase não usa tijolo nem cimento – só um ou outro mais afortunado é que conseguiu levantar uma parede, bater a laje, fazer um reboco. A maioria de nós, como a senhora pode ver, preferiu usar madeira – quer dizer, pedaço de pau e chapa de compensado. Se a senhora consegue ver direitinho aí de cima, vai achar que a gente é bem porco. Isso porque o nosso beco está sempre meio molhado, uma água suja que corre no meio da rua. Mas, olha, não é culpa nossa não. A gente é pobre mas é limpinho. O problema é que aqui não tem rede de esgoto e são mais de 200 barracos, espalhados pelo beco, e mais oito vielas. Já viu a merda que isso dá, né? A senhora deve estar estranhando a quantidade de fio que sai daquele poste e se divide em vários outros, interligando tudo. É gato, menina. Tudo gato. E tem cachorro também. A senhora consegue ver aquele pit bull branco? É o Dólar. E o rottweiller? É o Fidel. Agora veja só que confusão: gato com cachorro, pit bull com criança, o esgoto passando no meio, música alta, vizinho fazendo churrasco na viela, todo mundo na rua em pleno dia de semana. Pois é. Isso aqui tem nome. Chama favela. E a gente gostaria de apresentar ela à senhora como uma forma de lhe dar as boas-vindas: Eliana Tranchesi, favela. Favela, Eliana Tranchesi.
A gente sabe que quando a senhora abriu a sua loja a senhora fez um tour com o pessoal para apresentar o prédio. A senhora, não – a filha do governador. Então a gente vai fazer um tour com a senhora aqui na favela. Faça o seguinte: desça daí e venha de a pé. O nosso beco chama Rua Coliseu e é a primeira à direita depois da porta da Daslu. Bem na esquina, a senhora vai encontrar o Genivaldo Francisco, o Geninho. O Geninho é tomador de conta dos carros que ele estaciona no beco. As vagas são todas dele, e é por isso que ele possui um cone sempre à mão. Ele tem 44 anos e mora na favela há 36. Fica o dia inteiro sentado numa cadeira preta bem na entradinha da favela. Diz ele que na loja da senhora ‘só entra grã-fino, só carrão, BMW etc. e tal’. É que ele tá ali, sempre de olho. ‘O pessoal não é fraco, não’, ele fala. A senhora não vai ter problemas para identificar o Geninho. Ele só anda bem arrumado, sempre na estica. A senhora, que gosta de moda, pode até puxar conversa. Ele vai explicar para a senhora que gosta mesmo é de camisa social. E que está sempre de gravata ‘porque o pessoal que estaciona comigo é de um nível um pouco elevado’. O Geninho tem uma particularidade. Ele sabe essa história do Coliseu, que vem a ser o nome da nossa rua: ‘Diz que tinha um Coliseu lá nos Estados Unidos, ou por aí afora. Segundo eu tô sabendo, era onde eles pegavam uns evangélicos e davam para os leões. Isso se eu não estiver equivocado…’
O Geninho, senhora, o Geninho era ‘mindingo’. Foi viciado em crack durante dez anos. Daí, diz ele, ‘Deus me tirou do lamaçal do pecado, da pinga, da maconha’. Isso foi há sete anos, e portanto a senhora pode ficar tranqüila que o Geninho é igual o Fidel: ele não morde. Então pode ir entrando. À sua direita, logo na entrada do beco, tem uma barraquinha de pastel. R$ 1,30, e a senhora ganha um copo de suco de maracujá. Pode comer, que a gente garante. Porque a gente soube que no dia da inauguração da sua loja a senhora serviu uma comida lá que caiu meio estranha – parece que deu uma caganeira nos garçons, não foi isso? Pois é, aqui a senhora pode mandar ver o pastel do seu Venuto. Depois a senhora conta pra gente.
Vem vindo, senhora, vem vindo. Pode chafurdar o seu saltinho na lama que não tem nada, não. A próxima parada é o bar do Assis, à sua direita. (Aqui tudo fica à direita, porque à esquerda tem um muro que vai de ponta a ponta.) O Assis é o seguinte: Assis Monteiro da Silva, 47 anos, 25 de favela, 18 de boteco. ‘Quando eu cheguei aqui, era tudo alcalipto, tudo mango. Aqui bem no meio tinha um rio, e pra passar a gente punha umas tauba. Pra fazer os barraco aqui, nós é que aterremo tudo. Quando chovia, ih, mano…’ Eu vou traduzir para a senhora. Alcalipto é eucalipto; mango é mangue; tauba é tábua; aterremo é aterramos. Agora, a gente soube que na loja da senhora tem um ‘Daslu Gym’, uma ‘Niketown’ e um ‘dermocenter’. A gente também deu uma olhadinha na revista da sua loja, que um repórter trouxe aqui. Tem um negócio assim: ‘Getty girlie. Acessórios delirantes, desejos necessários e pequenos anseios femininos. Tudo é must have, sonho de wardrobe’. Tem uma outra: ‘Soup works. O melhor diner d hiver começa com um bom consommé. A seguir, composições ideais para uma entrée superbe’. Depois a senhora traduz pra gente, tá?
Quando a senhora encontrar o Assis (ele está sempre de bermuda e tem uma barriga grande), pergunta para ele como era a Daslu: ‘Aí agora onde tem o shopping, aí era uma lagoa, mano. Nós peguemo muito preá aí nessa Daslu, muito calango, umas abóbora grande. No tempo que a gente não tinha o que comer, comia os preá e os calango. Era legal, mano, era muito legal’. A senhora vai devagar com o Assis, porque ele tem umas idéias aí. ‘Eu tinha curiosidade de entrar aí nessa Daslu. Mas eu nunca entrei nem pode nóis entrar. Quando eu fico sabendo que tem lá um casaco de R$ 50 mil, lógico que dá uma revolta em nós tudo que é pobre. Porque a gente não arruma porra nenhuma, né, véio? E aí tem um casaco que custa o preço do nosso barraco? De tanto helicóptero, no dia da inauguração isso aqui parecia mais aeroporto. Pousava um, vinha outro; saía o outro, chegava um. O Brasil é assim mesmo.’ Olha, a senhora desculpa essas idéias aí do Assis – afinal, entre um e outro preá, ele já consumiu alguma coisa lá na Daslu.
Pois é. A propósito dessa revolta aí que algumas pessoas sentem, a gente viu uma entrevista da senhora que tocou muito a gente. A senhora disse que a nossa elite está mudando, que está muito mais consciente da situação do País. A senhora disse também que o exemplo que a senhora dá é muito bom. A gente achou isso maravilhoso. Mas a gente reparou uma coisa, que eu vou te falar… parece até coisa de jornalista. Antes de cada pergunta, aparecia uma sigla: CC, de CartaCapital, a revista que entrevistou a senhora. Antes das suas respostas, aparecia outra sigla: ET. A gente sabe que é da senhora, Eliana Tranchesi. Mas fica parecendo que a senhora é de outro mundo…
A senhora é do mesmo mundo que a gente. Quer ver? Tá lá na entrevista: a senhora não estudou sociologia porque o pai da senhora tinha medo da senhora ser presa. E a senhora acredita que aqui na nossa favela tinha uma mulher que estava presa? Presa de verdade. É por isso que a senhora tem de apertar o passo e vir aqui no fundo do beco – a Fernanda acaba de ser libertada, saiu ontem em liberdade condicional. Então tá rolando um churrasco de ‘capa de filé com filé miau, salada de alface e maionese’. A senhora já ouviu falar na Fernanda. Fernanda Maria de Jesus, a Miss Penitenciária, eleita em novembro do ano passado. Ela cumpriu três anos de cadeia e não foi porque estudou sociologia. Foi tráfico mesmo, o que não deixa de ser isso aí.
A Fernanda é um dos 17 filhos da dona Amazina Maria de Jesus, de 63 anos, a moradora mais antiga da Favela Funchal – ‘veve aqui há 42 anos’. ‘Quando eu cheguei da Bahia, aqui tinha matagal e cobra. Não tinha luz e a gente usava lampião. Os caminhões de entulho jogavam lixo. Aí a gente limpou tudo e o meu marido construiu um barraco de madeira. Aí pegou fogo no barraco – nuns 40 barracos. A gente construiu outro.’ O barraco da dona Amazina é um clássico aqui da favela: dois quartos embaixo, dois em cima e um banheiro. Dona Amazina, que ainda não sabe se o nome dela é com s ou com z, trabalhou sempre na faxina. É muito comum por aqui, da mesma forma que é muito comum o pessoal que trabalha na construção civil. A senhora sabia que 40 pessoas da favela trabalharam nas obras da Daslu? Quarenta dasluzetos.
Dos 17 filhos da dona Amazina, a senhora acredita que já morreram quatro? Não foi tiro nem foi droga – foi doença. A Marisete, que é uma das filhas dela, tem um barraco no fundo do beco. Nasceu na favela há 40 anos. Não nasceu no hospital – nasceu na favela em dia de chuva, ‘a parteira com a água batendo na altura do peito’. Marisete é a fazedora de churrasco, a promotora das noites de bingo, a dona do boteco mais festejado da favela. Ela jura que aqui embaixo é melhor do que aí em cima. Diz ela que ‘nós somos mais felizes porque a gente sai e faz o que quer’. Não sei se é o caso da senhora, mas diz a Marisete que vocês só ‘ficam presos dentro de casa ou dentro do carro’. Por falar em ficar preso, a Fernanda – a que foi Miss Penitenciária -, ela tem uma opinião sobre a arquitetura da Daslu. A gente achou importante falar para a senhora porque a Fernanda sabe muito bem do que está falando. Então não vá tomar a gente como mau vizinho. Mas a Fernanda acha que o prédio da Daslu ‘parece um pavilhão de cadeia, meio sinistro’. Agora, o pavilhão da senhora é dez, viu?
‘Eu enxergo essa construção como uma hipocrisia. Como podem fazer uma coisa com tanto luxo, tanta grandeza, tanto dinheiro? Será que isso não constrange? Esses dois mundos separados só pelo muro, e nosso presidente não faz nada? Você tem que ter uma cabeça muito boa para dizer ‘aquilo não me pertence’. Você sabe o que é trabalhar o mês inteiro e não suprir o alimento da casa? Sabe o que é trabalhar com fome? O governador entrou lá. Por que não entrou aqui?’
Ih, senhora, a irmã da Marisete, a Rosana, parece que tem as mesmas idéias do Assis. Liga, não. Se aprochegue aí no churrasquinho da Fernanda. Espero que a senhora tenha gostado da nossa casa. Se precisar de alguma coisa, tamo aqui embaixo. É só a senhora chamar.
Depois da inauguração para convidados no fim de semana passado, a nova Daslu foi aberta ao público. Às 10 horas da manhã, havia apenas uma discreta fila de carros na entrada da loja. No fim do dia, grifes como Louis Vuitton já registravam boas vendas.’
CULTURA EM SP
Juliana Bianchi
‘A onipresente TV, acesso à cultura para a maioria’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/06/2005
‘Presente em cerca de 96% dos domicílios da Grande São Paulo, a TV colorida não se restringe a uma classe social – entre as classes D e E, esse número atinge 87%. Não é de se estranhar que seja apontada como meio de acesso à cultura por 93,5% dos entrevistados. A surpresa vem na freqüência com que a população assiste TV – 69,1% da amostra declarou ver televisão todos os dias e 15,2% dedicam mais de seis horas a esse hábito. Os grandes consumidores de programação estão distribuídos de forma homogênea por toda a amostra, ainda que os índices sejam maiores na classe C, nos níveis mais baixos de escolaridade, entre mulheres, jovens e pessoas com mais de 60 anos.
É o caso de Cirilo Arnaldo Assumpção, de 76 anos, que passa em média sete horas por dia na frente da TV. ‘Ligo logo que acordo, às 7 horas, e só desligo quando dou um pulinho na esquina.’ A estudante Vanessa Aparecida B. da Silva, de 23 anos, é outra que dedica grande parte do dia à telinha. ‘Assisto de programas de entrevista e fofocas a novelas e jornais.’
Desempregada, ela chegou a ganhar de aniversário uma assinatura de TV a cabo. O presente abriu portas culturais, porque a operadora sorteia ingressos no decorrer do dia. ‘Depois disso, passei a ir muito mais ao cinema.’’
O Estado de S. Paulo
‘A restrita ilha cultural da Grande SP’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/06/2005
‘Pesquisa mapeia formas de acesso a informação e entretenimento e mostra divisão entre ‘Mesopotâmia’ e periferia
Numa noite de quarta-feira, a TV é mais irresistível para um público amplo: futebol e um capítulo movimentado da novela América, da Rede Globo. Ficar em casa de olho na telinha é um hábito para 93,5% dos moradores da Grande São Paulo, segundo pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Mas nessa mesma noite, no Jardim São Luís, na periferia da zona sul, há um grupo de resistência. Trata-se de uma reunião semanal aparentemente improvável, um sarau de poesia organizado por agitadores culturais de uma região mais conhecida pelos problemas sociais, em particular a violência.
O mesmo trabalho que mensurou o hábito de ver televisão traz dados que tornam mais factível a existência do grupo literário do Bar Zé Batidão e seu sarau. De 2.002 pessoas ouvidas em toda a Grande São Paulo, em meados de 2003, 9,3% declararam ter produzido algum texto literário. Esse indicador atinge seu pico nas classes A/B (11,4%), mas não é desprezível nas classes C e D/E (9,4% e 7,0%).
O poeta Sérgio Vaz, mentor da Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa), que organiza o sarau, é enfático: ‘A TV é um sonífero. Não dá para ficar só com ela.’ Nas áreas pobres, porém, ela é a janela quase que exclusiva para o mundo da informação e do entretenimento.
Recém-concluído, o trabalho do CEM, coordenado por Isaura Botelho, doutora em Ação Cultural pela Universidade de São Paulo, levantou dezenas de práticas de cultura e de lazer da população acima de 15 anos. Ele dimensiona, entre outros, o uso de rádio, ouvido diariamente por mais de 50% da população das classes C e D/E. E informa que 24,9% dos habitantes das classes D/E leram ao menos um livro por prazer nos 12 meses anteriores à pesquisa.
O trabalho mostra também o peso do território como condicionante dos hábitos de cultura. Um conjunto de 20 distritos entre os Rios Tietê e Pinheiros, na área que abrange o centro expandido, forma o que os pesquisadores designaram de Mesopotâmia Cultural (ver mapa) – referência à civilização que floresceu entre os Rios Tigre e Eufrates. Eles têm, em média, maiores taxas de renda e escolaridade, são mais bem servidos de transportes e concentram a maior parte dos equipamentos culturais, explica o antropólogo Mauricio Fiore, um dos autores da pesquisa.
A população acima de 15 anos dessa área (1 milhão de pessoas) tem três vezes mais chance de ter uma vida cultural ativa fora de casa que os habitantes das outras partes da metrópole (12 milhões). Na chamada Mesopotâmia, 54% da população chegou à universidade, ante 13,2% nas demais áreas da metrópole.
Outra forma de enxergar os contrastes é a preferência musical. A população entre os rios têm como gêneros preferidos MPB, música romântica, clássica, rock internacional e jazz/blues nos cinco primeiros postos do ranking. No restante da Grande São Paulo, a ordem é sertaneja, música romântica, MPB, samba e religiosa.
ANOS 80
Os fundadores da Cooperifa sabem bem o que é viver fora da Mesopotâmia. Nos anos 80, o grupo, hoje na casa dos 40 anos, tinha o costume de ‘atravessar o rio’ – no caso, o Pinheiros – para ter acesso à cultura. Mais do que a transposição física, tratava-se de romper a barreira simbólica de um mundo de outras classes e outros códigos. Buscavam a efervescência cultural no centro, Bexiga, Pinheiros, Moema. Em 2000, a maioria deles se ocupava mais com o trabalho e a família, mas se ‘incomodaram com a acomodação’, segundo Márcio Batista, professor da rede pública. Daí surgiu a cooperativa.
O grupo tem quase todas as características daqueles com menos probabilidade de ter uma vida cultural ampla: possui, na média, renda e escolaridade baixas e mora na periferia. A atividade de cunho artístico que eles exercem, contudo, é um fator que aumenta em quase quatro vezes a probabilidade de acesso à cultura fora de casa. Há três anos, o sarau reúne homens e mulheres de todas as idades, que compartilham uma mistura de poesia e desabafo.
No cinturão fora da Mesopotâmia, há uma concentração de crianças e jovens sem pontos próximos de lazer e cultura. E é nessa faixa etária em que se consolidam os hábitos de consumo cultural. Mas há muitos jovens no sarau da periferia, grande parte deles rappers que declamam suas letras e seu protesto.
‘No começo, a molecada só colocava para fora a revolta. Hoje, estão aprimorando a forma de se exprimir e estão mais soltos’, diz Vaz. A Cooperifa lançou uma antologia de seus colaboradores, Rastilho da Pólvora, com apoio do Instituto Itaú Cultural. Uma nova forma de alcançar a outra margem do rio.
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‘4 em cada 10 não vão a show, museu, teatro ou cinema’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/06/2005
‘Dois aspectos de uma mesma questão. A professora aposentada Thelma Cecília Pistelli de Mattos, de 54 anos, não freqüenta teatros, cinemas ou exposições. Moradora da Pompéia, bairro da Mesopotâmia Cultural, ela se sente insegura ao sair de casa. É uma consumidora de TV, rádio, jornais, revistas e filmes. ‘Vejo o David Letterman e a Oprah na TV a cabo e não desgrudo do rádio AM.’ Thelma assina jornais e revistas para completar o kit antialienação. O marido se ocupa da internet.
José Aparecido Bressane, ex-prefeito de Francisco Morato, cidade-dormitório no extremo norte da metrópole e com opções culturais mínimas, conhece de perto a realidade de um outro tipo de habitante. ‘Pessoas de baixa renda, que trabalham de segunda a sábado e precisam descansar. Até de graça é difícil convencê-las a sair’, diz Bressane.
Uma série de razões determina um aspecto marcante da pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM): quatro em cada dez moradores da Grande São Paulo não tiveram atividade cultural fora de casa, ou seja, não freqüentaram show, biblioteca ou museu, por exemplo, nos 12 meses anteriores às entrevistas da pesquisa,feitas em meados de 2003. O grupo compõe-se em grande medida por pessoas de baixa escolaridade (75,6%).
Segundo a pesquisadora Isaura Botelho, isso está relacionado a algo mais amplo. Os avanços tecnológicos em som e imagem, a ampliação da variedade de oferta televisiva e de produtos em DVD, aliados ao barateamento dos equipamentos eletrônicos, alteraram o comportamento dos indivíduos. A internet contribuiu para novas formas de interação com o mundo. O crescimento urbano anárquico de São Paulo se relaciona com o desenvolvimento das culturas eletrônicas. A irracionalidade da urbanização é, de certa forma, compensada pela alta eficácia das redes tecnológicas.
LAZER
É importante notar que as pessoas que não tiveram acesso externo à cultura podem ser adeptas de atividades de lazer fora de casa. A mais expressiva delas é ir ao shopping – citada por 70,7% dos entrevistados. Os centros de compra têm forte apelo em todas as classes, mas em especial nas A/B (86,4%) e menos nas D/E (52,3%). É grande o número dos que disseram ter ido à praia no ano anterior à pesquisa (56,7%), com forte predomínio nas classes A/B (77,4%). A adesão a festas populares (juninas, rodeio) vem em seguida: 46,2%.
Uma extensa lista de práticas mostra que 30,3% dos entrevistados jogaram futebol e 15,7% foram ao estádio para ver uma partida. Já 45,5% se dedicaram às palavras cruzadas; 51,9% executaram algum conserto em casa e 46,5% experimentaram novas receitas culinárias.’