Em tempos dos tão bem-vindos Bolsa Família, Vale-gás, Cheque-cidadão, Restaurante-popular e tantas outras políticas redistributivas e compensatórias implementadas pelo governo federal, além dos estaduais e municipais, quero dar a minha singela contribuição para melhorar a vida do povo, combatendo diretamente uma das mazelas que afetam a vida de todos nós: o lixo televisivo. O propósito é auxiliar o esforço governamental para ampliar a chamada rede de proteção social e incluir no seleto público das TVs por assinatura o contingente de muito mais de cem milhões de pessoas que, entra ano sai ano, permanece alijado e distante de uma programação de TV diversificada e de qualidade.
A sugestão é criar o Bolsa TV, ou o Cheque TV a Cabo, ou quem sabe o Vale TV de Qualidade, ou ainda o Pró-Espectador, visando amparar mais 90% dos telespectadores que sobrevivem acorrentados pela TV aberta, condenados a conviver, principalmente nos finais de semana, com inomináveis programas e apresentadores que, acintosamente, perpetuam-se ‘no ar’. Isto sem citar os pastores pidões e os filmes, na sua grande maioria, de qualidade duvidosa e que não se deixam ausentar nos domingos cada vez maiores.
Entretenimento de qualidade gratuito
Creio que chegou o momento de olharmos por esta gente excluída da possibilidade de usufruir a programação variada que, salvo cada vez mais raras exceções, é oferecida somente pela TV por assinatura. Famílias que nunca provaram do seleto cardápio de programas de receitas do Canal GNT; jamais sacudiram os esqueletos assistindo ao TVZ do Canal Multishow; nem escolheram o filme predileto nas tardes de domingo dentre as sempre quase e boas opções das redes Telecine, TNT e Universal, sem contar os oferecidos pelos HBO, ou ainda os pay-per-view. Excluídos que sequer cogitaram mergulhar pelos brasis afora adentrando novos caminhos descortinados nos documentários da rede STV, nem tampouco se atualizaram sobre a língua no Programa de Palavra.
Vamos, senhor presidente, resgatar os/as chefes de família que ainda não temperaram suas opiniões políticas após sorver as brilhantes entrevistas do William Waack com pensadores e cientistas de todos os matizes no Globo News Painel, da Globosat. Nem brindaram à cultura assistindo os saraus conduzidos pelo Chico Pinheiro com os baluartes da música brasileira.
Esta idéia me ocorreu assistindo o programa Você é o que você come, exibido pelo Canal GNT, o qual aborda a questão da nutrição de forma didática e com uma boa pitada de humor. Pensei no quanto avançaremos em direção à prática da tão pouco exercida cidadania no dia em que todos tiverem acesso à informação e entretenimento de qualidade gratuitamente na TV. Neste caso, quando assistia ao referido programa, pude refletir sobre recente pesquisa do IBGE que constatou que grande parte da população brasileira sofre de obesidade principalmente pela ausência de uma educação alimentar adequada e vítima da desinformação.
Pluralidade e diversidade
Este estado de coisas me faz pensar sobre o quanto são penalizadas as famílias que não pertencem às classes sociais favorecidas, que não têm acesso a bens culturais e de informação tão valiosos, especialmente se comparadas àquelas, mais abastadas, onde a TV por assinatura se tornou artigo de primeira necessidade.
Proponho ainda que, neste período de férias, por alguns instantes deixe de lado vossos relevantes afazeres, num dia qualquer da semana, e preste atenção nas crianças que fazem parte do seu círculo de relações, no momento exato em que estiverem assistindo TV. Neste caso, descartemos qualquer juízo de valor quanto ao conteúdo do programa a que estiverem assistindo, em si. Peço apenas que tente perceber o grau de concentração e a expressão do semblante de cada uma delas e o tempo que elas permanecem imóveis, sem desgrudar os olhos do aparelho, apreendendo e aprendendo tudo o que é oferecido pela telinha.
Quando será que as populações interioranas, ribeirinhas, dos sertões, do norte, nordeste, centro-oeste e todas as demais famílias de baixa renda conhecerão e consumirão, nas tardes de domingo, com direito a escolher o que assistir na pluralidade e diversidade contidas nas opções de educação, informação, formação e entretenimento oferecidos pelos canais infantis disponíveis pelas TV por assinatura? Dentre eles, o Canal Futura, TV Ra-Tim-bum, Canais Disney, Discovery Kids, Cartoon Network, Nickelodeon, Jetix, Bumerang, Cultura e TVE (estes, disponíveis na TV aberta) e tantos outros disponíveis apenas para poucos? Seria justo manter a imensa maioria das crianças do Brasil condenada a assistir tão-somente à decaída programação da TV aberta?
Aceitemos ou não, TV é educação
Decerto que não pretendo menosprezar a importância e dimensão social do programa Bolsa Família ao fazer esta analogia com as idéias aqui ventiladas, nem afirmar que a implantação de um Bolsa TV será a solução para demandas recorrentes, como a inclusão da educomunicação, ou educação para os meios, nos currículos escolares da educação infantil pública. Ou ainda, o avanço do marco regulatório brasileiro no setor das telecomunicações, no que tange à regulamentação do conteúdo da programação, tampouco tornar efetivo, num passe de mágica, o Conselho de Comunicação Social na defesa dos interesses públicos contra os abusos das emissoras.
A desejável efetivação do Bolsa TV também não poderá, de uma hora para outra, fazer sentar à mesa de negociações os programadores, concessionários, autores de conteúdo, roteiristas e diretores para, juntos, trabalharem na construção de um novo paradigma comum a todas as emissoras que atenda tanto aos interesses comerciais das emissoras e patrocinadores quanto ao caráter educativo da programação televisiva. Uma ação que, sem sombra de dúvida, poderá ajudar o Brasil a superar o analfabetismo e se equiparar aos países em desenvolvimento, na questão da educação de qualidade.
No entanto, que possuir um Vale TV de Qualidade, numa tarde de domingo, ajudaria muito, isso ajudaria. Não é mais aceitável dizer que o povo é quem quer e gosta de ver e consumir lixo na TV. Logo, a TV não pode ser lugar de lixo. Antes de tudo, como indica a Constituição, a TV é um lugar narrativo predisposto à educação e aos educadores. Aceitemos ou não, TV é 100% educação.
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Redator e diretor de criação publicitária, especialista em políticas públicas pela Escola de Políticas Públicas e Governo da UFRJ; autor de Manual do Telespectador Insatisfeito (Editora Summus, 1999) e Acorrentados, a fábula da TV (Editora Letra Legal, 2006)