‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou ontem o período de discursos, evasivas e tiradas futebolísticas para, finalmente, tomar decisões com vistas a enfrentar a crise política. Foi anunciado o pedido de demissão do ministro da Casa Civil, José Dirceu, que passará a atuar na Câmara dos Deputados.
Desgastado desde o escândalo envolvendo seu ex-assessor Waldomiro Diniz, Dirceu foi perdendo influência no núcleo do governo. Também suas posições críticas em relação à política econômica o colocaram em rota de colisão com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a quem o presidente passou a dedicar crescente consideração.
Ao deixar o Executivo, depois de conclamado a fazê-lo pelo deputado Roberto Jefferson, em seu depoimento no Conselho de Ética da Câmara, Dirceu já não era nem uma sombra daquele político que, no início da nova administração, chegou a se comportar como uma espécie de ‘superministro’, centralizando as principais articulações e traduzindo as inclinações do presidente Lula.
Com a demissão, o Planalto dá início a um necessário rearranjo de sua face política. Cogita-se que as mudanças ministeriais sejam acompanhadas de medidas nas áreas econômica e administrativa, visando a contrastar os efeitos da crise e recompor a credibilidade do governo.
Pesquisa Datafolha publicada hoje sugere que a população concede um voto de confiança ao presidente Lula. A avaliação do governo ainda não foi influenciada pelas denúncias do deputado Roberto Jefferson acerca do suposto esquema do ‘mensalão’. A queda de popularidade registrada no levantamento anterior, feito depois da eclosão do escândalo dos Correios, não se alterou.
Uma hipótese é que, na ausência de provas, e tendo em vista a biografia do denunciante e a do primeiro mandatário -que não sofreu nenhuma acusação direta-, o caso não tenha propiciado juízos conclusivos acerca do comportamento do governo.
Mantêm-se, pois, as condições para que o presidente procure reconquistar a iniciativa política -ainda que os imprevisíveis desdobramentos das investigações possam reservar surpresas desagradáveis.’
OPERAÇÃO CEVADA
Valor Econômico
‘Gravação envolve mídia no caso Schin’, copyright Valor Econômico, 17/06/05
‘Gravações telefônicas feitas pela Polícia Federal na Operação Cevada, que prendeu 68 pessoas ligadas à Schincariol por suposto esquema de sonegação, sugerem que a empresa teria negociado pagamentos a alguns órgãos de imprensa como forma de ‘blindar’ a cervejaria. Seria uma maneira de facilitar a publicação de matérias favoráveis à empresa e evitar reportagens negativas. As negociações teriam sido feitas pelo publicitário Luiz Lara, da agência Lew,Lara, que atende as contas de parte dos produtos da Schin, entre eles cerveja Primus e refrigerantes.
Em trechos de uma conversa com Adriano Schincariol, diretor-superintendente da Schin (ver abaixo), Lara afirma que a revista ‘Isto É’ estaria com problemas de caixa e que se a empresa desse dinheiro a Domingos Alzugaray, diretor da Editora Três, que edita a revista, faria o que Adriano quisesse, inclusive a publicação de ‘uma capa da Dinheiro sobre a pauta fiscal’. A conversa ocorreu em 17 de dezembro e depois a revista publicou uma reportagem sobre o assunto. Em 23 de fevereiro, a ‘IstoÉ Dinheiro’ saiu com reportagem de capa com o título ‘A virada da Schin’.
Procurado ontem, Domingo Alzugaray, informou, em nota, que não conhece o teor da fita da Polícia Federal e salientou, ‘enfaticamente’, que ‘as capas e o texto editorial das publicações da Três não estão à venda’. ‘A Schincariol anuncia nas nossas revistas assim como em todos os grandes veículos de comunicação do país.’
O publicitário Luiz Lara confirmou a conversa com Schincariol. ‘Me excedi de forma inadvertida. Tinha conhecimento de que estava sendo trabalhada uma pauta sobre a questão fiscal e fiz mau uso da palavra. Peço desculpas à Editora Três e aos demais veículos de imprensa’, afirmou Lara. Ele salientou que não houve compra de capa ou de matérias e ressaltou que outras publicações fizeram reportagens sobre a questão fiscal envolvendo a indústria de bebidas.
As reportagens foram baseadas em estudo da Trevisan que mostra que marcas líderes de cerveja chegam a pagar até oito pontos percentuais a menos de imposto que as demais. A distorção, segundo a Trevisan, ocorre porque o cálculo do IPI é feito sobre o volume de cerveja vendido, sem levar em conta o preço do produto.
Luiz Lara confirmou também que a Schincariol fechou em dezembro um pacote publicitário com a Três para 2005 no valor total líquido de R$ 500 mil, o que dá à cervejaria o direito de usar 29 páginas publicitárias e 12 de bonificação. Houve um desconto de 20% por conta do pagamento antecipado. ‘É uma forma de usar o orçamento de um ano para a publicidade do ano seguinte’, explicou.
No mesmo diálogo com Adriano Schincariol, Lara fala também em ‘blindar’ a ‘Época’, publicada pela Editora Globo, e comenta reportagem feita pela revista sobre o mesmo estudo da Trevisan. O diretor de redação da ‘Época’, Aluizio Falcão, negou peremptoriamente que a revista negocie reportagens. ‘O caso parece ser de um publicitário que quer crescer em cima de seu cliente.’ A ‘Época’ publicou duas reportagens sobre a Schin: em dezembro de 2003, citando que a briga entre a cervejaria e a Ambev havia chegado à CPI da Pirataria, e em dezembro de 2004, que trata do estudo da Trevisan.
A Schin é anunciante da Editora Globo. No ano passado, gastou R$ 1,2 milhão em publicidade na editora. Neste ano, a verba é de R$ 500 mil, destinada à revista ‘Quem’.
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Ipsis litteris
Trecho do diálogo gravado e transcrito pela Polícia Federal entre Luiz Lara (LA) e Adriano Schincariol (A):
A – Precisa blindar IstoÉ e Época, né?
LA – É exatamente essas… ontem eu estive longamente com o Alzugaray (Domingo Alzugaray – editor e responsável pela Isto É Dinheiro), você blindou este ano, as duas por intermédio daquele nosso amigo lá, agora se você quiser blindar o ano que vem, ontem eu estive longamente com o Alzugaray, aqui entre nós, ele está com um problemão de caixa, agora no final do ano, muito aqui entre nós, eu fechei um milhão de reais de mídia antecipada no Banco Real e mais um pouquinho de CPFL para ele poder pagar agora dia vinte as despesas dele, vai ser um milhão e trezentos para ele.
A – Fala para o Luís também para ele ver isso aí, para a gente fechar estes dois também o ano que vem…
LA – O Domingos, se você der um dinheiro agora no final do ano, ele vai, para usar em crédito o ano que vem, ele vai fazer o que você… precisar, ele te dá uma capa da Dinheiro sobre a pauta fiscal…
A – Putz, aí mata a pau, não?
LA – Se você quiser eu faço com o Domingos aí, se você colocar na mão dele 500 mil, um milhão de reais na mão dele o dinheiro que for agora nesta próxima semana, ele está com um problema de caixa seríssimo, é gravíssimo, você pode contar com ele ano que vem e só para finalizar, agora eu esqueci.’
TODA MÍDIA
Nelson de Sá
‘Um dos mais fortes’, copyright Folha de S. Paulo, 17/06/05
‘Foi um dia de especulação, após semanas ou meses de pressão, até Fátima Bernardes aparecer pouco depois das 18h, cortando a novela:
– O ministro da Casa Civil, José Dirceu, acaba de anunciar que está deixando o governo.
E a repórter:
– Ele deixa para reassumir o mandato de deputado. Sai da Casa Civil para responder às acusações de Roberto Jefferson de que ele teria participação no pagamento de ‘mensalões’.
Minutos depois, a Globo abriu novamente a programação, ao lado de Band, Record, Rede TV! e os canais de notícias e rádios, para o discurso.
Dirceu falou longamente e, antes de ser cortado para uma nova locução, dizia:
– Vou voltar para junto, ao lado e apoiando o presidente Genoino percorrer o Brasil. Vou mobilizar o PT e dar combate aos que querem desestabilizar o governo do presidente Lula…
Volta Fátima Bernardes:
– José Dirceu coordenou a campanha de Lula e estava no governo desde a primeira hora. E sai dez dias depois de estourar o escândalo do ‘mensalão’.
A escalada de manchetes do ‘Jornal Nacional’:
– Um dos nomes mais fortes do governo e do PT pede demissão depois de 30 meses. O ministro José Dirceu deixa a Casa Civil e anuncia que vai reassumir o mandato para defender o governo, o PT e a ele próprio.
Entra Dirceu, no meio das manchetes do ‘JN’:
– Nós temos um patrimônio ético. Temos um patrimônio que a sociedade conhece. E eu vou defender esse patrimônio.
Para contraste, a manchete do ‘Jornal da Record’:
– Sob pressão, cai o ministro José Dirceu, da Casa Civil.
A manchete da Folha Online, logo depois do anúncio:
– Alvo de denúncias, Dirceu anuncia saída da Casa Civil.
E a do Globo Online:
– Dirceu: ‘Tenho minhas mãos limpas’.
Antes da Globo ‘oficial’, a Band, canais de notícias, rádios e inúmeros sites noticiosos adiantavam à tarde a saída do chefe da Casa Civil.
E os blogs especulavam mais do que todos, com direito a uma seqüência dramática de ‘posts’, nos momentos finais:
– Sai já… dentro de alguns minutos… carta de demissão nas mãos de Lula… está recebendo os colegas ministros… palco pronto… está descendo…
Até se anunciar que vem mais drama por aí:
– A partir de amanhã, entra em cena o novo José Dirceu.
E FHC ressurgiu com a rede nacional do PSDB:
– Não há nenhuma nação que tenha sido bem-sucedida sem consolidar instituições, sem consolidar a democracia e sem que os representantes do povo sejam respeitados. Infelizmente, a política vive uma crise. Mesmo na oposição, o PSDB trabalha a favor do Brasil, de forma séria e responsável. O que fará bem ao Brasil é a investigação de todas as denúncias, de forma serena, isenta, honesta.
TEATRÃO
Na montagem, o ator Jefferson
Em esforço para não cair na defesa, Roberto Jefferson vai ao ‘Roda Viva’, segundo o Blog do Colunista, e já surgiu ontem em comerciais do PTB, atacando o PT:
– É contra essa oligarquia corrupta que eu luto. Luto pela honra de meu partido… pela honra da cidade onde nasci. Petrópolis, verás que um filho teu não foge à luta.
Mas já não foi tão convicto ou convincente.
E o site Nomínimo, sob a manchete ‘Dramalhão no país da retórica’, questionou seus dotes teatrais. Do site, após ouvir diretores como Antunes Filho e atores:
– É com uma estética do exagero que ele monopoliza as atenções do país. Sem provas, mas com performance cênica, ele pontifica na mídia como um grande sedutor… A platéia brasileira entra em êxtase quando o teatrão volta à cena.
VOLATILIDADE
BBC debate os mercados brasileiros
O ‘Financial Times’ noticiou na terça que a Bovespa subiu apesar do escândalo; na quarta, que o investidor se assustou; e ontem, no título, que ‘Um pouco de risco [com a crise] não consegue reduzir a sedução do Brasil’. Por fim, fez editorial preocupado com o ‘curso errático’ da economia brasileira pós-escândalos.
E a BBC já faz até debate para entender o que acontece no mercado brasileiro. Sob fundo vermelho, na tela, ‘Volatilidade no Brasil’.’