O Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (14/6, às 22h30 pela Rede Pública de Televisão) debateu o papel e a atuação da mídia em meio à crise política vivida pelo governo.
Alberto Dines iniciou o programa com o seguinte editorial:
‘Nos seus quase 200 anos de existência nossa imprensa jamais foi confrontada, denunciada e desafiada de forma tão candente e tão arrasadora como na tarde de hoje [14/6], em Brasília, quando o deputado Roberto Jefferson botou a boca no trombone para desancar ministros, deputados, partidos, órgãos de inteligência e seus arapongas. Nos trinta anos em que faço a crítica regular da imprensa, nos nove anos de existência do projeto do Observatório e nos sete anos de vida deste programa jamais testemunhamos tamanho bombardeio sobre os procedimentos, métodos e critérios da nossa mídia diante de uma audiência com proporções tão gigantescas.
‘Este programa não cuida de política, cuida da imprensa. Este programa não faz prejulgamentos muito menos julgamentos, não fuzilamos nem reabilitamos. Não nos interessam as biografias de quem desvenda as mazelas da nossa mídia, nosso interesse é ver estas mazelas expostas e explicadas à sociedade brasileira.
‘Quando falávamos em linchamento midiático ou denunciávamos o ‘jornalismo fiteiro’ e o denuncismo histérico fomos acusados de desvalorizar a missão fiscalizadora da mídia. Agora tudo isso foi exposto de forma patética por um deputado, presidente de um partido perante a uma comissão de ética dos seus pares. Entrou para os anais não apenas da Câmara, mas do jornalismo.
‘Pouco importa que o deputado Roberto Jefferson tenha usado a sua retórica e seus ressentimentos contra a imprensa para sair do banco dos réus e sentar na banca da promotoria. Importa a este Observatório o que Jefferson disse sobre grande parte de nossa imprensa. Importa o que temos dito sobre a imprensa, importa o que disse o procurador-geral da República na semana passada, quando reclamou do ‘manchetismo’ criador de crises artificiais.
‘A edição de hoje deste Observatório vai contar com pelo menos dois protagonistas deste episódio: o próprio procurador-geral Cláudio Fonteles e a repórter Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo, citada nominalmente na catilinária do deputado Jefferson três vezes – e de forma elogiosa.
‘Diploma de excelência em jornalismo quem concede é o leitor. Este Observatório é apenas o veículo para que ele forme seus juízos.
‘Participaram desta edição, em Brasília, o procurador-geral; em São Paulo a jornalista Renata Lo Prete; em Belo Horizonte, o comentarista da TV Band Minas Luiz Carlos Bernardes; e no Rio de Janeiro, o colunista do jornal O Globo, Ancelmo Gois.
‘Em nota enviada ao Observatório da Imprensa, o jornal O Globo posicionou-se sobre o depoimento do deputado Roberto Jefferson:
‘A acreditar nas apreciações do deputado Roberto Jefferson sobre a imprensa brasileira, ele é um homem perseguido pelos mais importantes veículos do país, menos pela Folha de S.Paulo. O Globo, Estadão, Veja, Época, CBN – todos estão injustamente distorcendo fatos contra ele. No Rio de janeiro, a trajetória do deputado do PTB é bem conhecida e sua credibilidade não lhe dá fé pública.
‘O importante a registrar nessa história é apenas isso: o deputado Roberto Jefferson é representante de uma instituição (o Congresso) que tem a pior avaliação nas pesquisas e está falando de outra (a imprensa) que tem a melhor aceitação na população, segundo as pesquisas.’
‘Assina Rodolfo Fernandes, diretor de redação do Globo e da Infoglobo.
‘A TV Globo, no Jornal Nacional de 14 de junho, fez uma longa e minuciosa cobertura praticamente não omitindo nada do depoimento do deputado Roberto Jefferson. E concluiu apresentando as acusações contra a imprensa e um pequeno editorial.
‘As Organizações Globo entendem que o jornal O Globo e a revista Época cumpriram apenas com a sua missão de informar. Será sempre assim. Como o deputado Roberto Jefferson pôde constatar, nas Organizações Globo ninguém segura informação alguma. Aqui, para que alguma coisa seja noticiada basta ser verdade.’’
Ao vivo
Cláudio Fonteles iniciou o debate explicando sua motivação para a utilização da expressão ‘manchetismo’.
‘Usei essa expressão no sentido de como eu penso que seja a postura da imprensa brasileira, não de toda, é óbvio. Não concordo com essa situação de você simplesmente jogar as idéias e não desenvolver o trato com elas para que possamos tirar uma conclusão. É uma imprensa que ainda trabalha muito com o momento presente, esquecendo-se da análise que o fato gera para os momentos sucessivos’.
O procurador-geral da República deu continuidade ao debate respondendo a pergunta de Luiz Carlos Bernardes sobre o mesmo assunto:
‘Não falo ‘manchetismo’ em relação a esse momento de agora. É uma sensação minha de avaliação do trabalho da imprensa brasileira. Sou altamente favorável ao jornalismo, nós temos até trabalhado em algumas situações com a sua colaboração. Acho extremamente positivo o jornalismo investigativo colaborar até com o próprio Ministério Público.’
Ibsen Pinheiro, por audiotape, deu seu parecer sobre a instauração da CPI.
‘Eu acho que CPI é bom porque tem coisa que só ela pode investigar, assim como liberdade de imprensa, que é essencial. Acho que ambas precisam precaver-se dos excessos que praticam. Liberdade de investigação, liberdade de a imprensa cometer os seus excessos, são condições da convivência democrática. Não é bom ser vítima nem de uma CPI e nem da liberdade de imprensa, mas eu acho que ainda assim precisamos compreender que pior que o ‘denuncismo’ é o ‘silencismo’. É bom que a CPI possa praticar os seus excessos, porém nós devemos aprender com isso para que tais excessos façam cada vez menos vítimas – [mesmo] porque nem todas têm dez anos para esperar como eu tive’.
Renata Lo Prete falou sobre a entrevista do deputado Roberto Jefferson à Folha de S.Paulo.
‘Roberto Jefferson nos procurou, procurou a mim, e disse que tinha resolvido dar a entrevista. Não houve nenhum tipo de acordo da Folha com o deputado no sentido de omitir questões, [ou] aceitar questões impostas pelo entrevistado. Por que a Folha entendeu que valia a pena aquela entrevista? Porque o ponto de vista dele é o de um presidente de partido que durante muito tempo negociou proximamente do governo questões como distribuição de cargos, de verbas e acordos eleitorais. Nós achamos que isso era importante e merecia ser noticiado – o que não elimina toda uma gama de investigações que o jornal está tentando fazer.’
Na seqüência, Ancelmo Gois fez um alerta:
‘Não podemos misturar Roberto Jefferson com Ibsen Pinheiro. O Roberto Jefferson é réu confesso. No depoimento ele confessou vários crimes. Disse que pegou 4 milhões de reais do PT em dinheiro, depois disse que teve uma conversa com o presidente do IRB que teria dito: ‘Presidente, tem um acordo para você pegar uns empresários e cada um passar 60 mil reais.’ Que negócio é esse de empresário ter interesse no IRB e dar 60 mil reais por mês para o PTB? Isso é crime. O Roberto Jefferson é um criminoso assumido, um réu confesso.’
O procurador-geral da República falou sobre a postura que adotará perante o fato.
‘Se Roberto Jefferson confessou vários crimes, o papel do Ministério Público é denunciá-lo. Estou esperando a próxima audiência do deputado amanhã para iniciar a investigação. Partirei das duas reportagens feitas pela Renata Lo Prete e ficando claro que ele é um grande mentiroso e que inventou tudo ou se não inventou, onde é que há verdade no que foi dito, vamos trilhar os possíveis enquadramentos penais de conduta, de uma ou mais pessoas. É por aí que vou trabalhar.’
A repórter da Folha de S.Paulo falou sobre sua expectativa diante da entrevista com Jefferson:
‘Eu imaginava que o deputado Roberto Jefferson estava disposto a ser mais grave, mais duro. Eu não sabia que ele ia falar da história das mesadas. Fui surpreendida. Naquele momento minhas primeiras preocupações eram de ordem prática, porque eu senti que tinha nas mãos uma entrevista mais grave do que eu imaginava a princípio.’
Ancelmo Gois fez um balanço do estrago provocado pelas denúncias:
‘Uma das coisas que mais lamento, como brasileiro e como democrata, é que pessoas como Roberto Jefferson e sua história do ‘mensalão’, somada a algumas declarações de Severino Cavalcanti, causam um estrago não apenas ao governo, mas ao Congresso e à democracia. Eu lamento, pois conheço muitos deputados, senadores e vereadores de bem. Sem Congresso não tem democracia. ‘Mensalão’ é real, não é fantasia não.’
Luiz Carlos Bernardes concluiu dizendo:
‘O papel do Conselho Federal de Comunicação [Conselho de Comunicação Social] – que têm os vários segmentos, sociedade civil, jornalistas e empresas – deveria ser mais valorizado para abrigar essas grandes discussões sobre ética, ‘denuncismo’, ‘manchetismo’ e também sobre a importância do jornalismo investigativo.’
Claudio Fonteles encerrou o debate fazendo um pedido:
‘Gostaria que a imprensa brasileira meditasse sobre a possibilidade de continuar a desenvolver o que publicou, para que todos nós brasileiros nos aprofundemos mais no assunto e possamos meditar sobre ele. Esse é o papel da imprensa.’