Como diretor de arte da Cases i Associats, empresa de design com sede em Barcelona, Chico Amaral já trabalhou na reforma gráfica do Diário do Nordeste, O Estado de S. Paulo e Críticas de Manaus, para citar alguns jornais brasileiros, além do Daily Mirror e The Independent, na Inglaterra, e Vedomosti, na Rússia. Recentemente, participou do redesenho de O Globo, que estreou suas mudanças na comemoração dos seus 87 anos de circulação, e foi responsável pela renovação da página na web e da criação do Globo A Mais, revista vespertina para iPad.
Segundo o designer, o ponto de partida para a criação de qualquer projeto de redesenho são os valores editoriais do veículo, a forma como o jornal aborda os fatos e como se relaciona com seus leitores. Para Amaral, os veículos de notícia variam segundo a cultura de cada localidade. Em entrevista ao Nós da Comunicação, o designer compartilhou sua experiência na reestruturação gráfica de jornais e explicou que os periódicos variam segundo a cultura da região em que são distribuídos. “O mercado italiano dá mais peso à opinião, já o inglês, à investigação. Dentro do Brasil, estas diferenças se apresentam em nível regional”, comparou.
“O layout não valorizava a diversidade de conteúdos”
Este ano, o jornal O Globo comemorou 87 anos e para registrar a data apostou em um novo projeto gráfico do qual você participou. Qual a importância de um jornal ser redesenhado de tempos em tempos?
Chico Amaral – Participei da reforma como representante da consultora Cases i Associats, sendo o responsável pelos projetos de renovação da página web, do jornal impresso e da criação do Globo A Mais. Os jornais se redesenham basicamente por três motivos: melhorias tecnológicas, mudanças em seu processo de produção ou pela necessidade de atualizar o produto conforme os anseios do leitor. A sociedade muda muito rapidamente e a forma de consumir informação muda junto com ela. Por isso, os produtos informativos necessitam estar sempre se atualizando.
No caso de O Globo, encontramos todos os tipos de motivos para uma mudança: o jornal passa por um processo de integração de sua redação, tendo já reunido em um só ambiente as equipes de impresso e de on-line; adquiriu um novo sistema editorial que permite a produção e distribuição de conteúdo em todas as plataformas; e, finalmente, estava utilizando um layout que não valorizava de forma adequada sua diversidade de conteúdos, “escondendo” alguns tipos de informação mais apreciadas por leitores como as análises, por exemplo.
“Buscamos uma tipografia que reforçasse a identidade do jornal”
Foram quase dois anos de consultoria para chegar ao desenho atual. Quais os maiores desafios encontrados durante a criação do projeto?
C.A. – O Globo já era um jornal bem feito, estava bem desenhado, e isso fazia com que fosse complicado inovar. O maior desafio foi, portanto, encontrar o ponto de renovação sem perder as qualidades que o jornal já tinha.
Você ouviu executivos, editores e diretores do jornal para a realização do seu trabalho. Qual a participação desses profissionais no processo?
C.A. – Ouvimos executivos de todas as áreas e trabalhamos com o grupo do projeto, composto pelos diretores do jornal, editores executivos e o diretor de arte, Léo Tavejnhansky. Com eles, definimos os marcos da renovação e, à medida que o projeto avançava, se avaliava e aprovava cada etapa.
Até uma tipografia própria, criada pelo australiano Kris Sowersby, o Globotem agora. De que forma o uso dessa fonte foi pensado para valorizar os diferentes suplementos e seções do jornal?
C.A. – Buscamos uma tipografia que fosse próxima à que se utilizava antes, mas que pudesse reforçar a identidade do jornal e que tivesse mais variáveis para atender à diversidade de suplementos publicados. O desenho da tipografia incorpora de forma sutil um gesto da tipografia do logotipo do jornal.
“Esperamos que o leitor desfrute a leitura do jornal”
O último redesenho do Globofoi em 1995. Como você conseguiu fazer essa nova reforma, mantendo a identidade e a tradição do veículo?
C.A. – Em 95, O Globo assumiu uma estratégia que hoje, com a digitalização da oferta informativa, passou a ser imperativa para os jornais: oferecer uma visão consolidada dos fatos em vez de um painel de notícias. E esta postura, mais uma vez, foi o ponto de partida do redesenho. Ou seja, acomodar textos longos com grandes imagens nas páginas, oferecendo uma boa experiência de leitura. Como se manteve o modelo jornalístico e se utilizou uma tipografia parecida, ficou mais fácil seguir a linha que existia.
Com a constante avalanche informacional, os leitores estão mais dispersos. Quais mudanças foram pensadas para prender a atenção do público, cada vez mais exigente?
C.A. – Nossa preocupação é mostrar para o leitor a riqueza e a diversidade de conteúdos da edição impressa. Combinam-se as matérias com outros tipos de narrativas, como análises, entrevistas, artigos. São gêneros que vão além da notícia e que ajudam a compreender a atualidade. No impresso, funcionam muito bem, pois é fácil navegar por eles, identificando como estão relacionados com a informação sem ter que apertar nenhum botão. Basta olhar. É a partir deste enfoque que esperamos que o leitor desfrute a leitura do jornal. Abrimos também pequenas janelas informativas no meio dos textos que permitem um acesso mais rápido aos diferentes aspectos da notícia – variando desde declarações às memórias sobre o fato – dinamizando a leitura.
“O design dá forma à maneira do jornal construir a notícia”
Já tendo trabalhado no redesenho de jornais como O Estado de S. Paulo, Diário do Nordestee Críticas de Manaus, como resistir à tentação de não repetir as mudanças que deram certo em outros projetos?
C.A. – É bom não confundir redesenho com um processo estético. O ponto de partida de qualquer projeto são os valores editoriais do jornal: como ele aborda a atualidade e como ele se relaciona com seus leitores. Assim, cada fórmula está sempre dentro de um padrão de conhecimento da linguagem do meio jornal. Esses três jornais que você mencionou, por exemplo, não têm nada a ver entre si e nem com O Globo. Cada um tem uma estratégia editorial própria e layouts totalmente diferentes.
Você já trabalhou no redesenho de publicações impressas e digitais, tanto no Brasil quanto na Europa. Quais diferenças você apontaria entre veículos brasileiros e estrangeiros?
C.A. – Difícil pergunta. A prática do jornalismo segue princípios comuns em todo o mundo ocidental, mas varia segundo a cultura de cada região. Em alguns mercados, como o italiano, se dá mais peso à opinião; já o inglês, à investigação. Em outros, do leste europeu, com influência dos países do centro da Europa, a tônica é o peso das imagens. Assim, vamos nos movendo de um mercado a outro lidando com estas diferenças e tentando transferir experiências de um para outro quando a oportunidade se apresenta. Dentro do Brasil, estas diferenças se apresentam em nível regional.
Antes de trabalhar na Cases i Associats você foi editor-executivo do jornal Correio Braziliense. De que forma suas experiências como jornalista contribuem em seus projetos como designer gráfico?
C.A. – Meu trabalho é antes de tudo com jornais, com informação. O que fazemos é dar soluções para editar e entregar notícias. Neste processo, o design é uma ferramenta que traduz e condiciona o trabalho jornalístico, dando forma à maneira do jornal construir a notícia. Esse é o princípio com o qual encaro cada redesenho.
***
[André Bürger, do Nós da Comunicação]