Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nelson de Sá

‘Do ‘Fantástico’:

– Na próxima quarta, José Dirceu reassume o mandato de deputado federal. No mesmo dia, o deputado Roberto Jefferson é esperado para depor na Câmara. Podem até se encontrar pelos corredores.

Comenta então um deputado petebista:

– Temos dois leões aí que vão se enfrentar na arena.

Franklin Martins, ontem no programa de bastidores ‘Fatos & Versões’, na Globo News, recorreu a outra imagem para descrever o que promete a semana promete:

– O retorno de Jedi ao Congresso, para enfrentar Darth Vader.

O comentarista das Globos, ao que parece, acredita que o lado sombrio da força vai sair derrotado:

– Jefferson bateu no teto… Vai dizer ‘foi meu grande momento’, porque a partir de agora ele vai começar a descer. Porque vai ter que responder a muita coisa agora… Nem tudo, no final das contas, vai ser como apareceu no início do filme.

Seja lá qual for o filme, no entender da Globo, é certo que os dois ‘vão se enfrentar no Conselho de Ética, na Corregedoria da Câmara dos Deputados e na CPI dos Correios’:

– Eles podem até ser chamados para acareações… É esperar pelo duelo.

No ‘Fantástico’, os ‘dois leões’

Era como se nada tivesse acontecido. Na Globo News:

– Mais uma cúpula do Mercosul… Néstor Kirchner mais uma vez provocou irritação, já que permanecerá apenas algumas horas na capital paraguaia…

Ao menos na aparência, o governo continua.

O Ibope veio diferente, mas o que avançou pelo fim de semana foi a pesquisa Datafolha, nos canais de notícias:

– O Datafolha mostra que pegou mais no Congresso.

Em Lula, ao menos na aparência, não colou. E tome acenos de simpatia na direção do presidente, de ‘comunicadores’ como Milton Neves, na rádio Bandeirantes:

– Abraço ao presidente Lula. Essas coisas acontecem.

Ou de Marcelo Tas, em seu blog no UOL:

– Penso que o astral no Palácio do Planalto vai sofrer uma reviravolta histórica [com a queda de Dirceu].

A boa vontade veio até de fontes inesperadas, caso de Arnaldo Jabor, saudando no ‘Jornal Nacional’ os ‘dois gols recentes de Lula: quando enfrentou o Severino e quando disse ‘abaixo a corrupção, vou cortar na própria carne’. Mas o comentarista foi além e proclamou:

– Agora Lula pode se livrar da canga ideológica do PT.

Ao que os petistas logo responderam, durante o encontro do fim de semana, em declarações destacadas ontem pelo blog de Jorge Bastos Moreno. De Tarso Genro:

– Só o Partido dos Trabalhadores dá liga e centralidade ao governo, mas querem descolar um do outro.

O site do ‘Financial Times’, em reportagem que adiantou ontem, não teme que Lula se distancie do PT -e sim que abrace a esquerda petista e ‘abandone os seus aliados de centro-direita’, perdendo o apoio no Congresso.

Aí, sim, ele se tornaria um presidente ‘indefeso’ ou ‘decorativo’. No original, ‘lame-duck’, pato manco.

De todo modo, vêm aí os radicais a favor.

No site da estatal Agência Brasil, com eco nos blogs de Ricardo Noblat ao Indymedia, lá estava o anúncio de que ‘movimentos preparam marcha contra a corrupção’:

– O objetivo é defender agenda positiva para o governo, que inclui redução do juro e do superávit primário.

João Pedro Stédile, do MST, está à frente da coisa:

– Neste momento, a união e a mobilização são fundamentais, pois estamos numa verdadeira guerra.

Falsas denúncias

Não foi desta vez que o PT cortou na própria carne. Na manchete da Record, ‘Saída de Delúbio Soares divide o PT’.

Dividiu e não aconteceu, como se viu horas depois. Nem o tesoureiro nem o secretário-geral Sílvio Pereira, ‘alvos das denúncias de corrupção’, no dizer da Globo, ninguém caiu.

E sobrou para a oposição, no relato da Jovem Pan:

– Em resolução, o PT acusou a oposição de estar por trás de falsas denúncias.

Estilo chavista

Na CBN, também ontem, o pefelista Jorge Bornhausen e o tucano Alberto Goldman foram contidos na resposta à acusação petista. O primeiro falou em ‘desespero’ do PT.

Mas o blog tucano E-Agora respondeu no mesmo tom, dizendo que ‘a democracia está em perigo’, sim, mas é porque ‘o PT abriu guerra ao estilo chavista, inculpando PSDB e PFL’, visando ‘empastelar tudo’.’



VIOLÊNCIA NA MÍDIA

Paulo Roberto Pires

‘Na cara do colunista’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 14/06/05

‘Depois de comentar a reação infeliz dos leitores do ‘Globo’ ao flagrante do PM carioca chutando a cara de um ladrão, chegou minha vez de levar botinada – agora dos leitores de NoMínimo. Um deles me adverte, e está certíssimo, de que o quase uníssono em defesa da polícia deve querer dizer alguma coisa. E quer mesmo: uma formidável apoteose de intolerância – intolerância não à violência, que por estas pessoas é plenamente justificada como uma forma de autodefesa, mas à divergência de opinião.

A caixa postal de NoMínimo é uma continuação daquela correspondência enviada ao jornal carioca. Há uma lógica que rege estas opiniões e que pode ser resumida em dois pontos: o jornalista, ‘intelectualóide’, adora defender um bandido, por demagogia ou, segundo um leitor, por ser de alguma forma ligado a eles; este mesmo jornalista, ainda de acordo com as cartas, deve sair de seu gabinete e, de preferência com um revólver no meio da testa, aprender que a solução para a violência é o ‘olho por olho’. Criam-se, por este raciocínio, dois grupos: o dos justiceiros, cheios de razão, e os dos ‘defensores dos direitos humanos de bandido’ – estando eu incluído no segundo, bem entendido.

Ao escrever aquela, esta e outras colunas jamais esperei, espero ou esperarei que concordem comigo. Acho mais do que saudável, isto sim, que expressem sua opinião em relação ao que efetivamente escrevi – e não que reajam ao que querem (ou conseguem) ler em meu texto, que soou para os delicados missivistas como uma defesa apaixonada dos bandidos. Por vício da profissão e convicção pessoal, acredito mais em argumento do que em agressão, prefiro a conversa ao chute. E não há hidrófobo que me convença do contrário, mesmo desejando que eu sofra a violência na carne para ‘aprender’.

Há no fundo de todos os vitupérios – quanto se perde o bom senso a boa educação também costuma ir embora – uma tese interessantíssima: estou preocupado com bandidos e pouco ligando para a população agredida. Aqui está uma bela entortada na lógica: reclamo não da prisão, mas da insanidade que é dar mandado de violência à força policial, mantida com nossos impostos para nos defender. E defender significa cumprir rigorosamente a lei e não sair por aí justiçando avulsamente – como, aliás, fazem os criminosos a quem todos nós, acho que sem exceção, tememos. Minha defesa é, portanto, de que cada um cumpra seu papel na sociedade – e dentre os papéis da polícia que eu e vocês pagamos não está o uso gratuito da violência, contra quem for.

Mas, em sua maioria, a correspondência que está publicada no ‘Fala leitor’ e os comentários já anexados a ela apontam para um outro caminho: o da barbárie generalizada. Qualquer tentativa de romper o ciclo da violência – que é obrigação cívica de cada um de nós, o tempo todo, ao rechaçarmos as políticas de vingança – é ironizada como atitude de pessoas ‘boazinhas’ e ‘ingênuas’ que vivem num mundo de boas intenções, distante da realidade.

O que boa parte das cartas mostra é, isto sim, que a situação está realmente fora de controle. E não apenas pela impunidade da criminalidade, a crueldade absurda dos criminosos e os desmandos da polícia. A falta de controle também está da cabeça do cidadão, que ergue seu sofrimento como um álibi para o vale-tudo. Aí sim, com esta perversa lei de compensações – ‘cidadão-agredido-paga-na-mesma-moeda’ – perde-se qualquer parâmetro de civilidade.

Preso por roubar um celular, o ladrão – que segundo os leitores tem mais é que morrer para não dar despesa ao Estado – foi preso, como manda a lei, mas foi cutucado pelo PM satisfazendo o desejo de muita gente. Por simplesmente discordar desta atitude e, assim, desagradar boa parte dos leitores que escreveram à redação, o colunista foi acusado de compactuar com o crime e sentenciado com alguns ‘corretivos’ para que engrosse o coro do ‘mata e esfola’. Como queríamos demonstrar, é esta a cidade que a população quer, ritmada pelos rancores sociais, institucionalizando a selvageria que se quer combater. Cada população, definitivamente, escolhe e merece a cidade que tem, hoje e no futuro.’



RELIGIÃO & MÍDIA

Carlos Alberto Di Franco

‘Verdade e liberdade, a aposta do papado ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 20/06/05

‘Albert Einstein não era um judeu praticante. Mas reconhecia a existência de Deus. Acreditava em padrões de certo e errado. Sua atividade intelectual era devotada à busca não só da verdade, mas também da certeza. Viveu o suficiente para sofrer com a interpretação moralmente equivocada do seu trabalho científico. ‘Como aquele que no conto de fadas transformava tudo o que tocava em ouro, comigo é em confusão que tudo se transforma nos jornais’ – o comentário de Einstein, em carta a seu amigo Max Born, em 1920, reflete sua angústia. Uma leitura errônea da Teoria da Relatividade Geral estimulou a crença de que não havia mais absolutos: de tempo e espaço, de bem e mal, de conhecimento, sobretudo de valores. Assistiu, atônito, à metamorfose de seu trabalho na epidemia do relativismo moral, assim como padeceu a dor de ver a sua equação dar à luz o terror nuclear. Houve muitas vezes, confidenciou Einstein no final de sua vida, em que desejou ter sido um simples relojoeiro.

Recentemente, reli a encíclica Veritatis Splendor, texto obrigatório para quem tem o ofício, comprometedor e fascinante, de tentar iluminar a verdade profunda dos fatos e, ao mesmo tempo, defender aquilo que está no DNA da raça humana: a liberdade. João Paulo II, um papa dotado de extraordinária cabeça filosófica, pretendeu resgatar este ‘mundo desconjuntado’, como tristemente observava Hamlet. Na encíclica, o pontífice falecido advertiu para a ‘decadência do sentido moral’ na sociedade e suas conseqüências dramáticas para a democracia.

‘Uma democracia sem valores se transforma com facilidade num totalitarismo visível ou encoberto’, afirma o texto, com um realismo cortante. ‘A origem do totalitarismo moderno deve ser vista na negação da dignidade transcendente da pessoa, sujeito natural de direitos que ninguém pode violar; nem o indivíduo, nem a família, nem a sociedade, nem a nação, nem o Estado.’ Trata-se de uma vibrante defesa da liberdade e dos direitos humanos.

A democracia é, sem dúvida, o regime que melhor funciona. É o sistema que mais genuinamente respeita a dignidade da pessoa humana. Qualquer construção democrática, autêntica, e não apenas de fachada, reclama os alicerces da lei natural. No respeito aos seus princípios está o melhor antídoto contra aventuras ditatoriais. Por isso, não obstante a força do marketing que apóia certas campanhas contra a vida, é preocupante o veneno antidemocrático que está no fundo de certos slogans do governo.

Não se compreende de que modo obteremos uma sociedade mais justa e digna para seres humanos (os adultos) pela organização da morte de outros seres humanos igualmente vivos (as crianças não nascidas). Há um elo indissolúvel entre a prática do aborto, o massacre do Carandiru, a chacina da Candelária e outras agressões à vida: o ser humano é encarado como objeto descartável. Os argumentos esgrimidos em defesa dessas ações, alguns cruéis, outros carregados de eufemismos, não conseguem ocultar o desrespeito ao primeiro direito humano fundamental, base da sociedade democrática: o direito à vida. Situações traumáticas merecem compreensão e podem representar atenuantes, mas jamais devem justificar a eliminação de uma vida. O aborto, estou certo, é o primeiro elo da imensa cadeia da violência e da cultura da morte. Após a implantação do aborto descendente (eliminação do feto), virão inúmeras manifestações do aborto ascendente (supressão da vida do doente, do idoso e, quem sabe, de todos os que constituem as classes passivas da sociedade). Delírio premonitório? Penso que não. Trata-se, na verdade, do corolário de um silogismo dramaticamente lógico. A vida deixa de ser um fato sagrado. Converte-se, simplesmente, numa realidade utilitária.

A encíclica de João Paulo II estabelece uma forte conexão entre verdade e liberdade. Faz a síntese que faltava. Só na verdade a liberdade tem um caráter ‘humano e responsável’, salientou o papa. Num mundo tantas vezes dominado por uma visão utilitária e hedonista, o documento rasga o generoso horizonte da autêntica liberdade. De fato, poucas idéias gozam, por parte dos homens em geral, de um apreço tão universal quanto a liberdade, mas nem todos aprofundam igualmente na sua essência. Muitos se conformam com uma consideração superficial desse conceito: a liberdade sugere-lhes simples espontaneidade, ausência de compromissos, e isso já é o suficiente.

Uma das doenças culturais do nosso tempo é o empenho em contrapor verdade e liberdade. As convicções, mesmo quando livremente assumidas, recebem o estigma de fundamentalismo. Impõe-se, em nome da liberdade, o dogma do relativismo. Trata-se, na feliz expressão do cineasta marxista Pier Paolo Pasolini, da ‘intolerância dos tolerantes’, que, obviamente, conspira contra o sadio pluralismo democrático. Bento XVI denuncia, com razão, a ditadura do relativismo como um dos grandes desvios da cultura contemporânea. Ao comentar o pensamento do novo papa, René Girard, professor emérito de Antropologia na Universidade de Stanford (EUA), sublinha que o ‘pós-modernismo é dramático ao dizer que não há valores absolutos, que não há uma verdade, que a linguagem não pode alcançar a verdade’. Bento XVI, à semelhança de seu antecessor, ‘sabe por experiência pessoal que sem religião as sociedades caminham para a ruína’, conclui Girard.

Qualquer pessoa sensata é capaz de intuir que os estragos causados pelo fundamentalismo relativista são dramaticamente evidentes. O dogma do subjetivismo não fraturou apenas a espinha dorsal da democracia ocidental. Na verdade, ele está no cerne da espiral de violência e insensatez que, diariamente, vai esgarçando as relações humanas. Por isso, a encíclica de João Paulo II, permeada de extrema coerência, é de grande atualidade. Ela propõe o urgente desafio ético de conjugar liberdade e verdade.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo,

professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda. E-mail: difranco@ceu.org.br’