Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Com lei da TV paga, produtoras investem em estrutura

Alguns canais de TV paga flertaram com programas nacionais criados por produtoras independentes, como Filhos do Carnaval, Alice, Mandrake e 9 MM. Mas, com a entrada em vigor da lei 12.485/2011, no dia 2 de setembro, o relacionamento das programadoras com as produtoras vai ficar sério. Mais conhecida como Nova Lei da TV Paga, ela obriga os canais de espaço qualificado (aqueles que não exibem programas jornalísticos, de auditório e esportivos no horário nobre) a apresentar 2 horas e 20 minutos de conteúdo nacional por semana (das 11h às 14h e das 17h às 21h, no caso daqueles direcionados a crianças e adolescentes, e das 18h às 24h para os demais). A cota sobe para 3 horas e 30 minutos a partir de setembro de 2013, totalizando 1.070 horas anuais.

Metade desse tempo tem de estar nas mãos de produtoras independentes – e elas correm para dar conta da demanda. Um reflexo disso está no número de membros da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão (ABPI-TV), que passou de 100, há um ano, para 220 hoje, segundo Marco Altberg, presidente da ABPI-TV.

Na Conspiração, que criou um núcleo de televisão em 2009, a expectativa é faturar R$ 35 milhões com esse tipo de produção em 2013 – no primeiro ano, o núcleo faturou R$ 3 milhões. “Fazer televisão é diferente de fazer um projeto, por isso investimos numa equipe fixa. Fizemos um investimento feliz, na hora certa. Muitas produtoras não conseguirão fazer. Produzir 40 horas de dramaturgia é pesado”, diz Pedro Buarque de Hollanda, presidente da produtora.

Duplicar a produção

Nos próximos dois anos, serão investidos mais R$ 10 milhões, com a construção de estúdios no Rio de Janeiro e compra de equipamentos. A Conspiração também vem aumentando seus quadros: o núcleo tem atualmente 45 pessoas, incluindo 15 roteiristas, cinco deles contratados neste ano. “Queremos ser líderes nesse mercado. Temos uma estrutura que poucos players têm”, afirma Buarque de Hollanda. Em breve, a produtora lança séries como Brasil Vermelho e Viver para Contar.

A Moonshot, que produziu 9 MM para a Fox e finaliza Sessão de Terapia para o GNT, também conta com roteiristas contratados: são três dentro do departamento de desenvolvimento, que ao todo possui 15 pessoas fixas. “Isso é um investimento, tem custo. Mas é assim que gero séries e propostas”, afirma o diretor da produtora, Roberto d’Avila, que conta ter 90 projetos para oferecer às programadoras. “Tenho estoque para dialogar. Posso sentar com canal infantil e juvenil e com masculino.”

A O2 reforçou sua equipe com a contratação de Maria Vince, executiva de televisão que passou pelo canal GNT. “Precisamos de um volume mais constante, mais industrial. Ela vai ajudar em cada projeto e na equipe”, afirma Andrea Barata Ribeiro, uma das sócias. “Acho que a gente vai duplicar a produção. Mas não queremos fazer qualquer coisa, pela quantidade. Os donos gostam de estar envolvidos. Temos um perfil de criar ficção e documentários mais elaborados.”

Capacitação para roteiristas

A companhia também trouxe para seus quadros, pela primeira vez, um roteirista fixo, Pedro Furtado. Sua função será ajudar na fase inicial dos projetos – hoje são seis em desenvolvimento ou pré-produção, como Contos de Edgar, adaptação de contos de Edgar Allan Poe, para a Fox, e uma segunda temporada de Destino SP, sobre imigrantes na cidade, cuja primeira fase ainda nem estreou na HBO.

Ao todo, a O2 tem aproximadamente 80 propostas, garimpadas entre os cerca de 20 diretores da produtora. O plano da empresa é trabalhar com roteiristas freelancers e atrair gente jovem. “Temos de investir na formação de mão-de-obra. Estamos fazendo isso porque vai faltar gente”, afirma Andrea.

Giuliano Cedroni, da Prodigo Films, produtora para a HBO, tem a mesma preocupação. “Fora da Globo, não existe uma escola. Temos escritores e jornalistas fazendo roteiro de cinema. E televisão tem outra técnica, que a gente precisa respeitar”, afirma Cedroni. Atenta a esse cenário, a Conspiração costuma promover cursos internos de capacitação para roteiristas, por exemplo.

Exploração comercial

Enquanto algumas produtoras procuram investir em criação, outras buscam aprimorar o lado empresarial. Na Giros, o trabalho começa com o mapeamento das necessidades dos canais para “compreender seu DNA”, conta Belisario Franca, diretor da produtora. “Aí a gente parte para o desenvolvimento da ideia, do roteiro, do desenho técnico. Quando o projeto chegar ao canal, ele tem lógica”, diz.

Nos últimos meses, a equipe de 25 pessoas fixas apresentou 25 projetos com orçamento, logística, cronograma e modelo de negócios. “O que a lei traz é um impacto cultural muito importante de criação de uma indústria audiovisual brasileira”, afirma Franca. “Precisamos de um planejamento a médio e longo prazo, o que é uma dificuldade cultural brasileira.” Trata-se de um momento crucial, na opinião de Denise Gomes, sócia e produtora-executiva da área de entretenimento e branded content da Bossa Nova Films, que tem oito programas em andamento, entre séries documentais e de ficção. "O modelo de negócios que as produtoras realizarem determinará o futuro da nossa indústria a médio prazo", afirma Denise.

A empresa contratou pessoas na área de negócios e de distribuição – além de trazer diretores como Luiz Vilaça para o núcleo de criação para TV. “Antes, não éramos produtoras independentes de fato. Agora temos de saber como ganhar dinheiro com a exploração comercial dos produtos, entender como funciona a distribuição.”

Mão de obra em falta

Se os investimentos feitos pela maioria das produtoras são claros, os negócios efetivos ainda são raros, especialmente quando se fala de ficção, que demora mais (cerca de um ano e meio) e custa mais caro (de R$ 250 mil a R$ 1 milhão por episódio).

A lei foi discutida durante cinco anos até a aprovação pelo Congresso Nacional em agosto de 2011. No mês seguinte, ela foi publicada no Diário Oficial da União. Mas a regulamentação, por meio das instruções normativas 100 e 101, veio apenas no dia 4 de junho de 2012. Os canais chiaram, reclamando do prazo curto. E agora estão tentando agilizar os processos. “O método de trabalho mudou. Antes, a cada dois meses, a gente fazia a ronda dos canais, para ver o que eles estavam procurando. Agora, estamos sendo mais procurados do que procurando”, afirma Matias Mariani, da Primo Filmes, que acaba de rodar Família Imperial para o canal Futura. Devido a essa demanda, a produtora tem tentado otimizar os projetos. “Estamos criando propostas que possam interessar a mais de um canal.”

Belisario Franca, da Giros, aponta para uma mudança cultural, de um ano para cá. “O primeiro impacto é na ordem dos relacionamentos entre produtoras independentes, canais e organismos reguladores. O tom das conversas mudou”, afirma. Percalços são esperados no caminho, seja pela rapidez necessária, seja pela falta de mão de obra – além da questão dos roteiristas, há a dos técnicos, que são disputados também pelas áreas de publicidade e cinema.

Marco Altberg, da ABPI-TV, compara o setor ao resto do país. “Assim como o Brasil está se estruturando com a renovação do parque industrial, o audiovisual também vai ter de se estruturar. É parte do processo.”

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[Mariane Morisawa, do Valor Econômico]