Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

“A Folha, que deu à luz o mensalão, está fazendo uma cobertura burocrática do julgamento no STF.

Depois de quatro longas semanas de debate jurídico, chegou-se, finalmente, a uma notícia: a condenação de um político importante no julgamento do mensalão. A maioria dos ministros considerou João Paulo Cunha culpado por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro.

Acompanhar os 28 dias de discussões no Supremo Tribunal Federal não foi fácil. A Folha teve o mérito de manter a torcida pró-condenação longe do noticiário, mas vem cobrindo sem brilho o julgamento.

A tarefa primeira, de resumir e traduzir o que dizem os ministros, é cumprida burocraticamente. Muitas vezes, entendem-se melhor os votos pela coluna ‘Questões de Ordem’, de Marcelo Coelho, do que pela reportagem principal.

É verdade que muitos ministros não primam pela clareza, as falas são empoladas e cheias de citações obscuras para os leigos, mas isso era esperado e o jornal precisaria ter se preparado melhor.

Um teste simples é ler todos os textos sobre João Paulo Cunha de sexta-feira passada, por exemplo, e tentar responder depois: quais os casos em que ele está implicado? Aposto que muitos jornalistas na Redação não acertariam.

A dificuldade aumenta quando está em jogo alguma questão teórica, como o próprio conceito de prova: vale apenas o que está nos autos? Para caracterizar corrupção passiva, é necessário que o servidor tenha agido para beneficiar alguém (‘ato de ofício’)?

Saindo da reprodução do que é dito nas sessões, pouco foi feito também. A reportagem gasta energia inutilmente tentando adivinhar o que vai acontecer. Em uma mistura de bastidores políticos com exercício de vidência, tentou-se adiantar o que relator e revisor iriam dizer na réplica e na tréplica, que acabou praticamente não acontecendo (Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski falaram durante poucos minutos na segunda-feira).

No domingo passado, ‘Poder’ já tentava prever como Barbosa vai argumentar no momento de julgar o ex-ministro da Casa Civil (‘Relator deverá explorar favores de Valério a ex de José Dirceu’), o que vai demorar semanas para acontecer.

Em vez de antecipação, o jornal deveria focar o que está em pauta, explicar melhor as principais acusações, deixar claro o que há de provas e, quando possível, buscar dados novos.

Se não está fácil acompanhar agora, quando estão sendo julgados os políticos, imagine como será nos próximos dias, quando vão entrar os crimes financeiros… Como dizem os togados, ‘com a devida vênia, causa espécie’ ver a Folha, jornal no qual o mensalão surgiu, patinar na cobertura do último capítulo.

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Exterminador do futuro

‘Quase derrubei o café ao ler ‘Cotidiano’. Na página 4, a manchete era ‘Servidor que manter greve ficará sem reajuste, diz governo’. Mal refeito do susto, na página seguinte, vi a linha-fina: ‘Mais conhecido matador da história de São Paulo, ex-PM afirma que, quanto menos se expor, melhor’. Estaria a Folha liderando algum movimento para eliminar o modo subjuntivo do nosso idioma?’

O parágrafo acima foi montado com trechos de 24 mensagens de leitores indignados com erros de gramática no jornal.

A dificuldade com o futuro do subjuntivo gerou dois ‘erramos’ e foi tema de Pasquale Cipro Neto na quinta-feira. No mesmo dia, porém, um ‘Tráfico virtual’ entrou no lugar de ‘Tráfego virtual’, o que suscitou novas reclamações.

Por que o jornal erra tanto? A função do ‘revisor’, do encarregado apenas de corrigir, foi eliminada há anos. Os redatores fazem uma segunda leitura dos textos, mas precisam também colocá-los no tamanho adequado, dar títulos, fazer legendas, escolher fotos etc.

Há um Programa de Qualidade, com cinco pessoas, que promove ações para melhorar o conhecimento de gramática na Redação. É utópico pensar que um jornal diário terá ‘erro zero’, mas o leitor está certo ao exigir que ao menos os ‘grotescos’, aqueles que doem no ouvido, sejam eliminados.”