Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

João Pereira Coutinho

‘Vamos salvar o jornalismo? Então chegou a hora de acabar com o velho jornalismo. Mark Kramer, professor em Harvard, visita Lisboa e avisa: os jornais estão mergulhados em crise profunda. Vendas em queda. Leitores em fuga. Internet. Televisão. Rádio. As pessoas ouvem fatos e dispensam jornais que repetem os fatos. Com 24 horas de atraso. Aplausos, aplausos. Mas diz mais: se o jornalismo quer vencer o impasse, chegou a altura de abraçar uma forma ‘narrativa’ de jornalismo. Os fatos são importantes. São a base, o solo, onde lançamos os alicerces da nossa inteligência. Mas os leitores querem mais do que fatos: querem o confronto de um ser humano com eles. E o relato –literário, sim; pessoal, sim– dessa realidade primordial. Os leitores querem histórias, no sentido mais nobre do termo. Os leitores querem contadores de histórias.

Concordo com Kramer. Mas as palavras dele não são totalmente originais. Num dos livros mais impressivos sobre a matéria (‘A History of American Literary Journalism’), John Hartsock mostra como a idéia de ‘jornalismo narrativo’ não começou hoje. E não começou, ao contrário do que se pensa, com a gloriosa geração dos ‘sixties’, personificada em Tom Wolfe, Norman Mailer ou Truman Capote, os três cavaleiros do meu Apocalipse. Começou antes, bem antes: no período pós-Guerra Civil, nas últimas décadas do século 19. Nos Estados Unidos, claro, sobretudo nos textos do esquecidíssimo Stephen Crane.

Quem lê Crane hoje em dia? Crane relatava os mortos na Guerra Hispano-Americana e perguntava: o que são nomes e números quando a morte destes homens transcende nomes e números? Quem são estes soldados que todos os dias tombam na batalha? Quais são as suas famílias? Em que terras viveram? Em que casas? Não será possível dar rosto a esta gente e salvá-la do esquecimento numérico e burocrático?

É possível. Foi possível. E um gênero estava criado. Contra o positivismo alegadamente científico, que reduzia a realidade social à linguagem do laboratório, uma reação humana, demasiado humana. E uma corrente ‘literária’ que acabaria por dominar o jornalismo americano ao longo do século 20 e em momentos dramáticos da sua história. Como na Grande Depressão de 1930 e 1940. Uma vez mais, era preciso transcender análises econômicas e gráficos acadêmicos. Era preciso relatar os dramas rurais (e reais) do Alabama, como James Agee fez em ‘Let Us Now Praise Famous Men’. Sem esquecer a prosa de Edmund Wilson, Ernest Hemingway e toda a geração da ‘New Yorker’, surgida pouco antes.

Assim se entende como o ‘jornalismo narrativo’ não começou com a geração dos ‘sixties’. E não começou porque Tom Wolfe ou Truman Capote limitaram-se a receber um riquíssimo patrimônio para enfrentar os dramas do tempo: a contra-cultura, o Vietnã. A morte de Sua Alteza Real, John F. Kennedy, que arrasou uma nação. E a luta pelos direitos civis. Como sempre, o jornalismo abraçava formas narrativas como forma de responder aos dramas presentes. Dramas que transcendiam o jornalismo burocrático presente.

E hoje? Hoje vivemos na ressaca de um sonho que durou entre duas quedas: a queda do Muro de Berlim, em 1989; e a queda de duas torres gêmeas, em 2001. Esse tempo arcádico está acabado. Mas a crise atual não é apenas uma crise alimentada pela instabilidade terrorista que paira sobre as sociedades ocidentais. É também uma crise do próprio jornalismo. Da possibilidade do jornalismo ser algo mais do que repetição senil de fatos, lançados por agências noticiosas e repetidos por jornalistas preguiçosos que, na maioria dos casos, escrevem sobre Washington ou Jerusalém sem nunca terem visto um amanhecer no Capitólio ou um crepúsculo na Cidade Antiga.

Talvez eu seja um incurável romântico, que leu Joseph Mitchell até à insanidade. Mas a sobrevivência do jornalismo no mundo moderno passa pelo fim do jornalismo antigo. Passa, até, por um antijornalismo, capaz de enterrar essa ‘objetividade’ que se confunde com uma lista de supermercado. Eu não quero apenas fatos. Eu não quero a mera repetição de fatos que ouvi na noite anterior, disparados por uma boneca articulada no noticiário das oito. Eu quero saber o que existe por dentro dos fatos. Uma guerra, uma vitória? Eu quero saber quem são os derrotados, quem são os vitoriosos. Eu quero saber o que sentem os derrotados, o que sentem os vitoriosos. Como se portam e comportam. Eu quero ação e contradição. Palco. Iluminação. Eu quero ouvir. Eu quero ouvir gente a falar. Eu quero uma voz humana que, como Dante, seja capaz de descer às profundezas da nossa vida. E que regresse, ainda, para contar. João Pereira Coutinho, 29, é colunista do jornal português ‘Expresso’. Ele escreve quinzenalmente para a Folha Online.

(*) Colunista do jornal português Expresso. Ele escreve quinzenalmente para a Folha Online – 24 de julho’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Aja o que ajar!!!’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/08/05

‘O considerado Porfírio Castro, vice-diretor de nossa sucursal brasiliense, meio sumido porque gozava férias em Buenos Aires (jura que não viajou nem no Aerolula nem em avião da FAB), deparou com esta da Agência Estado quando ainda se encontrava no aeroporto:

Amigos do filho de Lula viajaram de férias com avião da FAB

São Paulo – Depois de quatro requerimentos a quatro setores diferentes do Palácio do Planalto e sete meses de tentativa, o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) recebeu, enfim, a confirmação de que Luís Cláudio, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, utilizou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) durante as férias do ano passado, juntamente com outros 14 amigos.

‘Espero que o Ministério Público haja (sic)com o mesmo rigor com que processou o ex-ministro Clóvis Carvalho (ex-ministro do Desenvolvimento de Fernando Henrique Cardoso, que respondeu a processo por uso de avião oficial)’, disse Eduardo Paes.

Porfírio recordou o saudoso Vicente Matheus, histórico presidente do Corinthians, que adorava esta expressão: aja o que ajar…

Janistraquis ficou impressionado e gostaria de saber como é possível alguém, mesmo sendo repórter da AE, descobrir que o entrevistado tascou aquele H no verbo agir!!!

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Samuel Wayner

Escrito pelo considerado Augusto Nunes, está nas livrarias o livro de memórias de Samuel Wayner, Minha Razão de Viver. Esta é a versão completa, porque na primeira, publicada nos anos 80, Augusto foi obrigado a omitir inúmeras informações que só poderiam ser divulgadas 25 anos depois da morte daquele jornalista histórico, fundador da Última Hora e depositário de preciosos segredos da República.

Editado pela Planeta, trata-se de texto exemplar, como todos os que nascem da culta e generosa lavra de Augusto Nunes. Aliás, o Blogstraquis apresenta trecho da coluna dele no JB, na qual estão expostos alguns arranhões na imagem do Supremo Tribunal Federal. Dêem uma olhada.

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Desarmamento

Os pouquíssimos que sabem ler neste país de m… leram na Folha de S. Paulo:

Três meses antes do referendo, pesquisa do Datafolha aponta que grande maioria defende a proibição

80% são contra a venda de armas no Brasil

É muito boa a análise da pesquisa (confira no Blogstraquis), da qual o colunista pinça esta frase altamente reveladora:

Quanto maior a escolaridade do entrevistado, menor seu apoio à proibição.

Janistraquis está convencido da vitória da ignorância, porém tem certeza de que vão se arrepender mais tarde:

‘Isso vai acontecer inevitavelmente, considerado, quando os bandidos começarem a invadir as casas desarmadas para roubar tudo e ainda estuprar as mulheres.’

E o interessante é que, segundo a pesquisa, as maiores inimigas das armas são exatamente as mulheres. É claro que não viram …E o Vento Levou. Numa das inesquecíveis cenas, o ianque bordalengo e mal-intencionado aproxima-se de Scarlet O’Hara na escada da mansão e ela, com aquele rostinho de menina indefesa, estoura-lhe a cabeça com um tiro sensacional.

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Fala, Mestre!

O considerado Roldão Simas Filho, que de vez em quando deixa Brasília e vai respirar melhores ares pelo mundo afora, lia a revista Viaje Mais, anotou algumas impropriedades e fez as devidas correções. Acompanhe:

Curiosidades da terra do chá das cinco:

1 — Nas manhãs de domingo, é bem fácil encontrar senhores de alta classe saindo de casa só de hobby e pantufas para comprar o jornal e levar o cachorro para passear.’

Obs.: O som é parecido, mas não se justifica a troca da palavra robe por hobby.

2 — Não dê gorjeta ao taxista, ele poderá se ofender. Mas dificilmente irá falar alguma grosseria.

Obs.: Troca indevida do verbo dizer por falar, que não são sinônimos.

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Dedo-duro

‘É preciso afastar o preconceito contra a delação’ (frase do desembargador Antonio Nascimento Amado, do TJ do Rio, citado por Ricardo Boechat.)

Janistraquis ficou perplexo:

‘Considerado, por pior que o país esteja é sempre uma desgraça sem tamanho fazer a apologia do dedurismo!’

É mesmo. O dedo-duro é o pior dos cidadãos, embora o pior dos brasileiros seja o tesoureiro, conforme se diz por aí.

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Drible proibido

Janistraquis anda revoltado com o que considera ‘papagaiada’ de narradores esportivos pelo país afora:

Considerado, deram pra incorporar preconceitos politicamente corretos às partidas de futebol; agora, basta um craque botar a bola no meio das pernas do adversário para o narrador perguntar ao comentarista: ‘fulano, isso não seria humilhar o outro?’. Ao que o narrador aproveita para enredar-se em profundas elucubrações a respeito do comportamento humano.

Ora, no futebol, como em tudo nesta vida, quem não tem competência não se estabelece e será sempre humilhado pelos que têm intimidade com o chamado ‘instrumento de trabalho’. E viva Robinho e viva aquele genial menino do Cruzeiro, o Kerlon!

É isso aí. E se o adversário cabeça-de-bagre não gostar do drible, que meta o pé no outro e seja expulso. Esse pessoal parece que nunca viu Garrincha jogar.

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‘Da Rosa’ é a mãe!

O considerado Celso Arnaldo, veterano dos tempos em que havia mais alegria no campo e mais inteligência nas cabines de rádio e TV, envia-nos o seguinte despacho:

Ao noticiar a morte de Jair Rosa Pinto, o JB Online diz, lá pelas tantas, que o craque ‘odiava ser chamado de Jair da Rosa Pinto’. É fato, digo eu. Não que Jair, o grande Jair, tivesse alguma idiossincrasia de craque mimado contra o ‘da’ com o qual tentaram enfeitar a Rosa. Ele simplesmente se chamava, de batismo e de tabelião, Jair Rosa Pinto.

Pois bem: a nota de falecimento na qual o JB informa como o craque odiava ser chamado tem o título… Morre o ex-jogador Jair da Rosa Pinto. Aliás, o ‘da Rosa’ odiado é repetido logo na primeira linha da notícia.

Eis aí caso típico em que o redator não acredita no que ele próprio escreve. No que, aliás, faz muito bem…

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‘Você não pode perder’

Em texto escrito especialmente para os nossos considerados leitores, o poeta Nei Duclós, que é também jornalista de escol, desvenda o sistema fechado da informação:

Alvin Tofler já notou que o maior anunciante da mídia é ela mesma (…). Informação é isso: é o aviso permanente de que você está consumindo a própria informação, que é um produto do marketing e do jornalismo que se faz hoje.

Leia a íntegra no Blogstraquis.

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Sem saída

Janistraquis, que conhece as bizarrices deste mundo, garante: muito pior do que ex-mulher magoada é ex-amante rancorosa.

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Bala na falecida

Nosso considerado José Paulo Lanyi aponta matéria publicada no Estadão como exemplo de texto ruim. Janistraquis concorda. Leia trechinho abaixo e confira a íntegra no Blogstraquis.

Rio de Janeiro – Clenilda da Silva, de 50 anos, foi atingida por uma bala perdida na tarde desta terça-feira, no bairro do Catumbi, zona norte do Rio. Detalhe: dona Clenilda já estava falecida e tinha seu corpo sendo velado no cemitério São Francisco de Paula no momento do incidente.

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Corolário

Depois de acompanhar a chatíssima argüição de José Dirceu na Comissão de Ética, Janistraquis só conseguiu chegar a esta mísera porém singular conclusão:

Considerado, Valdomiro Diniz morou dois anos com o ex-ministro e este garantiu que o outro não é seu amigo. Portanto, fica claro que, para ser amigo de Zé Dirceu, o sujeito precisa morar mais de dois anos com ele…

Faz sentido.

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Nota dez

A assustadora ignorância dos jovens, cada vez maior neste país de m…, deixa preocupado o nosso considerado Arnaldo Niskier e recheia este seu artigo, eleito o melhor da semana. Sinta o drama no excerto abaixo e confira no Blogstraquis a íntegra do texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo:

Fui convidado pela equipe do ‘Fantástico’, da TV Globo, para acompanhar um grupo de estudantes de 14/15 anos às voltas com uma novidade cibernética: linguagem icq, sigla da expressão inglesa ‘I seek you’ (…) Eles se entendem (!) numa linguagem estranha.

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Errei, sim!

‘PAPELÃO DO DIÁRIO — Meu secretário aproximou-se com um exemplar do Diário do Nordeste, de Fortaleza: ‘Considerado, sabe que virou moda aposentado cearense abrir papelaria?’. Intrigado, pedi detalhes e Janistraquis leu: ‘Depois de aguardar por quase três anos pela regulamentação da nova Lei da Previdência Social, quem está para aposentar-se finalmente vai poder dar entrada na papelaria’. Interessado no negócio, já que estou na idade de pendurar as chuteiras, instruí Janistraquis para obter outras informações. Decepção! Não era papelaria mas, simplesmente, papelada… Meu secretário tentou consolar-me: ‘Considerado, o papelão não foi nosso mas do Diário do Nordeste’. Concordei.’ (outubro de 1992)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘A pizza e o acordão’, copyright Jornal do Brasil, 8/08/05

‘Ninguém está indiferente ao clima político que tomou conta do Brasil. A imprensa, que já pautava o Congresso, agora pauta também escolas, universidades, fábricas, empresas, restaurantes, botecos, ônibus etc.

A língua portuguesa está na ordem do dia. Os cartunistas Laison e Frank deram dois bons exemplos, na sexta-feira passada, no JB. O primeiro caracterizou o presidente como Napoleão, designado pelo neologismo de Napolulão, proferindo a frase emblemática de Zagallo: ‘Vocês vão ter que me engolir!’. Engolimos e perdemos. Foi de 3 a 0 para a França. Os brasileiros amarelaram.

O segundo mostrou um casal diante da televisão. O título é ‘aprenda a falar bonito com a CPI’. Diz a mulher: ‘Tu mijou na tampa do vaso, Alaor?’. Responde o marido: ‘Eu repilo!’

Há também os temperos culinários, jurídicos e festivos das metáforas. Vindo um acordão, tudo pode acabar em pizza ou em samba.

Em nossas duas maiores metrópoles, as celebrações têm perfis diferenciados. O paulistano médio vai à pizzaria; o carioca vai ao boteco ou a alguma roda de samba. Comer não lhe parece tão essencial como beber. A cachaça substitui a pizza. E a algazarra é temperada por cantos e danças.

Já o gaúcho considera uma barbaridade a corrupção e, em vez de tripudiar sobre os adversários – ‘ah, vocês também fazem’ -, brada indignações pelas esquinas: ‘Mas, bah, tchê’.

Resumindo: o paulista é sério, o carioca é brincalhão, o gaúcho é dramático e por vezes trágico. Era gaúcho o único presidente que se suicidou quando viu o mar de lama, uma pocinha comparada à de hoje.

De onde vieram ‘pizza’ e ‘acordão’? ‘Pizza’ veio do germânico ‘bizzo’ ou ‘pizzo’, pedaço de pau ou de pedra, e no latim medieval e no italiano passou a denominar pedaço de pão cozido na brasa. Acordão, termo jurídico, é palavra que veio de ‘acórdão’, do verbo acordar, do latim ‘accordare’, acertar com o coração, mais do que com a cabeça. O rei português Dom Affonso V já fazia acórdão, então denominado ‘acordam’, ainda no século 16.

‘Acabar em pizza’ é expressão que nasceu do futebol. O jornalista Milton Peruzzi, já falecido, foi o primeiro a registrá-la como senha de armistício.

A expressão, porém, mudou de sentido. No acordão que se seguia às brigas de torcedores do Palestra Itália (antigo nome do Palmeiras), a maioria de ascendência italiana, não havia ilícitos. Acabava em pizza porque o consenso entre os discordantes era obtido em pizzarias.

‘Acabar em pizza’ adquiriu em política um sentido pejorativo, que não tinha antes, e os acordos passaram a ser celebrados em outros recintos, onde a pizza, ausente, permaneceu como símbolo. No futebol como na política, os dirigentes podem ser corruptos; os torcedores e os eleitores, não. Para corromper é preciso ter poder.

O povo, que sabe das coisas a seu modo, sente cheiro de orégano no ar. Quanto aos acordões, sabe também com quem fica a parte do leão. E o Congresso escancara o destino dos impostos e dos juros que quase todos pagam.

‘Bailando no ar gemia inquieto vagalume’, diz Machado de Assis em Círculo vicioso.’



ANALFABETISMO FUNCIONAL
Milton Coelho da Graça

‘Ganhar o dobro não é fácil’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 8/08/05

‘Rio Bravo Investimentos – aquela mesma empresa que esteve interessada em comprar a Gazeta Mercantil – nos revela agora um sério problema de comunicação. A RB assumiu o controle de um cartão de crédito pré-pago consignado, para venda a grandes clientes (entre eles Sadia, Unilever e outros pesos pesados), que por sua vez os distribuem entre seus empregados. Todos os gastos com o cartão são descontados na folha de pagamento, portanto um bom quebra-galho para despesas de surpresa, remédios, supermercado quase no fim do mês etc.

A gerência da RB obviamente quebra a cabeça para criar estímulos a um maior uso do cartão. Um desses incentivos foi oferecer o dobro em compras para cada real gasto, dentro de certo limite.

(Atenção: esta coluna é mera cópia ou ‘suite’ de curta mas excelente matéria de Janes Rocha, no jornal VALOR desta sexta, 5/8).

A RB foi surpreendida – e todos nós, certamente – ao verificar que a promoção fracassou porque ‘muitas pessoas humildes e de baixa escolaridade não entenderam o que significava o dobro’, como informou um de seus gerentes.

O agravamento da desigualdade, tanto em nosso país como alhures – nos traz constantes surpresas e novos problemas a enfrentar. Sofisticadas pesquisas nos Estados Unidos atestam o aumento do ‘analfabetismo funcional’, que atinge até mesmo jovens com oito e mais anos de educação formal. Analfabeto funcional é aquele que lê mas não entende o que está lendo.

Numa época em que o avanço do conhecimento exige gente cada vez mais capacitada inclusive para tarefas supersimples, a desigualdade aumenta em direta (e talvez maior) proporção às diferenças de conhecimento.

Quem de nós poderia imaginar que, mesmo dispondo de televisão ou pelo menos rádio, um(a) trabalhador (a) em grande empresa ou seu dependente não saiba o que significa ‘o dobro’? Como profissionais de comunicação temos enorme responsabilidade e interesse em acompanhar de perto os efeitos da desigualdade crescente. Mais do que isso: em convencer empresas e autoridades de todos os níveis a se empenharem no esforço de impedir que a linguagem se torne cada vez mais causa e conseqüência dessa desigualdade.

Menciono um pequeno exemplo, dado pelo jornal carioca EXTRA, o segundo de maior circulação no país. Diariamente, EXTRA publica dez palavras usadas no próprio jornal e consideradas pela redação ‘as mais difíceis’, acompanhadas dos respectivos significados. Pouca coisa? Mas, em média, metade dos meus alunos universitários aprende em cada aula cinco dessas palavras. Vocês já imaginaram o que rádio e TV poderiam fazer?

A China, com uma língua ideográfica de 3 mil caracteres, tinha em meados do século passado um dos maiores índices de analfabetismo do mundo. Atualmente, está por volta de 9 por cento e esse é um dos ingredientes mais poderosos na gigantesca reviravolta dos últimos 20 anos que a está colocando entre os países mais desenvolvidos do mundo.

Cuba, com uma renda per capita dez vezes menor do que a nossa e cem vezes menor do que a dos Estados Unidos, tem um por cento de analfabetos (e conseguiu isso também em menos de 20 anos). Isso ajuda muito a suportar a pobreza porque reduz a desigualdade.’