Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carine Roitfeld e as suas seguidoras

Ela não é um diabo que veste Prada. “É uma pessoa com muita sensibilidade para lidar com seus subordinados”, diz a jovem Michaela Dosamantes, que trabalha há sete anos com Carine Roitfeld, ex-diretora da Vogue francesa. De passagem por São Paulo, onde veio autografar seu livro Irreverent, Carine está sentada ao fundo da Livraria da Vila, no shopping Cidade Jardim. Sorri para todos, posa pacientemente para fotos de celular ao lado de fãs, reconhece brasileiros com quem se encontrou há mais de dez anos, quando esteve aqui pela última vez. Se é que as aparências não enganam, Carine parece ser mesmo a antítese de sua colega americana – a editora da Vogue America, Anna Wintour, retratada no best-seller (e no filme) O Diabo Veste Prada, escrito por uma de suas assistentes, Lauren Weisberger.

Carine também não está de Prada. Toda de preto, veste uma saia e uma blusa justa com uma corrente dourada cruzada no peito, de Givenchy. As sandálias, de camurça preta e salto alto, são do italiano Gianvito Rossi, “o cara mais legal do momento em matéria de sapatos”, sussurra alguém. Ela é magra, usa o cabelo castanho dividido ao meio e a mesma maquiagem com as pálpebras escuras com a qual aparece em todas as fotos.

Na fila de autógrafos há muitos jovens. “Não escolhemos nosso público”, dirá Carine mais tarde, feliz com essa contingência, que a faz se sentir conectada com seu tempo. “O que você acha dela?”, pergunto para Giovanna Meneghel, que está para lançar o site de assessoria de imagem Éditeur e espera sua vez na fila de autógrafos com o pesado livro nas mãos. Suspiro profundo. “Ah, ela é a referência: no estilo, na carreira, na maneira como transformou a Vogue francesa. Ela nunca olha para trás. É uma mulher que deixa rolar, topa o descompromisso.”

Pés no chão

Carine Restoin Roitfeld foi diretora da Vogue Paris entre 2001 e 2011 e, no próximo sábado, lança em Nova York a revista CR Fashion Book, pela editora V Magazine. Em poucos dias completa 58 anos. Vive há 30, sem ser casada oficialmente, com o pai de seus dois filhos. As crias são Julia, que já foi modelo da coleção de Cris Barros para a Riachuelo, e Vladimir, curador de arte, que a acompanha nesta viagem.

Segundo o produtor Daniel Urzedo, que armou a vinda da família pra cá, Carine e o filho queriam muito vir ao Brasil. Urzedo tem escritório em Nova York e apresentou três marcas brasileiras para ela – Alexandre Birman e Schultz (sapatos) e Ana Khouri (joias). “O que curto na Carine é que ela valida o que tem a ver com o gosto pessoal dela, não vai pelo que é comercial. Ela não é vítima da moda, sabe?”

Vladimir Restoin Roitfeld veio para inaugurar a exposição de Nicolas Pol, ainda nesta semana, no mesmo shopping. Enquanto experimenta um guaraná, conta que várias vezes acompanhou a mãe nos trabalhos, conheceu muitos fotógrafos, modelos e celebridades, mas que ela nunca deixou que isso invadisse o ambiente familiar. “Sempre tivemos os pés no chão”, diz. Por enquanto, ele transita no circuito da arte pop-up, mas quer abrir uma galeria em Chelsea, Nova York, onde vive, como uma evolução natural da carreira.

Moda e futilidade

Sempre de olho em novos talentos, Vladimir considera a arte nos dias de hoje um “business muito sério” que, embora seja visto cada vez mais como uma opção de investimento, não se rendeu ao dinheiro. “Ainda há muita emoção”, acredita. E revela que tem a maior admiração pelo fotógrafo brasileiro Miguel Rio Branco, de quem adoraria montar uma exposição no exterior.

No início da noite, mãe e filho são homenageados num jantar na casa do empresário Zeco Auriemo e de sua mulher, Mariana, no Jardim América. Carine chega mais cedo, pergunta pela hora oficial e se contenta com o argumento de que os brasileiros desconhecem a palavra pontualidade. Ela está com a mesma roupa que usou à tarde e não se diz cansada, apesar de ter chegado de Paris naquela manhã. Numa conversa rápida, conta que tem uma formação russa sólida. Fala, lê e canta em russo (nacionalidade de seu pai, que era produtor de cinema). Seu autor favorito é Dostoievski e, embora tenha acabado de reler O Jogador, coloca Crime e Castigo na dianteira de sua lista. Lembra Gogol (1809-52) entre seus preferidos e lamenta que poucos o conheçam. Apesar desse pé na Rússia, ela se define, sobretudo, como uma parisiense. E não leva a mal a opinião corrente de quem associa o mundo da moda à futilidade. “Quando comecei a fazer moda, tinha medo que pensassem que eu não tinha nada na cabeça. Depois, passei a não me incomodar com isso.”

Muitos estrangeiros

A festa para 300 pessoas tem bufê de Toninho Mariutti e 40 funcionários para servir – entre copeiras, com uniforme preto e avental branco tradicional, e garçons. No cardápio foi contemplado apenas um “sotaque brasileiro”, pois Toninho acha excessivo servir comida brasileira típica para gringos. Entre os convidados estão personagens do mundo da moda, restauranteurs, decoradores, arquitetos, colecionadores e marchands. O figurino é social. Mas a quantidade de mulheres com a mesma bolsa Chanel preta, de couro matelassé e corrente dourada, a tiracolo, dá a dimensão do quanto falta de imaginação na cena fashion nacional.

Num quadrado montado num canto do jardim está a mesa de som, com Soniábrêu no comando. “Sou a primeira DJ mulher do Brasil”, anuncia, 61 anos. A programação da noite não é pra dançar e não vai rolar balada. “Vou fazer ‘house ambiente’ e uma ‘bossa mix’, recheada com um pouco de música francesa. Mas hoje tô aqui fazendo francesa e, amanhã, faço sertaneja. O que vier eu traço.”

Pouco depois das 22h, quando o jantar ainda está sendo servido, começa o congestionamento junto aos manobristas na rua. É que na mesma noite há festa na casa de Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal. Mas promete ser menos divertida, supõe alguém de saída pra lá. É que como terá muitos estrangeiros, acabará por ser aquele tipo de festa em que você fala inglês com um, francês com outro e nada com todo o mundo.

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[Maria da Paz Trefaut, do Valor Econômico]