‘ARTILHARIA Os grupos rivais do PT continuam atirando uns nos outros, com o agravante de que muitos integrantes foram expulsos de suas células e se tornaram franco-atiradores
Para entender a confusão que cerca a crise política, é importante lembrar certas características que construíram a alma e moldaram o caráter do Partido dos Trabalhadores desde sua fundação. Antes de mais nada, o PT nasceu de um estuário de tendências políticas de esquerda, que sempre conviveram em conflito. São grupos que nunca engoliram a presença um do outro – por isso, constantemente alimentaram intrigas nos bastidores e fomentaram rivalidades.
Erra quem considera, contudo, que esse quadro levava o partido a um cenário de conflito permanente. Com o tempo, o PT aprendeu, a sua maneira, a acomodar os opostos. Assim, as alianças eram negociadas caso a caso. Ou seja: tendências inimigas, muitas vezes, uniam esforços em torno de uma causa. Fora desse território neutro, porém, batiam sem piedade uma na outra.
É por conta desse tipo de comportamento que muitos jornalistas ficavam sem entender o que se passava nas entranhas do Planalto nos primeiros meses de poder petista. Por quê? Ora, não era incomum um jornalista ouvir um prócer do PT falar mal de outro num dia e, no seguinte, enxergar os rivais unidos em torno de determinada questão política.
Ou seja, parafraseando um ditado do mundo dos negócios: a inimizade era travada globalmente – mas havia concordância localmente.
Esse padrão se repete agora, em meio à crise política. Os grupos rivais do PT continuam atirando uns nos outros, com o agravante de que muitos integrantes foram expulsos de suas células e se tornaram franco-atiradores. Com isso, a artilharia aumentou consideravelmente.
Neste cenário, cabe à imprensa tomar cuidado redobrado ao investigar as denúncias oriundas do fogo amigo. Caso contrário, o nome de muitos inocentes poderá ir para a lama nas próximas semanas.’
Carlos Franco
‘Duda refaz contas para se ajustar às vacas magras’, copyright O Estado de S. Paulo, 21/08/05
‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que se sente traído por dirigentes do PT e aliados. Mas, na quinta-feira, quem experimentou um gosto de traição foi o publicitário baiano Duda Mendonça, que, com suas campanhas, o ajudou a eleger-se presidente da República em 2002. Na quinta e na sexta-feira, os profissionais da agência de publicidade Duda Propaganda, de Duda Mendonça, faziam cálculos do estrago da perda da conta da Secretaria de Comunicação do Governo Federal. Na quinta-feira, a agência foi informada de que esse contrato não estava renovado, ao contrário do que ocorreu com as agências Lew, Lara e F/Nazca, com as quais Duda Mendonça dividia esse investimento do governo de Lula.
Sócio da Duda Propaganda e sobrinho de Duda Mendonça, Ricardo Braga, procurou minimizar, na sexta-feira, essa perda de receita, embora reconheça que isso muda os planos iniciais da agência de encerrar o ano com faturamento de R$ 250 milhões. ‘Não deixa de ser uma conta que deixamos de atender e para a qual criamos estrutura e contratamos profissionais, mas a vida segue.’
Com escritórios em Salvador, Brasília, Rio de Janeiro e sede em São Paulo e 160 funcionários, a Duda Propaganda, diz Braga, tem hoje 55% da sua receita proveniente de contas publicitárias privadas. Segundo ele, isso faz com que o impacto da saída de uma conta de governo seja menor, mas não deve ser suficiente para evitar cortes.
Entre as contas privadas da Duda Propaganda, destacam-se as da AmBev (institucional e do Guaraná Antarctica), Grupo Pão de Açúcar (CompreBem e Sendas), Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Brasil Telecom (telefonia fixa e celular), esta última comandada por acordo de acionistas, em fase de litígio, pelo também baiano Daniel Dantas, controlador do banco Opportunity. Entre as contas públicas, o principal destaque é a Petrobrás, que Duda Propaganda divide com outras duas agências, a Q e a F/Nazca. A outra conta é a do Ministério da Saúde.
Braga disse que a Duda Propaganda, que tem conquistado prêmios nos festivais, nada tem a ver com a Comunicação e Estratégia Política (CEP), onde Duda Mendonça tem como sócia Zilmar Fernandes da Silveira. ‘É a CEP que trabalha em campanhas políticas. A Duda Propaganda é uma agência de mercado, com a maioria dos clientes privados e cases que mostram sua eficiência em resultados.’ Mas o que mais tem irritado profissionais de propaganda, especialmente um outro baiano, Nizan Guanaes, é a desinformação quanto ao mercado publicitário. Tem gente que, mesmo passados quase 20 anos da venda da marca DM9 para o publicitário Nizan Guanaes, ainda atribui a Duda seu controle.
‘Tem muita informação que não procede e estamos dispostos a responder a todas elas, pois a Duda Propaganda não depende única e exclusivamente do governo para existir.’’
Carlos Chaparro
‘Nos jovens, razões para a esperança’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 19/08/05
‘O XIS DA QUESTÃO – Ao que parece, quanto mais o presidente fala, e quanto mais se divulga o que ele diz, mais as dúvidas crescem ao seu redor. Porque a descrença já virou argumento das ruas. Entretanto, em salas de aula, encontro jovens vibrantes de vida e sonhos, que não se acomodam nem desistem ante as dificuldades. Gente que acredita fundamentalmente no Brasil, tanto quanto em sua própria capacidade de sonhar e fazer.
1. Dúvidas da descrença
Em certos momentos, gostaria de alcançar o fulgor acre dos cépticos, para de tudo duvidar. Duvidar até da dúvida, pelos caminhos da controvérsia inteligente. Mas, como duvidar das dúvidas que Lula já impregnou nas convicções de quem acreditou nele e em suas promessas?
Lula bem que tenta elaborar verdades que o protejam das fragilidades, partidárias e administrativas, que perigosamente o cercam. Em palanques populistas, faz discursos recheados de frases prontas para manchetes garrafais. Ele, ou quem o assessora, acredita que a manchete forte tem, em si, a força da verdade Ao que parece, porém, quanto mais o presidente fala, e quanto mais se divulga o que diz, mais as dúvidas crescem ao seu redor. É o que podem significar as últimas pesquisas de opinião, das quais os jornais dão notícia.
Há uma alta probabilidade de Lula já estar envolvido pela lógica de uma certa lei, ensinada em tradicionais manuais de comunicação, e que a sabedoria publicitária transformou em axioma: quando o consumidor descrê de um produto, quanto mais propaganda se faz, pior é o efeito.
Para desgraça maior, as dúvidas que cercam Lula não vêm da controvérsia sábia do cepticismo.
São dúvidas paridas pela descrença, já transformada em argumento das ruas. Descrença na política e nos políticos. Descrença nos mecanismos da democracia. Descrença, até, na validade do voto.
2. Palmas compradas
Na minha avaliação, Lula ajuda a engordar a descrença generalizada.
Nesta quarta-feira (17 de agosto), por exemplo, ele foi a Vitória da Conquista, mais precisamente ao Assentamento Amaralina, para inaugurar o fornecimento de energia elétrica aos 249 domicílios das famílias assentadas. Revelam os noticiários que o prefeito petista da cidade fretou 35 ônibus, para oferecer ao presidente uma platéia de apoio, calculada em três mil pessoas. Para garantir a festa, o homem decretou até ponto facultativo. Pois mal irá qualquer presidente que precise de cenários desses, com espaço e meios para palmas compradas.
Antigamente, coisas desse tipo aconteciam sem produzir mazelas políticas. Eram absorvidas naturalmente, sem repercussões negativas. Mas hoje, com a discussão política no estágio em que está, qualquer operação de palmas compradas logo corre mundo em forma de notícia, espalhando efeitos que ninguém controla.
Se tivesse ido de carro, no trajeto entre o aeroporto de Vitória da Conquista e o Assentamento Amaralina, o presidente Lula teria passado pelo esburacado trecho urbano da abandonada BR-116, a histórica Rio-Bahia, de enorme importância para a economia nacional. Para se safar do constrangimento de ver e sentir de perto a buraqueira da estrada, Lula viajou de helicóptero para o Assentamento. Assim, não sentiu nos costados os efeitos do desleixo do seu governo, que há dois anos e meio, pela omissão, aceita a deterioração da mais importante e estratégica rodovia nacional.
Em Vitória da Conquista, onde estive recentemente, visitar e experimentar a buraqueira no trecho local da BR-116 tornou-se, até, alternativa irônica de passeio turístico. ‘Você já viu os buracos da Rio-Bahia?’ – me perguntaram. E lá me levaram, para meu desgosto. Porque dá tristeza ver e experimentar a destruição tolerada de uma estrada que já fez parte das vaidades nacionais. Dói ainda mais, por se tratar de omissão de um governo que em nenhum momento, até agora, questionou os milhões inutilmente gastos em propaganda institucional.
3. Razões para acreditar
Não fui a Vitória da Conquista para ver os buracos da Rio-Bahia. Fui lá para ministrar a última disciplina de um curso de pós-graduação (lato sensu) em ‘Gestão Estratégica da Comunicação’, na FTC – Faculdade de Tecnologia e Ciência. Foi uma experiência emocionante, para o veterano professor que persiste no ensino, por acreditar no poder transformador da juventude.
Em tempos de descrença, retornei de Vitória da Conquista reconfortado pelo encontro de razões para continuar otimista. Ao longo de 25 horas-aula, ensinei e aprendi na intensa partilha de reflexões com trinta alunos, entusiasticamente entregues à luta vital de cavar e alargar as fronteiras da realização profissional, numa região onde as oportunidades de trabalho escasseiam.
Com poucas exceções, são jovens encarando e ultrapassando as primeiras encruzilhadas pedregosas, para singrar na carreira escolhida. Na maioria dos casos, o jornalismo.
Fora dos horários de aula, os jovens me procuravam para conversar, cada um deles, sobre o seu projeto de definição de um lugar próprio, em mercado de raros empregos. Jovens vibrantes de vida e sonhos, que não se acomodam nem desistem ante as dificuldades – e haja dificuldades!
Enfim, gente que não desacreditou no Brasil. Ou melhor: gente que acredita fundamentalmente no Brasil, tanto quanto em sua própria capacidade de sonhar e fazer.
Pois que sonhem e façam! E que mudem o Brasil!’
Miriam Leitão
‘Brasil não é binário’, copyright O Globo, 21/08/05
‘Se o notório Roberto Jefferson não tivesse decidido voluntariamente falar, o país poderia passar desta para melhor sem saber nada do que fora montado nos porões do governo Lula e do PT. Poucos conheceriam o hoje popular Marcos Valério. É forçoso reconhecer, diante dos fatos abrumadores que sabemos hoje, que houve falha generalizada no sistema de acompanhamento do que se passa no país. Um desses culpados é a própria imprensa.
Acho que nós jornalistas falhamos e precisamos aprender as lições da temporada. Muita gente no Congresso estava recebendo pagamentos – seja em bases mensais ou em boladas ocasionais – os bochichos eram freqüentes, muita coisa esquisita acontecia. Houve notícias publicadas, mas lateralmente, e o assunto nunca foi devidamente apurado. A imprensa brasileira é competente: ágil, investigativa, independente. Mesmo assim, não vimos que o dinheiro era farto demais no PT para ser de boa fonte.
O Brasil foi informado porque Roberto Jefferson assim o decidiu. Ele escolheu o órgão de imprensa – por eliminação – e falou porque achava que armavam uma arapuca para deixar o cadáver no colo do PTB. Não fossem a visão conspiratória de Roberto Jefferson, seu ressentimento e seus desatinos, hoje o país estaria lendo as análises bucólicas sobre o que seria a tranqüila reeleição do presidente Lula.
Seria bom pensar como foi que a imprensa não viu a espalhafatosa obra de engenharia financeira que é o valerioduto até o dia em que tudo começou a se esclarecer a partir do dedo de Roberto Jefferson apontado para ‘o Marcos Valério, o carequinha’.
Vendo com olhos de agora, o país inteiro parece ter sido neutralizado pela devastadora campanha de marketing do PT de que eles eram os donos da bondade humana e da ética na política.
Uma certa propaganda da época da campanha é o resumo disso: jovens saem de uma boate alegres e passam em seu carro em frente a mendigos dormindo na calçada. Uma jovem detém seu olhar na cena, pára de rir e faz cara pensativa. Aí, uma voz ao fundo informa que, se aquilo o incomodou também, você é um pouco PT.
Ou seja, havia o PT, monopolista da verdade e da bondade humana, e os outros, os maus. Essa visão grosseiramente simplificadora da complexa realidade brasileira foi a empulhação que o partido vendeu ao país através dos truques da propaganda. Aliás, aquele anúncio, hoje se sabe, pode ter sido pago em algum paraíso fiscal com dinheiro de origem escusa. Até hoje, o presidente Lula quer manter vivo esse mundo binário. Semana passada, em Vitória da Conquista, afirmou que ‘os outros’ não sabem o que é fome, mas ele, sim, sabe. As políticas públicas rompem o círculo de reprodução da pobreza se forem eficientes na formulação e na implementação. E isso não depende de como o líder político do país viveu sua infância.
Durante a ditadura, o mundo era assim, com apenas duas cores. Depois disso, tudo ficou mais complexo, mas o defeito de ver o mundo bicolor permaneceu em certa parte da inteligência brasileira. A estabilização da moeda, a responsabilidade fiscal eram consideradas idéias neoliberais, conluio com banqueiros e militância a favor do governo Fernando Henrique. Eram, na verdade, avanços civilizatórios que não pertenciam a um específico governo, como acaba de ser demonstrado no atual.
Outros canais de fiscalização falharam no país. O Ministério Público foi muito ativo no governo Fernando Henrique, mas se deixou apequenar no governo Lula. Há quadros valorosos no Ministério Público, capazes de deixar de lado as preferências político-eleitorais e agir tecnicamente. Mas houve alguns hiperativos no governo FH, estranhamente paralisados no governo Lula, falhando ao exercer suas funções de acompanhamento dos atos do Executivo.
O Banco Central, que alega ter melhorado seu sistema de fiscalização introduzindo operações preventivas com exigências de normas prudenciais, não viu que o Banco do Brasil emprestava sem lastro para o Partido dos Trabalhadores. Só agora é que exigiu que o Banco do Brasil e a dupla do valerioduto – Banco Rural e BMG – lançassem os empréstimos a prejuízo e fizessem provisão.
Falharam os dirigentes do PT. Quem era adversário do Campo Majoritário gastou todas as suas energias oposicionistas combatendo a política econômica e não notou que jorrava dinheiro dentro do partido e da base parlamentar. Tudo ficara estranhamente fácil: R$ 20 milhões em computadores, jatinho à disposição do candidato a presidente da Câmara dos Deputados, charutos caros e vários sinais de ‘novo-richismo’.
O sistema de prestação de contas internas do PT entrou em colapso, o grupo do ministro José Dirceu mandava e desmandava, Delúbio falia o partido; mas as múltiplas correntes dissidentes não se preocupavam com as dívidas internas do PT, porque estavam muito ocupadas em defender o calote da dívida externa – dívida que, a propósito, tem diminuído constantemente.
Até hoje há quem, no país, ainda prefira continuar agarrado à explicação binária e reduza o conflito atual à tese canhestra de conspiração das elites. Ou há os que preferem dizer que meia dúzia de pessoas, dentro do partido e do governo, construíram um mundo imoral escondido de todos. Ao contrário do que disse José Sarney, esta não é uma crise de homens. Estamos diante de falhas de várias instituições. É preciso começar a admitir que o Brasil não é binário.’