Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O nocivo no fazer jornalístico contemporâneo

“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique.” Com essa máxima, o escritor Eric Arthur Blair (mais conhecido como George Orwell) definiu o papel do jornalismo contemporâneo. Até aí, tudo bem, quando se pensa em denunciar desvios de verba pública, algum crime que lese a sociedade como um todo ou certos grupos ou pessoas. Por exemplo, se enquadraria muito bem uma reportagem sobre corrupção no Senado, tal qual uma matéria sobre uma travesti que, por conta do preconceito em seus trabalhos anteriores, recorreu à prostituição.

Mas, com certeza, Blair não estava se referindo a um “jornalismo paparazzista”, que aproveita alguns casos específicos e muito particulares para saciar o fetiche de leitores. É o caso da matéria veiculada na seção de esporte do Conexão Jornalismo cujo título é “Ginasta que virou prostituta foi medalhista europeia”. A notícia consiste em apresentar o drama da ginasta romena Florica Leonida, de 25 anos, que decidiu ganhar dinheiro no mercado da prostituição – inclusive, constam seis fotos em alta resolução da atleta que tomam mais espaço que a própria parte escrita. O veículo parece que decidiu aproveitar o gancho das Olimpíadas para fazer um favor a qualquer revista erótica masculina, informando algo que em nada tem relevância na esfera pública.

Sem pé nem cabeça

O que mudou na vida do leitor? Nada. Mas uma família, por força das convenções sociais, foi forçada a sair do país onde morava e cruzar o Atlântico para poder viver livre da vergonha que, certamente, passou na Romênia. Essa família, como foi apresentado na matéria, é a família da atleta. O efeito da notícia é local, restrito somente àquela mulher e, talvez, a seus parentes. Se, ao menos, a matéria tivesse algum aprofundamento explicando que esse é um fenômeno entre os atletas romenos frente à inexistência de patrocínio, vá lá, existiria uma contextualização. Mas não: aquele é um assunto da ginasta e somente dela.

Não dá para pressupor esse tipo de reflexão no leitor comum. Afinal, ele é um consumidor de notícia. Se alguma matéria está dentro do seu interesse, “caiu na rede, é peixe”. Mas isso é básico na formação de um jornalista. O impacto da notícia na vida privada veio à tona no Brasil com o caso Nardoni – no qual, inclusive, foram avaliadas as implicações jurídicas quando um crime for largamente discutido na imprensa.

Esse “jornalismo” nocivo não é novidade. Afinal, recorrendo à história da área, percebe-se que assim eram as primeiras matérias: o peso estava no local. Agora, se levarmos em conta que mais de 150 anos já se passaram desde a o início da penny press e toda a mudança no aparato comunicativo (especialmente a chegada massiva dos computadores e do acesso à internet), resta-nos questionar os efeitos desse fazer jornalístico. Um jornalismo que não tem pé nem cabeça para quem não está envolvido no fato. Mas que tem mira e gatilho. Ah…, mira e gatilho tem…

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[Gilberto Rios é estudante de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/Ufba) e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura]