Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Fabiano Maisonnave

‘Deu no ‘New York Times’. Mas estava errado.

Três dias após publicar reportagem na qual afirmava que o Brasil e outros países deram dinheiro ao ex-ditador chileno Augusto Pinochet (1973-90), o jornal publicou ontem uma nota na qual admite ter exagerado ao interpretar os documentos que originaram a reportagem, co-assinada pelo correspondente no Rio Larry Rohter.

‘Embora os documentos no Senado [americano] indiquem que o general Pinochet tenha recebido pagamentos relacionados a trabalhos oficiais que ele conduziu no exterior, eles não identificam, em alguns casos, a origem desses pagamentos’, diz a correção, publicada na página A2 sob o título ‘Nota dos Editores’.

Publicada na terça-feira, a reportagem ‘EUA e outros doaram milhões a Pinochet’ afirma que o ex-ditador teria recebido um ‘pagamento combinado de US$ 3 milhões do Reino Unido, da Malásia e do Brasil’, em 1995.

O principal documento no qual se baseia a reportagem foi entregue pelo Banco Riggs a uma comissão do Senado americano que investigava lavagem de dinheiro.

Com o timbre do Ministério da Defesa, o documento tentava justificar a fortuna secreta do ex-ditador no banco, estimada em até US$ 8 milhões.

A retificação foi publicada após a Folha ter questionado o ‘NYT’, na terça e na quarta-feira, sobre as informações. Ontem, uma porta-voz do ‘NYT’ ligou à reportagem para informar sobre a retificação.

A interpretação do ‘NYT’ foi refutada pela imprensa e por especialistas chilenos. Para eles, o documento buscava provar que os rendimentos de Pinochet incluíam milhões de dólares pagos pelo governo chileno na forma de diárias por viagens ao exterior.

Em maio, uma reportagem de Rohter provocou polêmica no Brasil ao afirmar que o ‘hábito de bebericar’ de Lula havia se tornado uma ‘preocupação nacional’. A reportagem foi duramente criticado pelo governo e até pela oposição. O governo brasileiro chegou a suspender o visto do jornalista, mas sob críticas, recuou.

No Chile, a reportagem co-assinada por Rohter provocou fenômeno semelhante: tanto os advogados de Pinochet quanto seus adversários afirmaram que o documento fora mal interpretado.’



EUA / SEGREDO DA FONTE
Luciana Coelho

‘Jornalistas apelam contra intimação para revelar fonte’, copyright Folha de S. Paulo, 9/12/04

‘A repórter Judith Miller, do jornal ‘The New York Times’, e seu colega Matthew Cooper, da revista ‘Time’, entraram ontem com uma apelação em uma corte de Washington. Os dois, que podem ser condenados a 18 meses de prisão por se recusarem a revelar suas fontes, pedem que a Justiça reverta a intimação feita pelo promotor Patrick Fitzgerald.

Fitzgerald investiga o vazamento do nome de uma espiã da CIA (serviço de inteligência dos EUA) cujo marido, um ex-funcionário do governo federal, criticou a administração George W. Bush.

Em julho de 2003, o colunista conservador Robert Novak, publicado por dezenas de jornais dos EUA, citou ‘dois representantes de alto escalão do governo’ para revelar o nome da espiã Valerie Plamer. Uma semana antes, seu marido, o ex-embaixador Joseph Wilson, escreveu em um artigo no ‘Times’ que eram falsas as alegações de Bush sobre uma tentativa do Iraque de comprar urânio do Níger.

O episódio foi visto como retaliação do governo e congressistas democratas exigiram uma investigação. Fitzgerald concentrou seus esforços nos jornalistas que poderiam revelar as identidades dos responsáveis pelo vazamento.

Analistas e veículos de imprensa americana têm tratado a pressão do promotor sobre os dois jornalistas como ‘incomum’. Além de Miller e Cooper, outros três jornalistas -Glenn Kessler, Walter Pincus (‘Washington Post’) e Tim Russert (NBC) também receberam intimações para depor. Os três já testemunharam. Não se sabe se Novak recebeu a intimação ou não.

Cooper, 41, citou o nome de Plame também fazendo referência a ‘fontes no governo’ em texto divulgado na internet em 17 de julho. Já Miller, 56, apurava informações sobre Williams e Plame e sequer publicou um texto.

Os advogados da jornalista citam a Primeira Emenda da Constituição americana, que trata de liberdade de expressão e dá aos jornalistas o direito de omitir os nomes de fontes para assegurar que elas não sejam pressionadas.

Em editorial publicado no último domingo, o ‘Times’ afirma que o inquérito conduzido por Fitzgerald se tornou ‘um grande ataque à relação de confidencialidade entre jornalistas e suas fontes, cuja importância é crucial ao expor o mesmo tipo de abuso de poder pelo governo federal que o levou a abrir o caso inicialmente’.’



Paulo Sotero

‘Juízes rejeitam argumentos de jornalistas do ‘NYT’ e de ‘Time’’, copyright O Estado de S. Paulo, 10/12/04

‘É improvável que os jornalistas Judith Miller, do New York Times, e David Cooper, da revista Time, consigam reverter a decisão de um juiz federal que em outubro os declarou em situação de ‘desacato à Justiça’ e ordenou a prisão de ambos por até 18 meses, mais o pagamento de multa diária de US$ 1 mil. Eles recusam-se a atender intimação de um promotor federal e revelar suas fontes de informação a um grande júri que investiga o vazamento da identidade de uma agente da CIA, no ano passado, por altos funcionários da Casa Branca, ao conservador Robert Novak.

Os três juízes federais que ouviram depoimentos das duas partes, na quarta-feira, deixaram claro que não aceitam o argumento da defesa, segundo o qual a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que garante a liberdade de expressão e de imprensa, protege jornalistas contra convocações para depor perante grandes júris e ser questionados sobre suas fontes. Os magistrados disseram que a Suprema Corte já decidiu que os jornalistas não têm tal privilégio numa sentença de 1972.

Se os três juízes negarem o recurso apresentado em outubro por Judith e Cooper, seus advogados poderão apelar novamente e levar o caso ao pleno do Tribunal Federal de Recursos ou diretamente à Suprema Corte. Os três juízes não deram nenhuma indicação sobre quando anunciarão sua decisão. Segundo os advogados dos jornalistas, isso pode acontecer dentro de semanas ou demorar meses. Judith e Cooper continuarão em liberdade enquanto o julgamento de seus recursos estiver pendente. Se perderem em todas as instâncias, terão de decidir se acatarão a ordem de depor perante o grande júri ou se irão para a cadeia em nome da preservação do acordo de confidencialidade que fizeram com suas fontes.’



O Estado de S. Paulo

‘Repórter de TV que se negou a revelar fonte é condenado’, copyright O Estado de S. Paulo, 10/12/04

‘‘DESACATO’: O repórter de TV americano Jim Taricani, de 55 anos, foi sentenciado ontem a 6 meses de prisão domiciliar por se negar a revelar quem lhe passou um vídeo do FBI que mostra um político aceitando suborno. Taricani, da WJAR-TV, afiliada à NBC em Provicence, Rhode Island, não violou nenhuma lei ao pôr a fita no ar, mas as partes envolvidas no processo por suborno estavam proibidas de divulgar qualquer gravação ligada ao caso. A fita mostra Frank Corrente, ex-assessor do ex-prefeito de Providence Vincent Cianci, recebendo suborno de US$ 1 mil. Ambos foram para a cadeia. O autor do vazamento identificou-se em novembro: Joseph Bevilacqua Jr, advogado do ex-funcionário do setor fiscal da prefeitura Joseph Pannone, que admitiu culpa no caso de corrupção. Taricani definiu sua condenação por desacato à Justiça como ‘ataque à liberdade de imprensa’.’



Folha de S. Paulo

‘Governo X Imprensa’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 12/12/04

‘Uma série de casos judiciais está testando os limites da liberdade de imprensa nos EUA, país que se caracterizou por ter ajudado a consagrar o princípio segundo o qual a sociedade tem o direito de ser informada sobre as atividades do governo. Há no momento na América dez casos de jornalistas que podem ser encarcerados por terem se recusado a revelar suas fontes. O mais rumoroso deles é o que envolve o promotor federal Patrick Fitzgerald e os jornalistas Judith Miller, do ‘The New York Times’, e Matthew Cooper, da revista ‘Time’.

Fitzgerald investiga se membros do governo vazaram a identidade de Valerie Plame como uma espiã da CIA -o que é um crime nos EUA. A notícia da identidade de Plame saiu na coluna de Robert Novak, publicada por dezenas de jornais norte-americanos. Há quem afirme que o vazamento foi uma retaliação da Casa Branca ao marido da agente, o ex-embaixador Joseph Wilson, que assinou artigo na ‘Time’ contrário aos interesses da administração.

A questão que se coloca é se os jornalistas têm ou não o direito de proteger suas fontes. A Primeira Emenda da Constituição dos EUA garante a liberdade de expressão e de imprensa, mas não desce a detalhes.

Pelo menos desde o caso Watergate, nos anos 70, vinha-se consolidando o princípio de que jornalistas não estão obrigados a revelar em juízo seus informantes, salvo em casos especiais e só quando todos os outros caminhos para chegar à informação tivessem sido esgotados.

Há dúvidas sobre o trabalho de Fitzgerald. Embora ele não pertença aos quadros do governo, há quem afirme que o promotor vem se afastando do fulcro do caso para atacar a imprensa, especialmente veículos com posições independentes em relação à Casa Branca. Não se sabe, por exemplo, se o próprio Novak, um conservador, foi intimado a depor.

Também se pode questionar o alcance da proteção dada aos jornalistas quando se pretende dispensá-los de dizer tudo o que sabem em juízo. Será que ela não é exagerada? Aliás, o que são jornalistas? Pessoas que mantêm páginas noticioso-opinativas na internet teriam o mesmo direito? São questões pertinentes para as quais não existem respostas definitivas. O que parece claro é que, no contexto da retração nos direitos e garantias fundamentais verificada após o 11 de Setembro, a imprensa também experimenta dissabores.

Em parte ela é responsável, pois foram poucos os órgãos que se levantaram com veemência contra as medidas de exceção adotadas pelo governo do presidente George W. Bush. Parece crível, porém, que a vigorosa democracia americana saberá resistir a mais esse teste e manterá os mecanismos que garantem o direito de a sociedade receber informações, principalmente sobre fatos que o governo preferiria manter ocultos.

Não por acaso foi Thomas Jefferson, um dos ‘founding fathers’ (pais fundadores) dos EUA, quem escreveu: ‘Se me fosse dado decidir se devemos ter um governo sem jornais, ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a última’. Definitivamente, George W. Bush não é nem uma sombra de Thomas Jefferson.’