Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Antonio Brasil

‘Era só uma questão de tempo. Os defensores da TVs públicas em todo o mundo deveriam estar de luto. Após ter enfrentado o primeiro ministro Blair em sua aventura militar no Iraque chegou a hora da BBC de pagar a conta pela ousadia. As ameaças contra o modelo independente de comunicação pública da tradicional corporação britânica deixam de ser meras ‘ameaças’ para se tornarem realidade. Esta semana, a BBC anunciou planos para a sua ‘reformulação’ ou início de um ‘enxugamento’. O principal item do cardápio é a demissão de 3000 funcionários, cerca de 10% do total. Segundo o jornal britânico The Observer (28/11/04), só no setor jornalístico a BBC deve anunciar a demissão de 350 funcionários, o equivalente a cerca de 15% de toda a equipe.

A tal reestruturação se transformou em ‘demissão em massa’. É o preço a pagar para evitar o pior. A renovação do sistema de pagamento de licenças obrigatórias, a Royal Charter da BBC está ameaçada. Muitos analistas de mídia lembram que a BBC já tinha feito grandes cortes nos seus gastos. Mas o principal objetivo, sem dúvida, é ‘diminuir’ o poder da BBC.

Alegria dos competidores

As medidas anunciadas pela empresa agradam principalmente aos ‘competidores’. Empresários poderosos como o australiano Rupert Murdoch – que controla a News Corp., e o canal BSkyB mantêm relações próximas com o governo trabalhista de Tony Blair. Murdoch é um dos principais defensores de mudança no modelo da BBC. Os empresários sempre atacaram os ‘privilégios’ da BBC e denunciam regularmente um sistema de licenças obrigatórias que eles consideram injusto e ultrapassado.

Além disso, a BBC mantém uma liderança incontestável no desenvolvimento de novas tecnologias. Após ter praticamente inventado a televisão nos anos 30, hoje, o site da BBC na Internet é um dos maiores sucessos da empresa. Ou seja, o modelo da BBC jamais se acomodou no passado e certamente incomoda muito os empresários do futuro.

Segundo fontes do mercado, ‘a grande preocupação da BBC é que o governo inicie um processo gradual de desregulamentação da empresa, que tem concessão pública e é financiada, principalmente, por meio de uma licença compulsória cobrada dos detentores de aparelhos de rádio e tevê.’ O principal objetivo da ‘reestruturação’ seriam dúvidas quanto a seu futuro como empresa pública, subsidiada pelo Estado e pela população.

Interessante como ninguém se rebela contra pagar impostos em geral e tantas outras formas autoritárias de arrecadar fundos para os governos. Todos querem serviços de qualidade mas não se preocupam em saber como esses serviços são pagos. Acreditam que o governo, qualquer governo, tem uma fonte inesgotável de recursos para pagar tudo.

Certamente, ninguém gosta de pagar impostos. Mas nunca soube de um proprietário de automóvel se rebelar contra pagar o licenciamento de veículos, taxas rodoviárias, vistorias e tantas outras taxas que deveriam garantir a nossa segurança em ruas e estradas. Ou seja, comprou um carro, tem que pagar e ponto final. Com a educação ‘úublica’, deveria ser a mesma coisa. Se queremos boas escolas temos que estar dispostos a pagar os impostos necessários para a sua manutenção. Segurança, saúde e tantos outros serviços ‘públicos’ não são opções individuais. No entanto, deveríamos fiscalizar os desvios dessas verbas e exigir a sua utilização para seus fins específicos. Mas isso também significa demanda mais ‘participação’ do próprio ‘público’. Nem todos estão interessados em ‘fiscalizar’. Muitos se contentam com simplesmente ‘reclamar’.

TV pública não é estatal

Para mim, televisão pública de boa qualidade e, principalmente, jornalismo público não são luxos ou meras ‘opções’. Uma democracia de verdade não sobrevive a ‘monopólios’ privados de comunicação. Não sou contra a ‘competição’ com esses meios privados. Mas temos que dar as garantias e recursos para a sobrevivência e desenvolvimento da comunicação voltados para os interesses do público e não somente para os interesses do mercado ou das empresas. O jornalismo independente de qualidade demanda uma parceria específica com o público e não só com o consumo.

Mas favor não confundir público com estatal. Verbas extraordinárias para alocadas para a propaganda do governo em órgãos como a Radiobrás e a sua famigerada Voz de Brasília desqualificam a comunicação pública de verdade. O distanciamento e independência do jornalismo em relação ao governo, qualquer governo, são condição mínima de credibilidade e qualidade para o jornalismo.

Bem que a BBC tentou se manter durante muitos anos distante das pressões do mercado e dos governos. Mas pelo jeito, considerando as últimas notícias, o tradicional poder e independência da velha ‘tia’ – forma carinhosa como a BBC é conhecida pelos britânicos – podem estar com os seus dias contados. As TVs privadas e as redes estatais de todo o mundo agradecem e pedem passagem.

E se você estiver interessado em conhecer as opiniões dos britânicos sobre o futuro da BBC, é só visitar o site de debates criado pela própria empresa.’



COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
Paulo Nassar

‘A comunicação muito além do produto’, copyright Panorama Editorial – Revista da Câmara Brasileira do Livro – dezembro de 2004.

‘Foi meu primeiro livro: uma Bíblia de capa preta, título em letras douradas, elegantes e inclinadas. Meus dedos, ainda pequenos, tocavam as folhas de papel muito fino – delicadas, com sua constelação dos tipos, minúsculos, a contar o Velho e do Novo Testamento -, defendidas pela capa grossa que imitava couro. Isso faz muito tempo, mas, trago na memória o tato, o cheiro, a visão do lugar de destaque que ela ocupava na casa de meus pais. De lá para cá, cada trecho da vida, pode ser pontuado por títulos que tocam e marcam a alma. Dos tempos da meninice e da adolescência, distantes, mas nítidos na sua força, os de Monteiro Lobato, Antoine de Saint-Exupery, Castro Alves. Mais tarde, Ernest Heminguay, os modernos brasileiros, e, meu Deus, centenas e centenas de livros técnicos. Os livros foram e continuam importantes, hoje, quase 50 anos depois, em minha casa eles estão espalhados por todos os cantos, ao alcance das mãos. Eu gostaria de lembrar, da mesma forma, de livreiros e livrarias, de editores e editoras, que foram importantes na minha formação de professor e de cidadão. É uma pena, mas não me lembro. E, olha, sem eles meus primeiros livros não teriam chegado até Bela Vista do Paraíso, pequena cidade do Norte do Paraná, onde eu nasci. Naquele tempo, editores e livreiros que criavam, por meio dos livros, laços entre pessoas, sociedades e culturas, o faziam de maneira invisível, como se a atividade tivesse pouca ou nenhuma importância.

E aqui está: a comunicação vai muito além do livro, cuja matéria-prima, a identidade, é compartilhar informações de todo o tipo, com cada homem e mulher alfabetizado, que tenha a curiosidade de olhar o passado, refletir sobre o presente e imaginar o futuro. Por essa capacidade de fazer-nos sentir o tempo em todas as suas dimensões, o livro precisa ser percebido como ser vivo, que abriga uma criação e respira o seu criador e seu editor, extrapola os limites do produto/serviço, sua distribuição e preço. O setor livreiro precisa se dar conta da importância da comunicação para além do livro. Nós, os leitores, queremos conhecer os bastidores da criação, as sagas que, começam nos sonhos dos escritores, materializam-se nas mãos dos editores, e chegam aos leitores pelas mãos dos livreiros e dos bibliotecários. Quantos valores, crenças, tecnologias, trabalho e paixão na história de cada livro, cada editora, cada editor, cada distribuidor, cada livraria. O mundo do livro tem um conjunto de atributos que se constitui em um exército invisível e poderoso que valoriza – diante da sociedade e dos seus inúmeros públicos – a obra impressa, os que a criam e as transformam em produto. É preciso, é urgente, comunicá-los. Nesses tempos bicudos, nada é pior para um setor econômico que ser percebido apenas como produtor ou negociante, ainda que de livros. (Paulo Nassar – Professor da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP), presidente-executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE))’

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‘Persona non grata’, copyright copyright Revista Imprensa, dezembro de 2004

‘Um chef de cozinha, um ex-tenista e uma jornalista compunham o time de garotos-propaganda do Banco Santos, que recentemente foi objeto de intervenção pelo Banco Central. Todos eles defendiam por meio de anúncios em revistas e emissoras de televisão a excelência dos serviços prestados pela instituição bancária. Nos reclames eram ressaltadas as suas condições de clientes da empresa e as suas profissões.

Nos dias seguintes a intervenção no banco, algumas explicações dos protagonistas dos anúncios para a Folha de São Paulo (17/11/04).

Folha – Você tinha dinheiro lá (no Banco Santos)?

Chef – Não, não.

Folha – Mas o anúncio não dizia isso.

Chef – Sim, mas eu não tinha. Ainda bem, não?

Folha – Você tem conta em que banco?

Chef- Eu tenho em outros bancos. Não posso falar. Isso é tudo com o meu diretor financeiro. Eu só sei cozinhar.

A jornalista, por sua vez, informou a mesma coluna que articulava o rompimento do contrato, que vence em 2005. As razões desses garotos-propaganda lembram o conceito de persona, criado por C.G. Jung, psicanalista suíço, que nos fala de uma personalidade que alguém apresenta ao mundo como real, mas que, no cotidiano, é diferente daquela que esse alguém usa quase 24 horas por dia. Atores, por exemplo, vivem de suas personas.

Já no vale tudo da comunicação empresarial um chef de cozinha vira cliente sem jamais ter sido. É quase certo que dificilmente alguém vai deixar de comer os saborosos pratos assinados pelo chef, em razão de sua mentira publicitária. A questão que fica para a sociedade é se jornalista pode representar, por meio de veículos de comunicação, algum tipo de persona. E caso a persona jornalística endosse instituições, produtos e serviços cambaleantes, como é que fica?

As empresas são seres oportunistas. Ao ver o cavalo encilhado a sua frente, montam. Nas empresas saudáveis, do ponto de vista dos seus administradores da comunicação empresarial é um verdadeiro gol de placa ligar a imagem de empresas, produtos e serviços à imagem de pessoas reconhecidas por seus méritos, conquistas e atributos como simpatia, simplicidade, entre outros. Melhor ainda se essas pessoas forem jornalistas. O motivo disso é muito simples: os jornalistas, no imaginário das pessoas, são a encarnação humana da credibilidade e da ética, que no caso são transferidas à marca.

Nesta lógica é um verdadeiro paraíso construir um anúncio publicitário alicerçado em um testemunho de alguém, o jornalista, que tem como matéria-prima a notícia, que contém entre os seus atributos a verdade, a imparcialidade, a clareza e a objetividade. É uma mistura campeã no campo do marketing, principalmente quando a identidade da empresa é irmã do risco. Dentro do quadro descrito, o jornalista e o seu discurso ‘em pele de cordeiro’ é um bálsamo para a alma de clientes atormentados pela insegurança do mundo dos negócios.

Nos últimos 100 anos, bancos e empresas como as fabricantes de armas, medicamentos e alimentos, aqui e lá fora, têm usado a imagem profissional de jornalistas para vender e principalmente para defender os seus negócios e patrimônios. Os cafundós da comunicação empresarial registram o primeiro deles: Ivy Lee, jornalista norte-americano que é considerado o pai das relações-públicas.

Nos anos 1900, Lee se transformou em escudo do célebre John Rockfeller. Entre as coisas que ele inventou estão a assessoria de imprensa e o press-release, além do controle do acesso dos jornalistas às fontes primárias. Até agora, não há notícias que ele tenha sido garoto-propaganda em anúncios impressos dos jornais e revista da época. (Paulo Nassar – É professor da ECA-USP e presidente-executivo da ABERJE (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial).)’



PAPARAZZI & JORNALISMO
Luiz Garcia

‘Mas sem bater no paparazzo’, copyright O Globo, 10/12/04

‘Uma meia dúzia de décadas atrás a imprensa brasileira só se metia nas intimidades da vida alheia se o alheio era pobre. Era território dos jornais populares, especializados em crimes, situações grotescas e brigas familiares – mas sem tocar nos ricos e famosos.

Ficou célebre, por exemplo, a manchete ‘O porco (ou, talvez, o cachorro) fez mal à moça!’, na ‘Luta Democrática’. Dá para entender o espírito da coisa. Nos jornais sérios, os escândalos eram financeiros ou políticos, envolvendo, como era comum e aceitável naquele tempo, inimigos do dono do jornal.

Mudamos muito, na parte da imprensa que se dá ao respeito e que respeita o leitor.

Os jornais populares praticamente sumiram. Mas o jornalismo do escandaloso e do excitante está vivo, estimulado por duas fontes: pessoas que desejam fama a qualquer preço (tema de novela recente) e a importação dos paparazzi. Estes, importados da Europa, são fotógrafos que alimentam colunas sociais e revistas especializadas em amores, desamores e diferentes partes da anatomia dos notórios, já definidos (por Daniel Boorstin, que já citei uma vez, mas vale a reprise) como pessoas que são famosas devido ao fato de serem muito conhecidas.

Exemplos da filosofia de trabalho dos repórteres da futilidade: ‘É um desperdício saber de muita coisa e não dar isso no programa’, disse outro dia uma apresentadora de TV. Ou: ‘Eu aumento, mas não invento’, definiu-se um decano dos fofoqueiros.

Na maioria dos casos, o desejo de mostrar coincide com a vontade de aparecer. É quando o fenômeno é inócuo. Não se trata de jornalismo sério, pela absoluta ausência de relevância, mas nada tem de desonesto em si. Os problemas aparecem quando os personagens decidem que a sua vida particular, por limitada que seja, foi invadida.

Pode-se entender que o paparazzo não disponha de equipamento de alta precisão, capaz de registrar e avisar que a personalidade que outro dia em Angra mostrara-lhe sorriso e decote, esta semana virara Greta Garbo na Bahia. Muito bem que ele insista educadamente – mas é incompreensível que não desista ante o segundo ‘não’ ou o terceiro ‘suma-se’.

Este longo pano de fundo ajuda a explicar o que aconteceu outro dia no hotel de praia Txai (podem chamar de ‘resort’ que ele atende), na Bahia. A modelo Luma de Oliveira tinha todo o direito de não aceitar ser fotografada com um suposto namorado. O fotógrafo não tinha o direito de insistir. Mas o pessoal do Txai cometeu um crime ao agarrar e agredir o profissional (que teve hematomas no rosto, nas costas e num braço). Se fosse o caso, chamava-se a polícia. Nada justifica covardia e violência física.

Se a culpa é do dono do hotel, merece boicote dos famosos, dos ricos, dos desconhecidos e dos remediados. Se ele é inocente, dispensa-se o boicote, mas se recomenda, pelo menos, freqüência cautelosa. Pena: é um lindo lugar.

Isso posto, algo mais deve ficar claro. O fotógrafo merece a solidariedade devida a quem apanhou sem merecer, assim como receber na Justiça a compensação devida. Mas o episódio – e é isso que importa destacar – nada tem a ver com a prática do jornalismo que se leva a sério. Pertence à área da futilidade que alimenta paparazzi e seus fregueses – e cujo voyeurismo nós, leitores e espectadores, deveríamos ter vergonha de apreciar, mesmo em sala de espera de dentista.’