‘O leitor Rafael Tomyama procura o Ombudsman, via e-mail, para, utilizando-se de ironia e informações, questionar a real intenção de trazer à coluna no domingo passado, dia 6, o silêncio adotado pelo O Povo quanto à crise interna do Banco do Nordeste. Com o sugestivo título de ‘quem engana quem’, ele dá idéia da existência de um grande jogo de faz-de-conta, do qual eu participaria apresentando uma conveniente desinformação sobre o que acontece no ambiente interno do jornal. Segundo ele sugere, um mero jogo de cena. Demonstrando-se mais informado do que eu, Rafael assegura que a matéria que cobrei abordando o assunto foi concluída e está à espera da liberação de um ‘todo-poderoso que diz em meio a um sorrisinho: essa fica aqui mesmo’. Devo confessar, publicamente, minha dificuldade de entender o que o autor da mensagem pretendeu dizer com tal alegoria textual. O Povo, com seus muitos defeitos, há algum tempo excluiu deles a provável existência de um ‘todo poderoso’ que, portando um ‘sorrisinho’, seja capaz de ‘parar as máquinas’ para dizer ‘onde uma matéria fica’. Esta não é a maneira correta de criticar o jornal.
O debate ainda não chegou ao mérito
Extraídas insinuações e denúncias não comprováveis, a mensagem de Rafael Tomyama apresenta alguns exemplos que até reforçam o entendimento já externado de que a postura omissa do jornal diante da crise interna no BNB é injustificável. O e-mail dele anexa pelo menos 11 textos publicados desde agosto, a maior parte produzida pela assessoria da própria Associação dos Funcionários do Banco do Nordeste do Brasil (AFBNB), de alguma forma relacionados à polêmica da dispensa de licitação para um contrato de R$ 130 milhões, aproximadamente, com a Cobra Informática. Parece evidente que existia uma fonte confiável e absolutamente inserida no contexto para um início de abordagem serena do assunto. O mérito da questão não encontra-se em debate, volto a dizer, mas apenas a importância que teria uma iniciativa do O Povo de pautar o tema na perspectiva de efetivamente publicar uma matéria que ajudasse no esclarecimento do que lá tem acontecido.
Muita apuração para pouca publicação
O questionamento que encaminhei aos que comandam a Redação, inclusive reforçado pelo e-mail de Rafael Tomyama, que também lhes fiz chegar, continua sem resposta. A assessoria do Banco do Nordeste, por outro lado, avalia como normal que os fatos não venham sendo noticiados pelos órgãos de comunicação, excetuando-se o Jornal do Commércio, de Pernambuco. Apesar, conforme sou lembrado, de vários deles terem pautado repórteres, da mesma forma que fez O Povo. Na lista que me é passada, por exemplo, consta o concorrente local Diário do Nordeste. A apuração pelos vários veículos estaria levando à conclusão de que a crise é menor do que faz supor o barulho que têm feito o senador pernambucano José Jorge, do PFL, e a entidade que representa os servidores do órgão, esta última, em especial, após os desentendimentos com o chefe de gabinete da presidência, Kennedy Moura. Pra mim, no que diz respeito à postura do O Povo e as cobranças que dela têm decorrido, o problema continua sendo que não tenho o diagnóstico da Redação apontando para as razões que nos fizeram, depois de apurado o fato, não levá-lo ao noticiário.
A minha democracia é exatamente igual
Mensagem eletrônica encaminhada pelo professor João Adamor Neves, da Uece, me fez despertar para algo que não houvera percebido. As duas manifestações que expressei, nas colunas dos dias 7 e 21 de novembro último, quanto aos excessos que costuma cometer o jornalista Themístocles de Castro e Silva, fizeram alguns leitores entenderem o contrário do que pretendiam os textos. Ficou parecendo que propus o fechamento dos espaços do jornal para Themístocles defender sua tese, que reconheço respeitável, de que a direita é melhor do que a esquerda, quando se trata de modelo político-ideológico. O professor Adamor, por exemplo, lembra que o jornal é próprio ‘à manifestação de idéias, é um fórum privilegiado de discussão de temas diversos, independentemente das posições a favor ou contra essa ou aquela ideologia’. Segundo ele, não cabe ao ombudsman, que prefere chamar de ouvidor e talvez não saiba que me agrada ao fazê-lo, ‘avaliar que tipo de idéia seja mais apropriada ou não. Democracia exige conviver com o diferente’.
Intolerância se enfrenta com tolerância
A dura avaliação indicou que exagerei na dose ao sair da condição de defensor do leitor para me arvorar o direito de dizer o que é bom e o que não é, o que é publicável e o que não. Devo esclarecer ao professor Adamor, na perspectiva de, ao mesmo tempo, estar fazendo-o para outros que tenham tido igual compreensão, de que não sugeri, nem sugiro, uma negativa de espaço pelo jornal para Themístocles de Castro e Silva defender, com a competência que lhe é inegável, o regime militar, a direita e quem mais ele considere digno de sua apreciação crítica. No entanto, ele deve respeitar os limites democráticos, exatamente aqueles instrumentos que garantem a todos espaço e liberdade para expressar suas opiniões, desde que respeitando as dos outros. Defendo que se faça ver ao articulista que seu apelo por uma intervenção militar, de vez em quando presente em textos onde critica o estado de coisas hoje no País, não se coaduna com o atual momento de democracia plena. Com defeitos e problemas, mas uma democracia. Melhor do que ter liberdade para expressar um pensamento, acho, é saber utilizá-la com responsabilidade e bom senso.
O problema é do tamanho que nós mostramos
Seria bom que criássemos uma possibilidade diferente na prática atual do jornalismo, fugindo à dificuldade cotidiana de apresentar os assuntos dentro da sua dimensão real. É rotineiro, por exemplo, falarmos dos dramas nas estradas brasileiras e das várias tragédias que derivam dele, seja pelos acidentes e mortes, seja pelo efeito na economia, seja pelas dificuldades de todo nível que determina ao ritmo normal de vida das pessoas e das cidades. O normal é que as abordagens, como resultado da simplificação ocasionada pela pressa, não levem à reflexão que seria conveniente sempre provocar. O núcleo de Cotidiano do O Povo prestou um excelente serviço ao decidir quebrar esta rotina e entregar à repórter Débora Dias a dura tarefa de percorrer a totalidade dos 1.315 quilômetros de rodovias federais que cortam o Ceará. O eficiente relato que ela faz da aventura pelas BRs nas edições dos últimos dias 6, 7, 8, 9 e 10, acompanhada, em momentos diferentes, pelos repórteres fotográficos André Goldman, Francisco Fontenele e Lia de Paula, traz o problema para o seu plano real, que é o de uma verdadeira calamidade pública. Pena que as circunstâncias nos impeçam de fazer mais comuns iniciativas do tipo.’