Manchete da edição de quarta-feira (19/9) do Globo revela que os partidos políticos já investiram quase R$ 1 bilhão nas atuais campanhas eleitorais. Esse valor, calculado pelo Tribunal Superior Eleitoral até o último dia 6/9, equivale a todo o orçamento do Plano Brasil sem Miséria, mas ainda está longe de representar o fim das contas.
No total, o dispêndio deverá chegar a R$ 3 bilhões até 28 de outubro, dia da votação em segundo turno.
Em apenas dois meses foram desembolsados, por exemplo, R$ 76 milhões somente com combustíveis e lubrificantes de veículos usados por cabos eleitorais e candidatos, o que daria para percorrer 82 vezes toda a malha rodoviária federal.
Os números assombrosos revelam que o processo democrático de escolha dos dirigentes públicos se transformou numa rede de negócios bilionária que movimenta, durante um período equivalente a dois terços do ano, a cada temporada eleitoral, orçamentos superiores aos investimentos anuais de setores inteiros da economia.
Na sua maior parte, esse dinheiro vem de doações de empresas, num sistema dissimulado de lobbies, pois ninguém há de se convencer de que a maioria dos doadores age por amor aos candidatos. A rigor, pode-se considerar que se trata de um processo que privatiza o voto, pelo comprometimento de ações de futuros dirigentes municipais eleitos para o Executivo e no Legislativo.
Formação de quadrilha
O perfil dos gastos revela que a maior parte do dinheiro ainda vai para material impresso, desde cartazes até os milhões de exemplares de “santinhos” e panfletos distribuídos nas ruas, além de placas, faixas e bandeiras com nomes de candidatos.
Somente o valor destinado à contratação de carros de som daria, segundo o jornal carioca, para custear quatro shows gratuitos da banda inglesa Rolling Stones na Praia de Copacabana. O dinheiro gasto para pagar a produção dos programas de rádio e televisão dos candidatos seria suficiente para financiar duas vezes a produção do filme O artista, que ganhou o Oscar deste ano.
A lista de comparações dá uma ideia da grandiosidade do evento eleitoral, e levanta questões que precisam ser mais elaboradas.
Na sequência das reportagens sobre as eleições municipais deste ano, o Globo traz, em duas páginas, reportagens sobre candidatos que se apresentam às urnas e ao mesmo tempo estão às voltas com a Justiça.
Num dos casos, o prefeito e candidato à reeleição em Japeri, na Baixada Fluminense, é suspeito de ser um dos mandantes do assassinato de um rival político e foi filmado pagando propinas a integrantes da Câmara Municipal que também tentam a reeleição.
Em outro caso, na cidade de Guapimirim, o atual prefeito acaba de ser liberado da prisão mas continua afastado do cargo. A candidata à sua sucessão está presa e o presidente da Câmara Municipal está foragido.
Apesar de a Justiça ter expedido sete mandados de prisão e 45 de busca e apreensão, na investigação sobre formação de quadrilha, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro manteve a autorização para os acusados seguirem fazendo campanha.
O pote de ouro
Além disso, o jornal carioca informa que, no Piauí, a promotoria eleitoral solicitou que a Polícia Federal investigue a denúncia de troca de votos por “pedras” de crack em um bairro de Teresina. Eleitores viciados em drogas estariam sendo contratados por traficantes para trabalhar em favor de candidatos apoiados pelos criminosos e ameaçar eleitores de candidatos adversários. Os cartazes e outros materiais de candidatos que não têm apoio dos traficantes são seguidamente depredados.
O caso não se restringe, evidentemente, ao Piauí. Mesmo na região metropolitana de São Paulo já foram identificados candidatos a vereador ligados a traficantes. O imenso volume de dinheiro investido nas eleições demonstra que, no fim do processo, o pote de ouro prometido aos eleitos vale muito a pena. Portanto, há algo de muito errado nesse sistema.
No caso do crime organizado, está claro que o objetivo principal é ganhar acesso à administração pública para fazer a lavagem do dinheiro obtido com atividades ilegais. O que se conhece do escândalo que tem como epicentro o bicheiro goiano Carlos Cachoeira é bastante esclarecedor.
A imprensa precisa fazer novas radiografias desse processo, para fundamentar um debate urgente sobre o sistema de financiamento de campanhas.