Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Joaquim Furtado

‘Num só dia, dois textos puseram em causa a conduta do Público, nas suas próprias páginas. Ambos publicados como direito de resposta, que é garantido pela Constituição a ‘todas as pessoas singulares e colectivas’ e a que, segundo a Lei, pode recorrer quem tenha ‘sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afectar a sua reputação e boa fama’. Sendo assim, ao publicar um direito de resposta, o jornal está, ou pode estar, a admitir o cometimento de uma infracção ou de um erro. Por outro lado, a credibilidade do jornal – e isso mesmo consta do Livro de Estilo do Público – ‘afirma-se também em saber corrigir as suas próprias falhas pronta e adequadamente’. Por isso, pareceu útil ao provedor procurar uma reflexão sobre os ‘bastidores’ dos dois direitos de resposta publicados na edição do passado domingo.

Num deles, Pedro Tadeu, director do ‘24 Horas’ desmentia declarações proferidas, em entrevista ao Público, pelo presidente do Futebol Clube do Porto.

No outro, Fátima Felgueiras desmentia uma notícia em que fora apresentada como autora de uma ‘mensagem de Natal’ que circulou em Felgueiras.

De facto, no dia 2, com chamada de primeira página, o Público anunciava: ‘Fátima Felgueiras promete entregar-se à Justiça em Março’. E informava que a autarca também se propunha concorrer às próximas eleições municipais, num folheto distribuído ‘em diversos estabelecimentos comerciais do concelho’.

No dia seguinte, porém, o Público incluía uma notícia sob o título ‘Fátima Felgueiras renega mensagem de Natal’ onde referia que o desmentido fora feito a partir do Brasil’, e em que se acrescentava: ‘apesar de disponibilizado nos mesmos locais e pelas mesmas pessoas que há um ano atrás forneceram idêntico documento, a autarca diz tratar-se de um panfleto anónimo, com?o intuito claro de me difamar, uma vez mais contribuindo para a intoxicação da opinião pública?’.

Porém, dois dias depois a questão voltava ao jornal, sob a forma de direito de resposta assinado pela autarca. O mesmo desmentido e o considerando de que ‘o jornalista do Público tinha o dever de confirmar’ com ela a ‘autenticidade’ do folheto.

Autor e editor da notícia afirmam que não havia razões para duvidar,’antes pelo contrário’, da autenticidade da mensagem: ‘desde logo – diz jornalista José Augusto Moreira – porque o documento não só é igual (tendo sido apenas actualizados alguns factos e as referências temporais) ao que tinha sido distribuído no ano anterior, na mesma altura e nas mesmas circunstâncias, como estava também a ser distribuído pelas mesmas pessoas e nos mesmos lugares, pessoas essas que são conhecidas como sendo indefectíveis apoiantes de Fátima Felgueiras’. Notando que ‘no ano passado, a mensagem não só não foi desmentida como foi depois complementada com outra gravada’ e transmitida pela rádio, o jornalista considera até que ‘mesmo depois do desmentido, tudo indica que Fátima Felgueiras não será alheia ao conteúdo da mensagem’.

José Augusto Moreira pensa, inclusive, que ‘o direito de resposta terá sido publicado apenas porque a lei assim o exige’, uma vez que lhe parece dever ‘merecer o mesmo crédito que muitas outras declarações que a autora tem feito em relação aos factos pelos quais é acusada e que levaram os tribunais a decretar a sua prisão preventiva’. Também é eloquente, a forma como, por seu lado, o editor Raposo Antunes afirma, igualmente, a sua convicção: ‘nunca imaginei que Fátima Felgueiras não reconhecesse a autoria da mensagem de Natal agora transcrita pelo Público’.

Poderá dizer-se que o jornalista e editor não fizeram tudo o que podiam para confirmar a notícia, antes da publicação. Agora, que conhecemos o que se passou, é fácil constatá-lo. Mas a verdade é que os elementos de que o jornalista dispunha e que enumera nas explicações que lemos, conferiam um enorme grau de verossimilhança aos factos. Tal como ele diz, em outra passagem da sua resposta , ‘como acontece com outros comunicados’ de outras entidades, ‘a prática não é duvidar da sua autenticidade, antes dar-lhe o tratamento noticioso que se julgue adequado, enquadrando-o e esclarecendo dúvidas, caso existam’.

Claro que poderemos perguntar se a procura desse enquadramento e desse esclarecimento não poderiam ter levado o jornalista a noticiar a existência do folheto, mas também a aprofundar o seu significado no âmbito do processo jurídico. Até porque, além de sublinhar os aspectos mais surpreendentes da mensagem, a notícia refere que ‘a autarca parece ter-se equivocado nas datas’ do processo. Se esta incongruência tivesse constituído um sinal de alerta, um contacto com o advogado de Fátima Felgueiras teria, eventualmente, transformado a notícia. E… evitado um direito de resposta ‘publicado apenas porque a lei assim o exige’.

Uma vez que persistem as dúvidas sobre a autoria da mensagem e as convicções do jornalista também, talvez se justifique que o assunto não seja abandonado.

O segundo caso: em entrevista à revista Pública, de 28 de Novembro, Pinto da Costa, dirigente do Futebol Clube do Porto, afirma: ‘Há dias, recebi uma chamada de um amigo meu, pessoa altamente insuspeita, dizendo-me que tinha tido uma conversa com determinada pessoa , que foi procurada pelo jornal ‘24 Horas’, oferencendo-lhe dinheiro para vir falar mal da minha mulher, Carolina Salgado. Deram-me a informação com sítios, com nomes, com tudo, sobre as conversas. A pessoa estava relutante em fazer, embora precisasse muito de dinheiro, mas responderem-lhe que disesse quanto queria, desde que falasse mal’. A esta passagem da entrevista reagiu o director do ‘24 Horas’, enviando ao Público, ao abrigo do direito de resposta, um texto em que afirma ‘achar curioso que um jornal dito de referência dê à estampa uma acusação, mesmo que produzida no âmbito de uma entrevista, sem perguntar a alguém que representasse o 24 Horas se essa afirmação corresponderia à verdade. Pelos vistos, há situações em que o Público não se importa de publicar mentiras’. Pedro Tadeu desmente depois a afirmação de Pinto da Costa: ‘O 24 Horas não pede nem nunca pediu aos seus entrevistados para produzirem declarações num determinado sentido. O 24 Horas não paga nem nunca pagou por informações que obteve e, se um dia o fizer, se um dia achar que houve boas razões para isso, informará os leitores dessa circunstância , não o escondendo, envergonhadamente’.

A pedido do provedor, o director do Público pronuncia-se: a decisão de publicar aquela passagem da entrevista foi tomada por mim e pela Dulce Neto [editora], que a leu e teve dúvidas. Não foi uma decisão fácil. Senão vejamos:

1. Tratava-se de uma entrevista e não de um trabalho de investigação nosso.

A acusação era feita pelo entrevistado, uma figura muito conhecida mas que dá muito poucas entrevistas – razão para o destaque que o trabalho teve e para o recurso à fórmula da entrevista de pergunta-resposta –, que assumia.

2. Numa notícia ou numa reportagem, quando nos é feita uma acusação daquele teor temos por norma ouvir a parte acusada. Numa entrevista, como fazê-lo, até do ponto de vista técnico? A única solução é retomar o assunto em edições seguintes.

3. Neste quadro a alternativa era cortar não apenas o nome do jornal, mas retirar essa parte da entrevista, pois não parecia correcto atirar com o ónus de uma acusação daquelas para cima de toda a imprensa, quando o acusador especificou a quem se referia.

4. Face a estas duas alternativas, optámos pela publicação da resposta integral.

5. Na segunda-feira (a Pública saiu domingo), ainda antes de termos tido tempo, com a equipa do Desporto, de organizar a sequência da notícia, nomeadamente inquirir o 24 Horas, chegou o Direito de Resposta. Entendemos nesse quadro que o mais correcto era publicá-lo com o destaque que teve, apesar de formalmente desproporcionado com a passagem da entrevista.

6. Uma reflexão final: uma entrevista pergunta-resposta é um género que comporta um conjunto de riscos, maiores quando feita em directo. Na imprensa escrita é permitida a sua edição, de forma, por exemplo, a adaptar a oralidade à escrita. Permite sintetizar as palavras do entrevistado, tornando a entrevista mais legível, desde que se seja fiel às suas ideias. Mas será que essa adaptação destinada a retirar o melhor da entrevista também autoriza a cortar as passagens mais polémicas, as acusações mais duras? O que seria feito desta forma especial de jornalismo se lhe retirarmos a espontaneidade, mesmo correndo riscos como o dos entrevistados dizerem coisas como disse Pinto da Costa, transformando-as em ‘debates’ ou ‘mesas-redondas’?

Como disse hesitámos. Mas entre várias soluções, todas com defeitos, a adoptada pareceu-nos a que tinha menos inconvenientes. Sobretudo porque a acusação não era feita por um taxista mas pelo presidente do FC Porto, alguém conhecido e a quem podem ser assacadas responsabilidades’.

Para além do conteúdo, a reflexão de José Manuel Fernandes confirma uma disponibilidade para expôr em detalhe, processos de decisão editorial como este, que apraz registar nesta coluna.

Recuemos ao momento da entrevista: perante uma afirmação como a que está em causa, o entrevistador deveria ter questionado mais o entrevistado sobre aquele assunto. Tentando obter mais informação, testava ao mesmo tempo, a consistência das afirmações feitas. Por si só, esse exercício profissional poderia permitir valorizar as declarações produzidas ou, pelo contrário, esvaziá-las de importância, a ponto de não justificarem a publicação.

Não tendo seguido este procedimento, o jornalista, e depois o editor ou a direcção do jornal terão que avaliar a relevância, a gravidade e as implicações, das declarações produzidas, bem como o perfil do entrevistado. Neste caso uma figura com responsabilidades perante o país e que conhece os efeitos do que afirma (o que, porventura, não acontece, por exemplo, com ouvintes anónimos que proferem insultos e acusações em directo, em programas de rádio), se bem que o órgão não seja alheio ao que veicula (1).

Em entrevistas não se pode aplicar da mesma forma automática o princípio do contraditório, o que não significa que – por razões éticas ou até por interesse do próprio jornal em aprofundar a informação que lhe está a ser revelada – não se proceda à auscultação de terceiros. A natureza da acusação proferida ditará o que fazer em cada momento, sendo que a atribuição de um crime sem provas é de uma gravidade evidente que noutras circunstâncias não se verifica. No caso concreto e considerando as exigências de um jornal como o Público, haveria essa gravidade ? justificava-se um contacto com o jornal referido na entrevista ?

O director do Público optara por fazê-lo, posteriormente. Pode perguntar-se, porque não antes ? evitava-se o direito de resposta, se bem que ele exista para isso. Desde que, a sua publicação seja justificada e desde que o texto esteja ‘limitado pela relação directa e útil com o escrito ou imagem respondidos’.

(1) – ‘Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, a menos que o seu teor constitua instigação à prática de um crime’. (Lei de Imprensa, artº 31, alínea 4).’