Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem banca a banca?

Eis um caso que também é nosso. Para os que ainda frequentam bancas de jornal, o cenário é minguante. A imprensa de papel sofre as consequências do digital e as tiragens diminuem a cada ano. Nas prateleiras, jornais e revistas da velha guarda dividem espaço com todo tipo de parafernália antijornalística: brinquedos, artigos de beleza, material de papelaria. A questão a ser aqui tratada é justamente essa, a briga por espaço nas bancas, por mais que isso soe antiquado.

Hierarquização e categorização são duas características do jornalismo que sobrevivem a qualquer suporte tecnológico e influenciam, inclusive, o modo pelo qual a notícia chega fisicamente ao público. No caso dos impressos, predomina uma regra internacional com ligeiras variações: empresas (ou lobbies) de distribuição determinam o lugar de cada produto na prateleira do jornaleiro. Se uma revista tem mais visibilidade do que outra e está mais à mão do leitor do que sua concorrente, não é à toa. Se o pequeno semanário do bairro fica escondido debaixo de pilhas de outros papéis anônimos, isso também não é à toa.

No Brasil, desde outubro de 2007, o setor funciona sob monopólio. Antes disso, duas grandes distribuidoras dividiam a tarefa de levar o papel do jornal até a banca. A Dinap, do Grupo Abril, distribuía 70% de toda a mídia impressa nacional, com destaque para os títulos da casa, como Veja, Exame, Claudia, entre outros. Com 30% do mercado, a Fernando Chinaglia ficava com a distribuição de concorrentes fortes, como IstoÉ, mas também de inúmeros pequenos editores que, apesar da tiragem reduzida, têm (ou tinham) público certo. A virada aconteceu quando o Grupo Abril comprou a Chinaglia ficando, assim, com 100% do mercado e achatando a margem de liberdade principalmente dos pequenos. Se a liberdade de expressão e imprensa tem, mesmo que a trancos e barrancos, seus órgãos e práticas reguladores, a distribuição do impresso não tem nada parecido. Rege a lei da selva e do mais forte.

Presse-grosso, o jeito alemão

Enquanto no Brasil o monopólio se consolida, na Alemanha ele começa a ruir. Presse-grosso é o nome do sistema de distribuição, integrante do ramo de atacado, que deteve durante as últimas cinco décadas domínio quase completo do mercado e em todo o território nacional. As únicas cidades alemãs não submetidas ao sistema são Hamburgo e Berlim, onde funciona um modelo misto e autônomo de distribuição. Outra exceção são as bancas das estações de trem que, por receberem sua mercadoria via férrea, funcionam de modo independente.

Ao aderirem ao Presse-grosso, as editoras são submetidas a rígidas regras, inclusive à cláusula absurda de não contestar o sistema. Do mesmo modo que no Brasil, é o distribuidor quem decide qual lugar na prateleira será ocupado por cada revista ou jornal. À primeira vista, isso soa como arbitrariedade ou abuso de poder, mas tem o apoio de considerável parcela da opinião pública alemã.

Em novembro de 2011, o jornal Zeit organizou um dossiê sobre o tema, salientando que “é inerente ao princípio de liberdade de expressão que os produtos impressos estejam disponíveis em todo o país e que tenham a mesma chance na prateleira de vendas”. A decisão pelo melhor lugar na banca não cabe nem à editora nem ao comerciante, mas é resultado de um conjunto de fatores, incluindo estudos mercadológicos e medialógicos, cuja palavra final cabe ao distribuidor.

Um dos principais argumentos favoráveis ao Presse-grosso é que, graças ao alcance geográfico de sua estrutura, pode-se assegurar que o maior número de cidadãos, mesmo nos cantos mais esquecidos do país, tenha acesso à imprensa. Neste caso, em especial, há histórias de sucesso em que os pequenos se beneficiam: a revista independente Landlust, por exemplo, tornou-se inesperadamente campeã de vendas com temas voltados à vida natural e campestre, abordagem bucólica que agrada várias faixas do público alemão.

Arruinar para desconstruir

No entanto, é a insatisfação que parece predominar nas editoras. O ponto desencadeador da grande crise do Presse-grosso foi quando, em 2009, a Editora Bauer decidiu contestar as regras do jogo. A Bauer era então responsável por 15% dos títulos distribuídos pelo sistema grossista. Alegou, em processo judicial, sofrer negligência em relação aos produtos de seus concorrentes, exigindo melhor visibilidade nas prateleiras. Com isso, também se posicionou contra a pretensa neutralidade dos grossistas e sugeriu que suas decisões são, em realidade, resultado de cartéis e negociatas milionárias.

A Bauer venceu a última instância do processo em fevereiro de 2012. A partir de agora, a editora coloca em funcionamento sua própria empresa de distribuição. Deste modo, o setor que, em princípio, é coadjuvante e faz parte dos bastidores da produção da notícia, assume papel central nas discussões sobre liberdade de imprensa e expressão na Alemanha. O que se observa é uma abertura de mercado, com tendência à diversificação na oferta de serviços.

As consequências desse novo cenário ainda são desconhecidas, mas preocupam a opinião pública. A depender da eficácia ou ineficácia do novo modelos, o acesso dos leitores à noticia poderá ser limitado – ou, ao contrário, ampliado. É esperar para ver.

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[Danielle Naves de Oliveira é jornalista, tradutora e doutora em Ciências da Comunicação]