Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Joaquim Furtado

‘‘Socialistas rejeitam PCP mas aceitam bloco’. O título, que fez a manchete do Público da passada terça-feira, tornou-se numa das notícias do dia em rádios e televisões, mantendo-se na imprensa do dia seguinte. Questionado pelos jornalistas, José Sócrates respondeu que ‘notícias fundadas em fontes anónimas não devem ser sequer discutidas’. Outras vozes do PS seguiram o tom deste discurso, pelo qual afinaria também o ‘site’ do partido: ‘O PS desmentiu hoje a notícia especulativa do `Público´, segundo a qual os socialistas tinham um cenário estratégico pré-definido de aliança preferencial com o Bloco de Esquerda em caso de não obtenção de maioria absoluta’. Acrescenta-se depois que, como tem sido dito pelo secretário-geral e pelos ‘principais dirigentes’, o Partido Socialista ‘está concentrado num objectivo essencial: a obtenção da maioria absoluta’.

Os jornais do dia seguinte retomavam a notícia fazendo-se eco destas posições e dando-lhe maior ou menor enquadramento interpretativo. Por sua vez, o Público regressava à sua manchete, apenas de forma indirecta. Numa reportagem sobre a pré-campanha do PS, o jornalista Álvaro Vieira refere-se ao facto revelado na edição da véspera, afirmando que ‘José Sócrates não o admite publicamente porque isso, no seu entender, desvia as atenções do objectivo prioritário, o da conquista da maioria absoluta’.

Depois do que foi dito e escrito, que conclusões tiram os leitores atentos à notícia? acreditam nela ou nos desmentidos? a credibilidade da notícia ficou afectada pelo facto de estar apoiada numa fonte não revelada? o jornal deveria tê-la publicado e com o destaque que mereceu?

O título da notícia, cuja manchete já citámos, ocupava toda a largura da segunda página: ‘PS exclui entendimentos com PCP, mas admite acordos com o Bloco de Esquerda’. No texto afirma-se que o PS está preocupado em poder voltar a ter que governar em maioria relativa: ‘José Sócrates quer fazer tudo para que isso não se repita e, em círculos restritos, já admitiu a possibilidade de se entender com o Bloco de Esquerda’. Embora não sendo nomeada a fonte da notícia, é citado ‘um membro da equipa dirigente do PS’ como interlocutor do Público.

A questão das fontes é uma matéria em permanente controvérsia no jornalismo de hoje. E não apenas em Portugal, como já foi comentado nesta coluna. A regra manda citar as fontes. Para defender a sua credibilidade, o jornalismo não pode inverter a norma, vulgarizando o recurso a fontes anónimas frequentemente interessadas a influenciar os acontecimentos. Mas a credibilidade também se defende revelando notícias que só podem chegar ao conhecimento público graças a fontes não identificadas. E não só, necessariamente, nos casos clássicos que visam defender a segurança da fonte. Neste, concretamente, justificava-se?

O autor da notícia, João Pedro Henriques (JPH), responde que ‘se dependesse apenas de um `on the record´ nunca poderia fazer esta notícia. E os leitores do Público ficariam sem saber que o próprio José Sócrates já admitiu um plano B para o caso de vencer apenas com maioria relativa: entender-se com o BE’.

O jornalista informa, por outro lado, que ‘não chegou nenhum desmentido à redacção do Público. Nem por telefonema nem por fax nem por email nem por sms – nada, rigorosamente nada’. João Pedro Henriques comenta o tom das reacções partidárias que vieram a público, incluindo a do ‘site’ do Partido Socialista, atrás referida: ‘Como se vê, nomeadamente por este último ‘desmentido’, a notícia do Público não é verdadeiramente desmentida. O PS diz que nós falamos em ‘aliança’, palavra que nunca usamos. Falamos em ‘entendimento’, o que é bastante diferente. O PS pretende apenas que não se escreva sobre o cenário de maioria relativa e inventa ‘desmentidos’ para tentar manter a agenda dos media (do Público, nomeadamente) alinhada com a sua própria agenda. (…) O Público teve o cuidado de falar com ‘um membro da equipa dirigente do PS’. Não é um militante qualquer, é alguém que reflecte o pensamento oficioso (digamos assim) do PS. A fonte anónima referida não dá uma opinião, dá uma informação. E trata-se de alguém que eu sei quem é e que me merece a maior confiança’.

Nas suas observações, João Pedro Henriques sublinha que a sua ‘notícia também transmite a posição oficial do PS a qual consiste em: a) aposta total na maioria absoluta; b) Se tal não se concretizar, a posição oficial está plasmada na moção onde José Sócrates assentou a sua eleição para secretário-geral (e que vem na notícia). A saber: ‘exclusão de qualquer entendimento à direita’; ‘evitar a experiência de acordos pontuais como a vivida entre entre 1995 e 2002’; em suma, o ‘partido não deve pôr de lado a construção de uma solução de legislatura [bold meu]’ no quadro de um ‘diálogo com vista a consensos alargados na sociedade e no Parlamento (…), método que o PS sempre cultivou’.

A notícia dizia essencialmente uma coisa: com este PCP de Jerónimo de Sousa não é possível conversar. Já com o BE isso não se aplica, e Sócrates já ‘admitiu’ tal ‘possibilidade’ em ‘círculos restritos’. A forma como a notícia foi transportada para a manchete é fiel ao seu conteúdo, no meu entender’.

Os comentários do jornalista são corroborados pela editora, Eunice Lourenço. Também o provedor entende que o jornal fez bem ao publicar a notícia, já que ela é de interesse público, maior ainda se considerarmos o actual panorama de crise política e as expectativas com que os portugueses olham para um futuro eleitoral próximo. Tendo relevância, merecia destaque.

A fonte não podia correr o risco de ser acusada de fragilizar as posições oficiais do seu próprio partido face às eleições, o que aconteceria se aceitasse identificar-se. Não podendo citar a fonte, o jornalista deveria indicar com a maior nitidez possível a origem da notícia, conferindo-lhe assim uma credibilidade proporcional. Foi o que fez JPH ao indicar ‘um membro da equipa dirigente do PS’, alguém que – como esclareceu na sua resposta – lhe ‘merece a maior confiança’.

Este exemplo serve para nova reflexão sobre as fontes. Repete-se que a banalização do anonimato deve ser combatida. A identificação é a regra. Uma regra que fortalece o jornalismo, mas não um dogma que o enfraqueça.

O Público informou os leitores, independentemente de a notícia ser ou não do agrado, ou do interesse, deste ou daquele sector.E uma vez que foi contestada num amplo universo que envolveu grande parte da comunicação social, deveria até ter sido retomada pelo Público. O quase silêncio (houve a já citada referência feita no dia seguinte) pode ter deixado mais dúvidas nos leitores do que a própria convicção das reacções que provocou. Nem que fosse apenas para dizer que a notícia fora confirmada por desmentidos devidamente identificados…’