Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As brumas de Copom

O místico reino de Avalon, com a Dama do Lago, Excalibur e tudo o mais, desapareceu dos olhos terrenos à medida que o Rei Artur mais e mais se voltava ao cristianismo e se tornava o guardião do Santo Graal. Da mesma maneira, assim imagino o Copom, cercado por uma bruma mágica, e para nele adentrar deve-se ter que passar por uma encantada floresta que nunca nos deixa chegar a lugar algum, como um labirinto sem saída com um Minotauro.


É verdade que jornalistas do porte de Celso Ming, o falecido Aloysio Biondi, Elio Gaspari, Clovis Rossi, Luís Nassif, Miriam Leitão, Carlos Alberto Sardenberg e tantos outros tentam traduzir o economiquês para algum idioma inteligível a ouvidos humanos, mas a dificuldade é compreensível: como se fazer entender algo que deve ter sido escrito com a forja de Vulcão, a rígida pena de Odin e o martelo de Thor no Valhala, a letra encantada e própria do Rei Corvo? É só abrir o Valor Econômico ou a Gazeta Mercantil para se ter certeza de que estamos frente a algum texto sagrado, compreensível apenas aos sacerdotes de alguma ordem, cavaleiros templários, vetustos monges, druidas que veneram Tutatis, sacerdotes egípcios ou rabinos cabalistas. Ah, nossa santa ignorância humana não nos deve permitir acessar tais desígnios divinos, temos que nos contentar com a nossa Torre de Babel.


Mais uma boa tentativa foi feita na última edição do Observatório da Imprensa por Rolf Kuntz. Mas como podemos compreender os indicadores da taxa dos magos, a Selic, seus juros e pontos percentuais subindo ou baixando aos poucos – isso sem falar seu viés de baixa, de alta ou de manutenção, suprema adivinhação destinada apenas aos mais elevados sacerdotes do Templo de Salomão, do faraó do Egito ou, quem sabe até, dos seres alienígenas que nos controlam, ingenuamente buscados pelos norte-americanos em programas como o Seti – aliás, lá eles tiveram até esta semana o grão-sacerdote Alan Greenspan, cuja sapiência devia estar entre as maiores de todo o Universo conhecido e das dimensões das quais nem temos idéia.


O sorriso de Pallocci


Também devo ser honesto: sou a própria evidência científica de que a preferência e a habilidade dos judeus no mundo das finanças e do comércio não é herança genética – mal dou conta das minhas finanças pessoais; sou incapaz de gerir o condomínio de um prédio que seja, quanto mais a economia de uma nação. Talvez essa seja minha provação por algo que desagradou aos deuses em outra encarnação: a condenação à eterna ignorância do misterioso mundo de Wall Street, da City londrina ou mesmo da Rua Quinze de Novembro. Uma simples poupança já esgota meus combalidos neurônios.


Contudo, como todo mortal comum brasileiro, começo no início do mês a ter aquela desagradável sensação de aumento progressivo da freqüência cardíaca, do suor frio cada vez mais profuso, dos brônquios se dilatando, das pupilas aumentando de tamanho, do apetite diminuindo: é aquela mistura de ansiedade e medo, que progride até o momento em que se reúnem os sábios anciãos do Copom, atingindo seu ápice e apenas cessando quando termina a reunião, e alguém, como o druida Joaquim Levy, anuncia a taxa da Selic, se baixou ou subiu. Mercados se abalam, bolsas de valores sobem ou descem, o dólar e o euro entram em batalha com o real, a produção industrial e o PIB dependem fundamentalmente disso. E, geralmente, quanto mais otimistas as análises da taxa Selic do mês, mais sentimos na própria pele que os preços estão subindo, que nosso poder aquisitivo diminuiu, que a gasolina e o álcool estão mais caros… Insondável mistério da Natureza que se volta contra nós, a fúria de Tupã…


Mas, voltando a reler o texto bem posto de Rolf Kuntz, coloquei-me a pensar em algumas coisas. Uma é o senso de humor dos deuses dos cifrões: afinal, não foi o presidente Lula que disse que fica cada vez mais feliz quando vê o ministro Pallocci sorrindo? E também não nos foi contado pela imprensa que Lula recebe o deputado Delfim Netto, que sempre o diverte com suas explicações bem-humoradas? É a sina do mortal comum sofrer com tristeza, não há dúvida.


A hora de Sarastro


Por outro lado, fiquei a pensar: mas Pallocci é médico, e também o sou. Ninguém, nem a oposição, ousa falar em tirá-lo do trono da Fazenda. Ele já confessou que apenas conhece os grandes temas da política macroeconômica. Se assim é, por que eu não conseguiria entender os meandros hieroglíficos da ata da veneranda reunião do Copom? Ou compreender o verdadeiro significado dessas taxas de juros?


Foi aí que comecei a realizar (nada como um neoanglicismozinho nessas horas, hein?) o que na verdade deve acontecer nessas reuniões mensais e na sua seqüela, a publicação da ata, que poderia ocorrer horas após a reunião graças a boas secretárias e computadores, mas que demora para aparecer, deixando a população à beira do infarto por mais uma semana. A dica foi a questão do bom humor de Pallocci, Delfim, Armínio Fraga e outros. Segue o que acredito ser uma reunião do Copom.


Na sacra quarta-feira do mês, reúnem-se os integrantes do Copom em elegante e secreta sala do Banco Central ou do Ministério da Fazenda. Colocam-se em volta de uma enorme mesa oval de madeira de boa qualidade, lisa como um cristal encantado. Garçons trazem água, refrigerantes e acepipes. Após as preces iniciais de Sarastro, perdão, de Palocci e Meirelles, entram os auxiliares dos sacerdotes e montam um grande tabuleiro sobre a mesa citada. Em seguida, peças mágicas. Com tudo pronto, o grão-sacerdote da ordem, seção brasileira, dá início aos trabalhos.


Melhor a Abrinq


Durante algumas horas, compenetradamente, todos aqueles competentes altos funcionários, doutorados por Harvard, Princeton ou Oxford, ficam atentamente observando e ouvindo seus pares, até o fim. E fim do quê? Na verdade, eles jogam uma partida séria de ‘Banco Imobiliário’ (ou ‘Monopoly’, na versão americana original). O ganhador da partida terá o privilégio de, a seu bel-prazer, anunciar a taxa Selic, se subiu ou desceu etc. E a semana destinada à preparação da ata nada mais é do que, em vez de transcrever uma monótona partida do já antigo jogo infantil, transformar essa plácida reunião em seriíssima discussão, com pontos levantados por cada um e o placar da votação da taxa de juros, do famoso viés e das ponderadas explicações em economiquês de cada um.


Ora, ora, jornalistas que cobrem a área econômica: todos nós estamos sendo enganados! O destino de nosso rico e suado dinheirinho não está na tradução e interpretação do pensamento dos supostos cérebros do Copom, e sim no resultado de uma partida de ‘Banco Imobiliário’! Como somos ingênuos!


E, efetivamente, há mais coisas entre o céu e a terra que nossa vã filosofia consegue imaginar: caso eu fosse o presidente da República, passaria essa decisão do Copom à Abrinq, e seus participantes não seriam do alto escalão das finanças da nação, mas crianças que ainda se divertem com o antiquado joguinho, mesmo na era dos videogames.

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Médico, mestre em Neurologia pela Unifesp, ex-conselheiro do CRM de São Paulo