Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘Esta é a última coluna de 2004 e pretendo levantar alguns pontos para reflexão. Não é um balanço. Apenas retomo problemas que venho tratando, desde abril, relativos ao relacionamento imprensa e sociedade.

A longa travessia

As empresas jornalísticas terminam o ano em situação financeira melhor do que começaram. Não deixaram o deserto que atravessam desde 2001, mas enxergam horizonte. Alguns indicadores:

1 – Quase todas renegociaram as dívidas, agora majoritariamente transformadas em reais e alongadas. Respiram, portanto, mesmo com o naufrágio das negociações com o BNDES.

2 – O mercado publicitário deverá crescer, calcula-se, entre 20% e 25% em relação ao fraco 2003. Segundo o Projeto Inter-Meios, da revista ‘Meio & Mensagem’, houve um crescimento de 25,5% nos primeiros nove meses deste ano comparados com o mesmo período do ano passado. Os jornais cresceram 18,9%. A parte do leão continua com as TVs abertas, que abocanham 61% do bolo publicitário.

3 – A média da circulação diária dos jornais estará abaixo de 2003, mas o resultado do segundo semestre mostra que é possível que a tendência de queda tenha estancado.

4 – Alguns diários voltaram a ‘cuidar do produto’, para usar o jargão dos executivos. É o caso, por exemplo, do ‘Estado’, principal concorrente da Folha, que fez, em outubro, uma ampla reforma gráfica e temática. Ainda é cedo para um balanço do novo projeto, mas tudo indica que tenha sido bem-sucedido.

5 – A Folha, que realizou em julho o maior corte de jornalistas de sua história recente e promoveu o achatamento dos salários da Redação, vive a perspectiva de um ano melhor. As informações que colhi indicam que prevê um alívio financeiro a partir de meados de 2005, se a economia continuar a crescer. Sempre no condicional. O jornal mal respirou em 2004. Seus maiores investimentos foram nas coberturas da Olimpíada da Grécia e das eleições no Brasil (municipais) e nos EUA (presidencial).

A impaciência do leitor

A situação das empresas jornalísticas está melhor, mas seus problemas estão longe de estarem resolvidos. O equilíbrio precário foi alcançado graças, principalmente, aos violentos cortes de pessoal e de despesas praticados nos últimos anos. A necessária reestruturação das dívidas alivia, mas não reduz a dependência dos bancos. As empresas estarão, em 2005, com um olho no desenvolvimento da economia e outro nos juros.

No caso dos jornais, eles perderam poder competitivo no momento em que mais precisavam de forças e recursos para enfrentar a concorrência abundante de novas fontes de informação e a crescente impaciência de leitores diante de edições irregulares.

É de se esperar que, com o abrandamento da crise, os jornais percebam com mais clareza que os obstáculos para um novo ciclo de crescimento não estão apenas na economia e na gestão, mas que devem discutir o papel do jornal numa sociedade que vive mutações rápidas e constantes. Que jornal produzir? Não existe resposta fácil.

Será um desafio cada vez maior atrair novos leitores, principalmente leitores jovens, indispensáveis para a renovação dos jornais. E será cada vez mais difícil agradar cidadãos saturados de notícias e bombardeados pelos apelos do mercado.

O Conselho Federal de Jornalismo tal como foi concebido inicialmente pelos sindicatos de jornalistas está enterrado, mas a discussão que tentou provocar mais cedo ou mais tarde voltará a emergir. A repulsa a qualquer forma de controle estatal não pode abafar a pressão de leitores e de setores da sociedade por informação precisa, boas histórias, equilíbrio e diversidade. E essa pressão se dá principalmente sobre os grandes jornais, como a Folha.

O desafio é entender que numa sociedade mais exigente o êxito empresarial estará sujeito ao atendimento dessas expectativas. Um caminho para fugir dos controles dos governos é a auto-regulação. Esse caminho requer um pacto de confiança com a sociedade e com os leitores.

Exige mais transparência por parte dos jornais, mais responsabilidade na investigação jornalística, mais compromisso de corrigir os erros, de garantir o direito de resposta e de explicar as decisões editoriais. Portanto, mais diálogo com os leitores.

Os jornais querem fidelidade quando deveriam estar pensando em cumplicidade e participação. Para isso, teriam de estar mais abertos e disponíveis.’

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‘A auto-regulamentação é possível?’, copyright Folha de S. Paulo, 26/12/2004

‘A síntese da discussão a respeito do relacionamento da imprensa com a sociedade é a auto-regulação. Encaminhei para dois jornalistas experientes a seguinte questão: você acredita que a imprensa brasileira seja capaz de se auto-regular? Se não, por quê? Se sim, de que forma? Eis as respostas.

Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. Foi diretor-adjunto de Redação do ‘Valor Econômico’ e da Folha. É autor de vários livros sobre jornalismo, como ‘O Adiantado da Hora’ (Summus, 1990), ‘Mil Dias’ (Trajetória Cultural, 1988) e ‘Muito Além do Jardim Botânico’ (Summus, 1985).

‘Acho que a imprensa brasileira tem as condições para se auto-regular. Mais do que isso, acho que ela tem necessidade e dever de fazê-lo. Creio que a sociedade faz bem em exigir mais qualidade, equilíbrio e pluralidade. Se a imprensa não cuidar desse assunto, tentativas estatais para controlá-la vão acontecer novamente e/ou parcelas cada vez maiores do público vão deixar de confiar nela e, afinal, abandoná-la. Creio que a melhor maneira de exercer esse autocontrole seja alguma fórmula similar à que os publicitários brasileiros já vêm usando, o Conar, que é apenas indicativo, não punitivo. Ou o tradicional Conselho de Imprensa britânico. Ou ainda a disseminação de ombudsman.’

Geraldinho Vieira, 46, é jornalista, conselheiro da Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância e representante da Fundação Avina no Brasil). É autor do livro ‘Complexo de Clark Kent – são Super-Homens os Jornalistas?’ (Summus, 1991).

‘Não. Donos de meios de comunicação e jornalistas devem compreender e respeitar que há atualmente uma grande inquietação na sociedade quanto à qualidade da informação, sendo o acesso a ela um direito do cidadão. Se julgarmos a questionável qualidade da formação do profissional diante da nova agenda mundial, a urgente necessidade de ampliar as vozes que compõem o noticiário e até um cenário que coloca em dúvida a real liberdade e independência dos meios, é normal que se busque de forma organizada a promoção de um diálogo permanente e transparente com os vários segmentos da sociedade. Essa forma, creio, deve inspirar-se pelo interesse público e não admitir sombras de censura. Quando os meios são empresas privadas e seus donos têm o direito de possuir quantos veículos de comunicação sejam capaz de negociar e custear, quando políticos e empresários de comunicação são praticamente os mesmos em muitos pontos do país, admitir que haja um diálogo crítico com a sociedade é o mínimo que se pode desejar. Esse debate não se resume à questão da ‘liberdade de imprensa’ mas também à ‘liberdade de empresa’ e portanto à sua responsabilidade social.’’