A volta da revista Bizz talvez seja um dos acontecimentos mais festejados do ano de 2005. O título da Abril é talvez um dos que mais despertam paixões, até pelo fato de abordar um tema apaixonante: a música. Além disso, a publicação faz parte da memória afetiva de uma geração. Talvez tenha sido o primeiro contato de vários leitores ainda adolescentes nos anos 80 com o jornalismo. Mais do que agradar a saudosistas de plantão, seu retorno faz parte de um projeto meticuloso de reconstrução de uma marca. Sua história é acidentada desde que começou a ser publicada em 1985. Já passou por duas editoras além da própria Abril, a Azul e a Símbolo, e teve várias mudanças de rumo até deixar de circular em 2001.
Algumas etapas marcaram essa volta. Num primeiro momento, ela se deu em edições monotemáticas abordando vários aspectos da história do rock, além de DVDs especiais dedicados a bandas como o U2, por exemplo. Em setembro, a Bizz retomou seu caráter mensal. O passo seguinte imediato é, além da revista, desdobrar a marca em mais projetos especiais – como em associações de conteúdo com grandes marcas ou no lançamento do caderno regional (o primeiro deve ser publicado no Rio Grande do Sul).
Nessa nova fase, quem toma conta da redação (diminuta até aqui) é o jornalista Ricardo Alexandre. Apontado como um dos mais talentosos de sua geração, é autor do livro-reportagem Dias de luta, contando a história da explosão do rock brasileiro nos anos 1980. Longe de parecer um clichê, o balanço que ele faz de tudo o que aconteceu até agora é positivo no que diz respeito ao editorial. ‘Minha impressão é que a base de leitores históricos da Bizz se dividiu em dois grupos, não necessariamente iguais. Um grupo é o dos que todo mês iam até a banca e perguntavam se a revista voltaria. Esses caras a gente já atingiu e eles estão ajudando a divulgar a revista. Todo o nosso esforço a partir de agora é para atingir o outro grupo dessa base, a de pessoas que nem sabem que a Bizz voltou, porque não freqüentam bancas de jornal ou porque estão alheias a esse universo editorial-musical’.
Até agora, a estratégia de divulgação desse retorno da Bizz foi a própria revista. ‘Editorialmente falando, nosso plano foi o de lançar cinco revistas diferentes dentro desse espectro para um público adulto’, diz. As capas traduzem essa variedade: Rolling Stones, Ramones, Strokes, Maria Rita e Jack Johnson, agora em janeiro. A estratégia é que a capa de uma edição puxasse a seguinte. ‘Isso se comprovou uma estratégia correta, pois cada edição vende mais que a anterior e estamos numa curva ascendente’, afirma. Para que o alcance seja ampliado, uma campanha publicitária de relançamento está em estágio final de produção, com direito a peças em revistas, televisão, cinema e rádio. E mais: um programa de televisão na TV Cultura, resultado de uma parceria da emissora pública com a Abril.
O Estúdio Bizz terá supervisão e orientação da redação e uma vantagem: a velocidade. ‘Não é uma transposição da revista para a televisão. É uma extensão. A revista no papel tem virtudes que a TV não tem, e vice-versa. Queremos explorar ao máximo o potencial de cada plataforma. Mas haverá cruzamentos de informação, como um quadro com alguém da redação dando dicas de lançamentos CDs ou DVDs naquela semana’, informa Ricardo.
Maria Rita nua
Ricardo garante que não sofre pressões para fazer a Bizz dar certo a curto prazo. ‘Desde o início houve a preocupação de redimensionar toda a operação para que ela assegurasse sua viabilidade comercial em patamares bem pequenos e para que cada novo passo viesse escorado no passo anterior’, diz. Ou seja, a estrutura é pequena, os custos são pequenos, porque a idéia era crescer aos poucos. Nem o mercado de música nem o mercado editorial são parecidos com o que eram em 2001 e ninguém tinha parâmetros para avaliar como a revista se comportaria de volta às bancas. ‘Agora já temos sinais e estamos entrando numa velocidade de cruzeiro’, afirma. O editor não fala em números. ‘Eu falaria a verdade a você, mas esse número pareceria bem menor do que o das revistas que mentem a circulação’.
O staff de colaboradores da Bizz atual é formado por vários jornalistas que colaboraram em outras fases da revista, como Alex Antunes, Thomas Pappon, Ana Maria Bahiana. Por outro lado, há poucos nomes novos. Ricardo explica o motivo: ‘Temos o Jonas Lopes que veio de blog, temos o Ricardo Schott que eu conheci através do site Discoteca Básica. Conheço e admiro o trabalho de muitos outros caras novos, mas se eles não aparecerem 100% prontos, nós não temos estrutura suficiente para acompanhá-lo e orientá-lo, infelizmente’.
Um dos grandes destaques jornalísticos dessa nova Bizz foi a capa de janeiro que trouxe a cantora Maria Rita nua. Não no sentido estrito do termo, como fazia supor a chamada. A reportagem tentou mostrá-la despida de todo o aparato de marketing que a cerca desde que se lançou no mercado. O dado curioso é que sua publicação se deu pouco tempo depois de uma crise aberta pela Veja, que veiculou matéria sobre a distribuição de iPods a jornalistas com as músicas do mais recente CD da cantora [ver remissão abaixo].
Fora da banca e com fãs
‘Chegamos para ela e dissemos assim: ‘As pessoas acham que você é insuportável. Elas acham que você se acha no mesmo nível do Caetano, do Milton e do Gil, As pessoas acham que você é uma diva inacessível. Você acha que você é isso? Por que você acha que as pessoas acham isso?’. E a matéria foi construída em cima da resposta dela a essa segunda pergunta’. Colaborou para isso o fato de Maria Rita ser esclarecida e ter conhecimento do métier jornalístico. Ela chegou a estagiar na revista Capricho ainda adolescente. Ricardo conta que não conseguiria ter essa cumplicidade e autenticidade com qualquer artista. Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr, por exemplo: ‘Ele me daria um soco!’
Nesse meio tempo em que a Bizz ficou fora de circulação, outras revistas de música chegaram ao mercado de forma independente. Ricardo apesar de respeitá-las, não as vê como concorrentes, nem mesmo a outras mídias, como a internet. ‘Por sua própria história, proposta e alcance, a Bizz tem uma função bem definida, que é ser um guia, com autoridade e credibilidade, num mundo inundado por música’, diz. ‘A internet não tem essa função – muito pelo contrário, talvez ela seja parte do problema. Os fanzines, ultrasegmentados, não têm essa função. A MTV não tem essa função. É por isso que não vejo concorrentes diretos’.
Das várias formas de retorno que Ricardo recebe da revista, uma comunidade no Orkut talvez seja das mais movimentadas em língua portuguesa entre as que abordam algum aspecto da imprensa. ‘A gente acompanha sempre a comunidade, assim como acompanhamos os e-mails que nos chegam ou os posts no site da revista. Por enquanto, esses são os mecanismos de monitoramento do gosto do leitor de que dispomos – ao lado, claro, do desempenho em bancas. A comunidade do Orkut é muito importante e me lembro de citá-la sempre quando ainda estávamos tentando convencer internamente a Abril a retomar o título. Uma revista que tinha mais de 1.000 fãs e nem estava na banca era algo para se prestar atenção’.
O ponto de equilíbrio
O grande problema dessa comunidade é o caos que se instaura nas discussões: ‘É como o trânsito: cada um pega seu carro e sai barbarizando. A questão é conseguir discernir o quanto há de opinião de leitor e o quanto há de gente louca para arrumar um público para seu show. A opinião do leitor é vital. As outras só confundem’.
Talvez o que provoque tanta confusão seja a postura de leitores e ex-profissionais da revista, que se sentem um pouco donos dela. Ricardo acha isso positivo, mas faz suas ressalvas: ‘Intelectualmente, fico feliz em ver que as pessoas se sentem ‘donas’ da Bizz e brigam por (e com) ela. Mas tenho de admitir que não tenho distanciamento – nem profissional nem emocional – para lidar com algumas leviandades que chateiam um pouco’.
Um dos atuais projetos paralelos de Ricardo é um livro que conta a história da Rádio 89 FM, de São Paulo, cujo slogan é ‘a rádio rock’. A emissora comemorou 20 anos em 2005. Previsto para ser lançado junto com as comemorações, o livro deve chegar às lojas este ano. ‘Tive momentos de grande reflexão enquanto escrevia o livro porque, de certa forma, os dilemas da 89 são muito parecidos com os da Bizz – a começar que surgiram no mesmo ano, 1985. Uma das grandes epifanias foi quando o coordenador, Luis Antonio Alper, falava sobre seus ‘ouvintes xiitas’, aqueles que vão pichar as paredes da rádio se ela tocar Bon Jovi, ameaçar de morte se tocarem Skank ou mandar bombas se rolar Jota Quest. Alper defende que existe um ponto se fazer o jogo dessas pessoas. Elas são importantes, são respeitadas e devem ser valorizadas. Mas, a partir desse limite, a gente passa a agradar apenas aos xiitas e começa a desagradar a todas as outras pessoas, que numericamente são muito mais interessantes, mas que são infinitamente menos barulhentas’. Qual é o ponto de equilíbrio? ‘Cada veículo sabe o seu’, entende. ‘E só com o tempo se chega a ele. Estamos sempre ajustando os nossos pontos de equilíbrio’.
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Colaborador dos sítios Laboratório Pop, Ruídos e Bacana; blog InformaçãoPrivilegiada