Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O apresentador em foco

O público gosta de tratar profissionais que trabalham na televisão como celebridades. Humoristas, atores e até jornalistas. É difícil mudar esse hábito. Porém, a questão se torna preocupante quando as próprias emissoras incentivam que seus profissionais da informação sejam tratados como “estrelas”. A cobertura telejornalística da substituição de Fátima Bernardes por Patrícia Poeta no Jornal Nacional (em dezembro de 2011) é uma prova disso. A exposição exagerada no jornalismo da Rede Globo (a quantidade e a forma das matérias), confirma: a emissora quer, sim, mostrar que o apresentador do Jornal Nacional é muito mais que um mero jornalista, ele tem que ter status de artista.

Este artigo é fruto de uma pesquisa feita na pós-graduação em Comunicação, na UFMS, e apresentada em 6 de setembro de 2012 no XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, em Fortaleza, CE.

O apresentador de telejornal brasileiro como artista

O telejornalismo no Brasil faz parte da programação televisiva desde o início da televisão no país, em 1950, emprestando a linguagem e o modo de fazer do rádio, que na época ainda era muito forte. Durante a ditadura, o Brasil passa a copiar intensamente a maneira de fazer telejornalismo dos Estados Unidos, tendo como principal representante o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, apresentado pela primeira vez em 1º de setembro de 1969.

A primeira vez que o jornalismo brasileiro usou o termo âncora foi na cobertura das eleições municipais de 1976, quando um documento foi usado para sugerir a utilização do repórter Costa Manso como uma espécie de anchor man. Mais tarde, o diretor de Jornalismo da Rede Globo, Alberico de Souza Cruz, em entrevista a Geraldinho Vieira (1991), afirmou que Carlos Monforte foi o primeiro âncora da televisão brasileira.

O âncora no Brasil, apresentador principal de um programa de notícias, foge do modelo norte-americano, em que o profissional tem completo domínio de seu programa e funcionários, participando até mesmo do processo de demissão e contratação de funcionários. O estilo telejornalístico foi sendo adaptado no Brasil e a partir dos anos 90, emplacou a maneira como os apresentadores deviam se portar. Transformaram-se em celebridades, e não um ícone em prol de uma causa investigativa – como acontece com o âncora americano.

“Míticas estrelas dos anos dourados”

Sobre um novo perfil de apresentador que se implantou nos telejornais brasileiros Yvana Fechine (Performance dos apresentadores dos telejornais,XVII Encontro da Compós, 2008, p.68), afirma: “Os apresentadores do telejornal, diferentemente dos profissionais que desempenham este papel em outros gêneros, constroem sua imagem numa constante tensão entre a propalada exigência de ‘objetividade’ e imparcialidade da prática jornalística e a autopromoção e glamourização inerentes à televisão. (…) hoje, muitos deles se comportam como celebridades, sendo objeto frequente de revistas, sites e programas de TV dedicados aos ‘famosos’ ou a fofocas.”

Sobre a diferença do âncora norte-americano para o brasileiro, explicando como o processo histórico interferiu nisso, Boris Casoy defende que no Brasil a escolha dos apresentadores leva mais em consideração traços artísticos. “Os americanos colocam a imagem, a estética, a serviço do conteúdo. No Brasil ocorreu o contrário. Exacerbou-se na forma. E durante o governo militar, esse tipo de jornalismo de televisão salvou as aparências: os repórteres engessados numa pauta rígida, sem qualquer tipo de opinião, cumprindo apenas o restrito papel que lhes era destinado. (…) moças e rapazes bem vestidos, bem penteados, sempre muito jovens. Desempenhando mais o papel de atores do que de repórteres” (“O Zé Bonitinho”.Revista Imprensa, março de 1991, p.48).

Hagen e Machado trabalham com o exemplo do casal de jornalistas Fátima Bernardes e Wiliam Bonner. Para as autoras, eles são retratados pela mídia como “míticas estrelas hollywoodianas dos anos dourados do star system”: “Os apresentadores do Jornal Nacional circulam com desenvoltura. Extrapolam o espaço da competência profissional para entrar no universo da fama e das celebridades sem abrir mão da imagem de credibilidade” (“Jornalismo e o mito da perfeição andrógina”, Unirevista, julho, 2006, p. 2). A comparação feita pelas autoras, baseando-se em uma entrevista de Fátima Bernardes ao Estado de S. Paulo, é que para um jornalista de televisão, trabalhar no Jornal Nacional é como, para um ator, participar da novela das 8.

As jornalistas

A forma como os profissionais de telejornais são vistos hoje aqui no país está enraizada na admiração incentivada pela própria mídia. As emissoras de TV são coniventes e procuram se beneficiar da glamourização de seus profissionais de jornalismo. Acredita-se que a construção de uma imagem por outros meios que não o próprio telejornal é favorável a audiência. No caso da saída de Fátima do Jornal Nacional ficou clara a intenção da emissora, pois em um horário destinado a prestação de serviço e divulgação de notícias em um país enorme, o programa se limitou a dar mais ênfase em seus personagens. “E em meio a tantos elogios trocados, encontrava-se milhares de telespectadores assistindo a esta enaltação de profissionalismo” (Araújo, 2012).

A estratégia da emissora ao exibir o apresentador com status de celebridade é encher o profissional jornalista de uma aura que o identifique com os telespectadores. Seja pela semelhança ou pela admiração. E isso pode ocorrer mesmo em um conceituado telejornal como o Jornal Nacional,assim o apresentador do telejornal convencional é tratado como a estrela no universo. E quem são as personagens desse acontecimento midiático da Rede Globo?

Patrícia Poeta: formou-se em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 1997. Trabalhou na TV Bandeirantes de Porto Alegre. Ingressou na TV Globo, para assumir a apresentação da previsão do tempo de telejornais de São Paulo e Rio de Janeiro. Apresentou o SPTV e o Fantástico. Trabalhou como correspondente internacional em Nova York entre 2002 e 2007. E Fátima Bernardes: cursou Jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalhou no jornal O Globo como repórter do caderno regional. Na Rede Globo de televisão apresentou o RJTV, Jornal da Globo, Fantástico, Jornal Hoje e o Jornal Nacional (desde 1998).

A cobertura “jornalística”

“Nesta segunda-feira, depois de quase 14 anos, Fátima Bernardes apresentou a última edição do Jornal Nacional e passou o posto para a sucessora, Patrícia Poeta. Patrícia começa a comandar o JN a partir desta terça-feira, dia 6”(http://g1.globo.com/jornal-nacional, 5/12/11).

A Rede Globo fez questão de dar enorme atenção à substituição de Fátima Bernardes por Patrícia Poeta na função de apresentadora do Jornal Nacional. Patrícia assumiu também as funções de editora-executiva do telejornal. Mais do que a simples substituição de uma profissional por outra, como ocorre diversas vezes na televisão, dessa vez o que se pode notar foi a espetacularização do ocorrido. Diferente, por exemplo, do que ocorreu com Cid Moreira. O apresentador, mesmo estando à frente do telejornal durante 27 anos, na sua penúltima apresentação simplesmente anunciou mudanças nos telejornais da Globo usando para isso 1 minuto e 11 segundos (dia 29 de março de 1996).

Uma análise quantitativa demonstra o tempo destinado a esse ocorrido. A exposição total que o assunto teve no Jornal Nacional no dia 1º de dezembro foi de 4 minutos e 30 segundos (tempo considerado grande, sendo que a média das matérias é de um minuto e meio a três minutos). No dia 5, o telejornal dedicou, em entrevistas e reportagens, ao todo 16 minutos e 54 segundos (48,5% dos 35 minutos que teve o telejornal nesse dia).

No Fantástico o tempo dedicado para a despedida de Patrícia Poeta foi de três minutos e 24 segundos, usados em duas edições (dia 4 e 11 de dezembro). Ao todo, Jornal Nacional e Fantástico dedicaram 24 minutos e 48 segundos para falar da substituição de Fátima Bernardes por Patrícia Poeta e destacar as qualidades e histórico das duas jornalistas. O tempo total usado no Jornal Nacional daria para ocupar metade de uma edição. As matérias tiveram uma média de quatro minutos e meio. Na internet, a quantidade de matérias também foi considerável. No site Globo.com foram oito matérias. Na página do Jornal Nacional, 14 matérias, a maioria com vídeos. E no Fantástico três matérias. Ao todo, somente nesses três sites, foram 25 matérias sobre as apresentadoras.

Cadeira de honra

Além da quantidade de tempo e reportagens feitas sobre o assunto, uma análise qualitativa reforça também como o assunto foi supervalorizado e pautado como um acontecimento do mundo artístico. Para isso levou-se em conta os temas das matérias e a ênfase dada em cada publicação.

No caso de Fátima e Patrícia, primeiramente uma coletiva de imprensa foi feita em um hotel no Leme, Zona Sul do Rio de Janeiro, com cobertura do site Globo.com e com matéria específica no Jornal Nacional do dia 1º de dezembro (com 4 minutos e 30 segundos de duração). A ênfase dada era que Fátima estava deixando o telejornal para assumir um programa que ela havia criado, junto de uma equipe e que seria um sonho a ser realizado como profissional. Da coletiva participaram o diretor-geral de jornalismo Carlos Henrique Schröder, Renata Ceribelli, William Bonner, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta. Detalhes de bastidores foram expostos, como a escolha unânime de Patrícia Poeta pelos diretores de jornalismo da Globo e William Bonner. Assim como o sentimento de cada uma das apresentadoras ao ter o nome escolhido para assumirem os programas. Todas são elogiadas como as melhores jornalistas para assumirem os programas.

No dia 5 de dezembro o jornal fez uma série de reportagens sobre as apresentadoras e recebeu Patrícia Poeta na bancada como entrevistada. O telejornal foi adaptado e reformulou a duração de seus blocos: quatro intervalos fixos e cinco blocos. Os quatro primeiros, de notícias, e o quinto bloco, que durou cerca de dezessete minutos (bem maior que todos os outros), foi totalmente dedicado à saída da apresentadora Fátima Bernardes do Jornal Nacional e às boas-vindas à ex-apresentadora do Fantástico, Patrícia Poeta. Patrícia Poeta foi recebida em pé por William Bonner e Fátima Bernardes, com cumprimentos e beijos, ocupando o que foi denominado por eles como cadeira de honra. William Bonner ressalta que é um dia especial para a história do jornal. Foram feitas perguntas sobre o estado de nervosismo e ansiedade da apresentadora (que foi complementado com um comentário de William Bonner citando Cid Moreira), são feitos então comentários sobre o talento das duas jornalistas, sobre a responsabilidade de deixar um programa semanal e assumir um diário.

Mais comentados do Twitter

As jornalistas exaltam várias vezes a importância e fama do Jornal Nacional, como o maior telejornal da televisão brasileira. Algo admirado e cobiçado por muito profissionais. Durante o programa, a primeira matéria apresentada foi um resumo sobre a vida profissional de Patrícia Poeta (com 4 minutos e 30 segundos), com destaque a sua participação no clima-tempo do Jornal Nacional e entrevistas com ícones mundiais. A segunda sobre Fátima Bernardes (com 4 minutos e 42 segundos) mostrou os diversos programas nos quais ela participou e os fatos marcantes mundiais que cobriu. Nas duas reportagens é enfatizado o glamour das jornalistas. As matérias mostram que elas estiveram em momentos históricos junto de estrelas do mundo artístico mundial.

No fim do programa, os apresentadores fizeram uma dinâmica de separação da imagem de William e Fátima, caracterizando a ausência dela do telejornal. Ela ainda reforça que irá apresentar um programa e pede para que os telespectadores tenham o mesmo carinho, confiança e parceria que tiveram com ela no telejornal. As duas apresentadoras terminam trocando elogios e desejos de boa sorte.

No Fantástico, Patrícia Poeta se despede no fim do programa do dia 4 de dezembro, o qual apresenta com Tadeu Schmidt. No dia 11 de dezembro, após ter iniciado seu trabalho no Jornal Nacional, ela retornou para se despedir dos apresentadores. Inicia o Fantástico, ao vivo, fazendo (e ouvindo) declarações pessoais e profissionais a Renata Ceribelli, Zeca Camargo e Tadeu Schmidt. E por último, agradece ao telespectador que sempre apoiou o trabalho dela (usando ao todo 3 minutos e 4 segundos do tempo televisivo). Nas matérias do site fica em evidência, nas publicações do Globo.com, o tema de cada publicação. A editoria usada em quatro de oito notícias é “Pop & Arte”. O site ainda publicou uma notícia com os assuntos mais comentados do microblog Twitter, classificando o tema da saída de Patrícia Poeta como o mais comentado.

Estreia teve fotos e vídeos

Outros dois fatos somam para a comprovação de que os apresentadores são exibidos ao público como celebridades. O fato da saída de Fátima Bernardes ter sido noticiado no programa Video-Show e também no site Ego.com, os dois pertencentes as Organizações Globo. No Vídeo-Show, tendo como justificativa da matéria “o que está ocorrendo com a carreira dos famosos”, mostrou-se em 3 minutos e 30 segundos, como foi a coletiva de imprensa que anunciou a saída de Fátima Bernardes. A matéria mostra de forma descontraída os depoimentos dos envolvidos e dá ênfase ao carisma e bom humor dos apresentadores. William Bonner em seu depoimento convida as pessoas a prestigiarem o Jornal Nacional especial dedicado a Fátima Bernardes e Patrícia Poeta. No site de notícias e fotos sobre a vida de celebridades, EGO.com, foi feita uma cobertura da substituição das jornalistas com sessão de fotos da coletiva de imprensa. O site ainda alimenta uma sessão de notícia sobre a vida de vários famosos (atores, cantores e modelos), tendo páginas exclusivas com fotos e notícias da vida pessoal de Fátima Bernardes, Patrícia Poeta e William Bonner.

A estreia de Patrícia Poeta ocorreu no dia 6 de dezembro e teve o primeiro dia de trabalho acompanhado por fotos (da produção e do camarim), divulgadas no site Globo.com. Também no site, vídeos foram disponibilizados – em um deles Fátima Bernardes apresenta o estúdio do Jornal Nacional para Patrícia, e em outro Patrícia e Fátima são entrevistadas separadamente. Em uma das respostas, Patrícia diz que sonhava apresentar Jornal Nacional na época que era universitária.

O que se entende dessa espetacularização

Como defende Araújo em “O dia Em Que a Bancada do Jornal Nacional Transforma-se Num Evento”, o enaltecimento dos personagens nessa substituição serviu para mostrar o quanto a empresa Globo quer dar ênfase a seus apresentadores.

No dia 5 de dezembro de 2011, certamente houve ausência de mais informações. Informações essas que fossem relevantes e que colaborassem com a sociedade no exercício da democracia (2012, p. 4).

E como trabalha o sociólogo Bourdieu (Sobre a televisão) todo assunto dedicado na televisão demonstra a prioridade de quem transmite.

“[…] o tempo é algo extremamente raro na televisão. E se os minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam coisas preciosas” (1997, p. 23).

Ao deixar de anunciar informações necessárias ao cidadão e dar tempo demasiado a enaltecimento dos profissionais do telejornalismo a emissora prova a importância que dá a seus apresentadores. Eles são mais importantes e evidentes (são notícia), se sobressaindo e superando aquilo que estão divulgando no trabalho jornalístico.

O tempo da televisão e a quantidade de matérias jornalísticas sobre a substituição das apresentadoras indicam que muito mais do que um mero profissional da informação, o apresentador de telejornal tem status de celebridade mesmo. A mudança de um apresentador no Jornal Nacional é semelhante a mudança de apresentador de programa de entretenimento. Esse status é demonstrado por meio de autores e provado na atenção que a emissora deu a substituição de suas jornalistas.

Vale lembrar que na televisão e no telejornalismo o tempo é extremamente raro – sendo inclusive o Jornal Nacional um dos principais expoentes de objetividade rigorosa na apresentação das notícias.

O que se entende dessa espetacularização é o fato da empresa querer destinar tanta importância a seus apresentadores, dando muitas vezes mais ênfase neles, do que em conteúdos e notícias, como ocorreu nas edições de transição das apresentadoras. Dessa forma o apresentador é mais valorizado pela sua reputação artística. O foco deixa de ser o que é apresentado e se torna o apresentador.

Acredita-se que essa estratégia da televisão não é a solução para salvar o telejornalismo brasileiro, com a audiência em declínio. Pelo contrário, só empobrece o fazer jornalístico. Como afirma o visionário professor Brasil (Antimanual de Jornalismo e Comunicação, Senac, 2007, p.25), “os novos telejornais não precisam mais de astros caros, decadentes e ultrapassados. Jornalista rico e famoso, que se tornou celebridade, deve se afastar dos telejornais. Pois não pode sair às ruas para entrevistar o público, tem de parar para posar para fotos e dar autógrafos.”

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[Lucas Marinho Mourão, jornalista e mestrando em Comunicação na UFMS]