Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carla Rodrigues

‘Em ‘Sob o signo de Saturno’ (Editora L&PM) um pequeno livro editado há mais de 30 anos nos EUA, a intelectual Susan Sontag dedica o ensaio que dá título ao livro ao filósofo Walter Benjamin, e usa o planeta Saturno para explicar, pelo caminho da astrologia, a melancolia do pensador alemão. Morta sob o signo de Saturno, o que Sontag diz sobre Benjamin serve para entender a importância de seu trabalho: ‘Pensar e escrever são fundamentalmente questões de resistência.’ Resistir foi uma das marcas da intelectual que, diante de um câncer que a perseguiu durante 30 anos, escreveu ‘A doença como metáfora’ (Editora Graal), livro no qual ela discute o significado da doença na sociedade contemporânea. Sontag defendia a idéia de que o paciente de câncer carregava um estereótipo: alguém emocionalmente fraco, um perdedor, uma pessoa que reprime seus sentimentos, sobretudo a raiva.

A julgar pelas reações de Sontag diante da política do presidente Bush, a intelectual dedicou sua vida a escapar dos estigmas que identificou. Uma das primeiras pensadoras a se manifestar contra a guerra do Iraque, Sontag foi uma crítica de primeira hora das reações norte-americanas ao atentado de 11 de setembro, afirmando, em artigo publicado na revista New Yorker, que a responsabilidade dos ataques era da própria política de Bush. Ainda no calor dos acontecimentos, Sontag acusou o governo norte-americano de promover uma política externa covarde, e afirmou que, ao contrário do que dizia o noticiário, o 11 de setembro não era um ataque ao ‘mundo livre’, mas a uma super-portência auto-proclamada, incapaz de perceber as conseqüências das suas alianças equivocadas.

Pensadora singular, no seu último livro, ‘Diante da dor dos outros’ (Cia das Letras, 2003), Sontag discute um assunto que lhe era caro: o poder da imagem e a importância da fotografia na sociedade contemporânea. Os efeitos das imagens de guerra em quem está exaustivamente exposto a elas era o que interessava a Sontag pensar. Ela constata ‘uma curva ascendente da violência e do sadismo aceitáveis na cultura de massa’. O resultado dessa ascensão, defende Sontag, é a transformação da brutalidade física de choque em entretenimento. ‘As pessoas não se insensibilizam àquilo que lhes é mostrado por causa da quantidade de imagens despejadas em cima delas. É a passividade que embota o sentimento’. Seu primeiro livro sobre o tema, ‘Sobre a fotografia’, foi lançado nos EUA em 1973 e reeditado pela Companhia das Letras no Brasil em 2004. ‘A fotografia não reproduz simplesmente o real, recicla-o – um processo-chave na sociedade moderna’, dizia ela há mais de 30 anos.

Celebridade do mundo intelectual de Manhatan, cidade onde nasceu e morreu, Sontag era criticada por estar sempre sob holofotes. A aversão da academia à exposição midiática não a impediu de aparecer em filmes de Woody Allen, fazer comerciais de vodka, ser fotografada por Annie Leibovitz e expor sua bela imagem em revistas como a Rolling Stone e a People Magazine. Sua figura guardava sempre um certo glamour da inteligência aliada à um olhar inquisidor. Da melancolia que o próprio Benjamin reivindicava para si (‘Nasci sob o signo de Saturno, o astro de revolução mais lenta, o planeta dos desvios’), a vida de Sontag não registra os traços.

Leia também: Site oficial de Susan Sontag (http://www.susansontag.com/)’



Folha de S. Paulo

‘A pensadora Susan Sontag morre aos 71’, copyright Folha de S. Paulo, 29/12/04

‘Susan Sontag, escritora, ativista e, como ela mesma dizia, ‘fanática pela seriedade’, cuja mente voraz e prosa provocante a tornaram uma das mais importantes intelectuais dos últimos 50 anos, morreu ontem aos 71 anos.

Sontag morreu às 7h10, a porta-voz do Sloan-Kettering Cancer Center, em Manhattan. O hospital não especificou a causa de morte. Sontag sofreu câncer de mama nos anos 70 e vinha enfrentando leucemia há alguns anos.

Sontag se definia como ‘esteta afeiçoada’ e ‘moralista obsessiva’. Escreveu um romance de sucesso, ‘O Amante do Vulcão’, e em 2000 conquistou o National Book Award com seu romance histórico ‘Na América’. Mas o maior impacto literário da escritora foi como ensaísta.

‘Notes on Camp’, um texto de 1964 que a estabeleceu como importante pensadora, popularizou a atitude ‘isso é tão ruim que parece até bom’, a qual veio a ser aplicada a uma enorme variedade de coisas, de ‘Swan Lake’ a estolas de plumas. Em ‘Contra a Interpretação’, a mais analítica das intelectuais dedicava sua análise à preocupação com a possibilidade de que o escrutínio crítico interferisse com o poder ‘mágico, encantatório’, da arte.

Ela também escreveu obras influentes como ‘A Doença como Metáfora’, na qual examinava a maneira pela qual a doença era romantizada e demonizada, ciclicamente, e ‘On Photograhy’, na qual argumentava que as imagens muitas vezes distanciam o observador do tema que retratam.

Ela lia escritores de todo o mundo, e a Sontag é atribuído o crédito por apresentar intelectuais europeus como Roland Barthes e Elias Canetti aos leitores norte-americanos. ‘Não conheço outra intelectual tão lúcida e com tamanha capacidade de ligar, conectar, relacionar’, disse certa vez o romancista mexicano Carlos Fuentes. ‘Ela é única.’

Diferente de muitos escritores norte-americanos, ela se envolveu profundamente em questões políticas, mesmo depois dos anos 60. Entre 1987 e 1989, Sontag presidiu à divisão norte-americana do Pen Club, uma aliança mundial de escritores. Quando o aiatolá Ruhollah Khomeini pediu a morte de Salman Rushdie por suposta blasfêmia no romance ‘Os Versos Satânicos’, ela ajudou a liderar os protestos da comunidade literária. Há cerca de um ano e meio, dias após a execução de três dissidentes cubanos, Sontag envolveu-se em uma polêmica com o escritor colombiano Gabriel García Márquez, a quem acusou de ser condescendente à repressão imposta pelo regime de Fidel Castro.

Sontag batalhava incessantemente pelos direitos humanos e, ao longo dos anos 90, visitou muitas vezes a região da Iugoslávia, pedindo ação internacional contra a guerra civil que se espalhava pelos Bálcãs. Em 1993, visitou Sarajevo, onde montou uma produção de ‘Esperando Godot’.

Filha de um negociante de peles, ela nasceu como Susan Rosenblatt, em Nova York, em 1933, e passou a infância no Arizona e em Los Angeles.

A mãe era alcoólatra; o pai morreu quando ela tinha cinco anos. Mais tarde, sua mãe se casou com um oficial do exército, o capitão Nathan Sontag. Susan Sontag lembrava sua infância como ‘uma grande sentença de prisão’.

Ela completou sua educação básica com três anos de antecedência, formando-se no segundo grau aos 15 anos; o diretor da escola disse que ela estava perdendo tempo lá. Sua mãe, enquanto isso, advertiu que, se não parasse de ler, jamais se casaria.

Na Universidade de Chicago, ela assistiu a uma palestra de Philip Rieff, psicólogo social e historiador. Casaram-se dez dias mais tarde. Sontag tinha 17 anos, ele 28. ‘Era um homem apaixonado erudito e puro’, disse ela mais tarde sobre o marido.

Na metade dos anos 60, o casal se divorciara (tiveram um filho, David, nascido em 1952), e Sontag se tornou uma das luzes na cena literária de Nova York. Ela era conhecida por seus ensaios, mas também escrevia ficção, ainda que inicialmente sem grande sucesso. ‘Death Kit’ e ‘The Benefactor’ eram, romances experimentais que pouca gente teve paciência de ler até o fim.

‘Infelizmente, a inteligência de Sontag continua a ser maior que o seu talento’, escreveu Gore Vidal em 1967, ao resenhar ‘Death Kit’.

‘Mas assim que se livrar da literatura, ela terá o poder de realizá-la, e não há muitos escritores norte-americanos sobre quem se possa dizer o mesmo’.

A ficção de Sontag se tornou mais acessível. Ela escreveu um elogiado conto sobre a Aids, ‘The Way We Live Now’ (A maneira pela qual vivemos agora), e um romance de sucesso, ‘O Amante do Vulcão’, sobre o almirante Nelson e Lady Hamilton, sua amante.

Em 2000, seu romance ‘Na América’, sobre Helena Modjeska, uma atriz polonesa do século 19, foi um fracasso comercial, e recebeu críticas pelo uso não creditado de fontes, tanto de trabalhos de ficção quanto trabalhos de não-ficção. Ainda assim Sontag conquistou com ele o National Book Award.

Entre outras obras, Sontag também criou os filmes ‘Duet of Cannibals’ e ‘Brother Carl’, e escreveu uma peça, ‘Alice in Bed’, com base na vida de Alice James, a adoentada irmã de Henry e William James. Sontag fez uma ponta, como ela mesma, em ‘Zelig’, o falso documentário dirigido por Woody Allen.

Em 1999, escreveu um ensaio para ‘Women’, compilação de retratos da fotógrafa Annie Leibovitz, sua companheira por muitos anos. Sontag não era adepta da fala ponderada. Escrevendo sobre a Guerra do Vietnã, ela afirmou que ‘a raça branca é o câncer da história humana’.

Poucos dias depois dos ataques terroristas de 11 de Setembro, ela criticou a política externa dos Estados Unidos e fez elogios aos terroristas.

‘Onde está o reconhecimento de que não se tratava de um ataque ‘covarde’ à ‘civilização’, ‘liberdade’, ‘humanidade’ ou ao ‘mundo livre’, mas de um ataque à única superpotência mundial, empreendido como conseqüência de alianças e ações específicas dos Estados Unidos?’, escreveu ela na revista ‘New Yorker’. ‘Quanto à questão da coragem (uma virtude moralmente neutra), diga-se o que quiser sobre os perpetradores do massacre de terça-feira, eles não eram covardes.’’

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‘Repercussão’, copyright Folha de S. Paulo, 29/12/04

‘BORIS KOSSOY, professor titular de jornalismo da ECA-USP

‘Foi ela quem inaugurou o pensamento fotográfico, nos anos 70, quando a discussão teórica e filosófica sobre o tema era incipiente. ‘On Photography’ se tornou uma referência, por fazer uma contrapartida a Roland Barthes. Sua proposta de uma reflexão sobre a realidade a partir da imagem fotográfica tem importância única nos estudos da imagem na segunda metade do século 20.’

CRISTIANO MASCARO, 60, fotógrafo:

‘Meu primeiro contato com a obra de Sontag foi com ‘On Photography’. Para mim, mais habituado com a visão objetiva do fotojornalismo, foi uma revelação entender o papel da fotografia dentro da própria vida. É uma pena, porque gostaria de vê-la escrevendo um ensaio sobre esse advento da fotografia digital, que as pessoas tratam como se fosse apenas um avanço tecnológico.’

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS, 56, prof. de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG):

‘Era uma intelectual da arte americana que destoava da visão limitada dos EUA, que só vê o próprio umbigo. Tinha uma visão ecumênica do processo civilizatório e uma sensibilidade estética que sabia apreciar tanto um fotograma de Godard quanto um parágrafo indignado de Euclides da Cunha. É uma enorme perda para a humanidade, sobretudo diante da ascensão vexatória de Bush.’

MIGUEL CHAIA, professor do Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Política da PUC-SP:

‘Sua importância foi reunir em seus escritos a sofisticação acadêmica e a vitalidade pop, o que possibilitou um alto grau de liberdade e uma alta potência para atingir a percepção contemporânea.’

OLGÁRIA MATOS, 55, professora titular do departamento de filosofia da USP:

‘Ela é uma das ensaístas mais originais do século 20. Conseguiu ficar ligada nos assuntos contemporâneos sem ser modista, transformando-os em uma coisa nova. Tinha grande compreensão dos conflitos atuais e deu voz ao feminino, fazendo uma diferenciação entre o feminino e o sexual.’

RUBENS FERNANDES JÚNIOR, 54, pesquisador e crítico de fotografia:

‘Ela trouxe uma visão contemporânea sobre a questão da produção da imagem. ‘On Photograhy’ chegou no Brasil em um momento [começo dos anos 80] em que a reflexão crítica era muito literária e pouco imagética.’

RUBENS FIGUEIREDO, 48, tradutor de ‘Diante da Dor dos Outros’:

‘Em 20 anos de carreira, nunca vi outra pessoa que desse tanta atenção a um tradutor. Chegava a brigar com os editores para que estes não apressassem o tradutor; mesmo sem dominar a língua portuguesa, ela me deu sugestões e respondeu às minhas dúvidas.’

TEIXEIRA COELHO, 60, escritor e ensaísta:

‘Apreciava muito o lado combativo da intelectual Sontag. Não apenas o combate político, mas o combate existencial -refiro-me a ‘A Doença como Metáfora’. Falar de política e de questões abstratas é fácil. O engajamento do intelectual com a própria vida é a sua verdadeira prova de fogo.’’



O Globo

‘Susan Sontag, voz crítica e polêmica dos EUA’, copyright O Globo, 29/12/05

‘Poucos dias depois dos atentados de 11 de Setembro em Nova York e em Washington, quando os Estados Unidos ainda tentavam entender a tragédia que se abatera sobre eles, a escritora, ativista e cineasta americana Susan Sontag ousou dizer, num artigo publicado na revista ‘The New Yorker’, que o ato não era ‘uma ação covarde’ e sim, sob certo aspecto, uma conseqüência das ações do governo de seu país. Sontag, que desde os anos 60 tornou-se uma das principais vozes entre os intelectuais a bradar, em livros, entrevistas, palestras e movimentos políticos, contra as diretrizes da Casa Branca, enfrentou uma chuva de críticas, mas seguiu firme em suas declarações diante da nação ferida e do mundo.

A palavra contundente e nada contida de Sontag, que foi correspondente em plena Guerra do Vietnã, contra a qual lutava, e esteve também nos Bálcãs, nos anos 90, chamando a atenção da comunidade internacional para os conflitos que fizeram ruir a antiga Iugoslávia, fez-se presente mais uma vez este ano. Em maio, a ‘The New York Times Magazine’ publicou um de seus últimos ensaios, ‘Regarding the torture of others’, sobre a tortura de detentos iraquianos por soldados americanos na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá.

Ontem, depois de uma longa batalha contra a leucemia, a escritora, uma das intelectuais dos EUA mais conhecidas e consagradas no mundo, autora de 17 livros entre ensaios e romances e que descrevia a si mesma como ‘fanática da seriedade’, morreu aos 71 anos no Memorial Sloan Kettering Cancer, na mesma Nova York onde nascera em 1933.

Sontag publicou seu primeiro livro, a novela ‘O benfeitor’, em 1963, mas seu nome popularizou-se no meio intelectual com dois livros considerados fundamentais em sua bibliografia: ‘Notes on camp’ (1964) e ‘Against interpretation’ (1966). Foi nessa época que o escritor Silviano Santiago descobriu as idéias de Sontag.

– Eu fui assistir a palestras dela e fiquei encantado com as teses que ela defendia na época, em particular um artigo clássico (‘Notes on camp’) em que ela se tornou a primeira pessoa a fazer uma leitura da produção artística homossexual – conta Silviano. – Ela também tem uma capacidade extraordinária de aproximar o pensamento francês pós-moderno e da Escola de Frankfurt da melhor crítica literária americana, com um interesse sincero pela América Latina.

Leitora ávida de Borges e de outros grandes nomes da literatura latino-americana, Sontag fez um longo artigo sobre Machado de Assis, que Silviano chama de ‘definitivo’. O escritor também destaca a sensibilidade da ensaísta em abordar temas como as doenças, que geraram dois livros: ‘A doença como metáfora’ e ‘Aids e suas metáforas’. O primeiro deles surgiu quando Sontag lutava para superar um câncer de mama, nos anos 70, e em ambos ela observa como as doenças são romanceadas e demonizadas na sociedade moderna.

O último livro da autora lançado no Brasil foi ‘Sobre a fotografia’, em maio, pela Companhia das Letras. Em 2003, a editora, que publicou boa parte das obras de Sontag no país, lançou ‘Diante da dor dos outros’, no qual a ensaísta analisa o impacto das imagens de sofrimento divulgadas pelos meios de comunicação. O cronograma de 2005 da Companhia inclui outro livro da ensaísta, ‘Questão de ênfase’ (título provisório), com lançamento previsto para março.

O editor Luiz Schwarcz, da Companhia, lamentou a morte de Sontag, que ultrapassara a fronteira de autora para tornar-se amiga. A americana esteve várias vezes no Brasil, a última delas em 2002, num evento com o historiador Carlo Ginzburg na Biblioteca Nacional. Sontag também chegou a confirmar sua participação na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em julho último, mas cancelou a visita.

Em entrevista ao GLOBO em outubro de 2003, a escritora confessava-se ansiosa por um encontro com o presidente Lula. Naquele ano, Lula e Sontag receberam, em suas áreas, o importante prêmio Príncipe de Astúrias, concedido pelo governo espanhol. Poucos meses antes, em junho, ela dissera que a eleição de Lula ‘foi o único resultado eleitoral que me fez feliz no último ano. É um país sobre o qual digo: ok, o mocinho venceu’.

Incansável em sua luta pelos direitos humanos, Sontag envolveu-se numa polêmica com Gabriel García Márquez em abril de 2003, a quem criticara por seu silêncio diante da forte repressão de dissidentes políticos em Cuba.

– A principal responsabilidade é dizer a verdade. (…) O compromisso do intelectual é com a verdade. O exemplo de García Márquez me veio porque eu estava em Bogotá e disse que adorava o seu trabalho, mas não podia concordar com quem não criticava uma ditadura onde as pessoas não tinham a liberdade da palavra – explicou ao GLOBO, em outubro do ano passado.

Embora tenha se notabilizado por ensaios variados e tenha apresentado aos EUA grandes nomes do pensamento europeu, como Benjamin, Barthes e Godard, Sontag, que cursou filosofia na Universidade de Chicago e fez pós-graduação em Harvard, também recebeu prêmios por sua obra literária. Em 2002, seu romance ‘Na América’ conquistou o prestigiado National Book Award.

Filha de um comerciante, que morreu quando ela tinha 5 anos, e de uma mãe alcoólatra, a escritora, de ascendência judaica, deixa um filho, David, da união com o historiador Philip Rieff, com quem se casou aos 17 e de quem se separou nove anos depois.

Obras no Brasil

A VONTADE RADICAL (Companhia das Letras, 1987): Ensaios (esgotado).

AIDS E SUAS METÁFORAS (Cia. das Letras, 1989): Ensaio (esgotado).

O AMANTE DO VULCÃO (Cia. das Letras, 1993): Romance (esgotado).

ASSIM VIVEMOS AGORA (Cia. das Letras, 1995): Conto.

NA AMÉRICA (Cia. das Letras, 2001): Romance.

DIANTE DA DOR DOS OUTROS (Cia. das Letras, 2003): Ensaio.

SOBRE FOTOGRAFIA (Cia. das Letras, 2004): Ensaio.

A DOENÇA COMO METÁFORA (Graal): Ensaio.

O BENFEITOR (L&PM): Romance.

SOB O SIGNO DE SATURNO (L&PM): Ensaio.’



La Insignia

‘‘As palavras são superiores’’, copyright La Insignia, 1/01/05

‘Entrevista de Susan Sontag ao jornal L’Unità, em 09.06.2003, por ocasião do lançamento do seu último livro na Itália.

Susan Sontag é uma senhora de setenta anos, bastante jovial, com cabelos muito longos, as mãos magras e os olhos negros muito profundos. Fala sem parar, seguindo o fio do seu raciocínio, que é sempre tenso procurando distinguir entre a realidade e a imagem que a realidade reflete. Ela teme em ficar presa no emaranhado da imagem, visto que a sociedade moderna -diz- vive sob a ditadura da imagem. Susan Sontag é uma das maiores e mais célebres intelectuais americanas. Escritora, romancista, autora de ensaios, um pouco socióloga, um pouco politóloga, bastante filósofa, autora de uma dezena de livros famosos e de muitos artigos publicados em importantes jornais e revistas americanas.

Vive em Nova York, mas trabalhou e estudou em várias partes dos EUA, de Chicago à Califórnia. Fala e escreve sempre dando a impressão de absoluto equilíbrio e de imparcialidade. Porém é capaz de juízos ferozes. E de imprevistas arrancadas: secas, letais. Em setembro de 2001, por exemplo, foi a única personalidade pública do mundo que ousou afirmar: ‘Não acho que podemos dizer que os kamikazes sejam covardes. Mostraram ter uma certa coragem…’ Foi um grande escândalo.

Hoje está em Roma, e nesta noite, em Massenzio, às 21 horas, apresentará o seu último livro (junto com Laura Morante e Ludovico Einaudi). O seu último livro se chama Davanti al dolore degli altri (Frente à dor dos outros) (Mondadori, 112 páginas, 13 Euros). É um livro sobre a diferença entre a imagem e a realidade. Muito crítico com a fotografia, os filmes, a televisão. Mas se perguntada sobre o assunto do livro, ela responde: ‘a guerra’. Ela acredita ter escrito um livro sobre a guerra, e provavelmente é isso mesmo. Ela viu a guerra; por exemplo, passou três anos em Sarajevo, entre os anos de 93 e 95, durante o furioso assédio dos sérvios. E sabe que o fato de tê-la visto condicionou muito o seu modo de pensar, atingindo a sua estrutura de fria intelectual nova-iorquina.

-Lendo o seu livro me parece ter entendido o seguinte: a sra pensa que a escrita seja muito superior à imagem. A sra acredita que a escrita transmite informações, pensamento, juízos; a imagem, ao contrário, sozinha, transmite muito pouco. É isso mesmo?

-Se queremos lembrar, então precisamos da imagem; se queremos, ao contrário, entender, então precisamos da palavra, da escrita. Eu não estaria nunca disposta a renunciar às imagens, ao prazer que uma imagem me dá, o qual não é em nada um prazer inferior àquele fornecido pelo conhecimento; é um prazer diferente. Se o problema é entender aguma coisa, daí sim: as palavras são superiores.

-No seu livro a sra faz observar que os americanos são formidáveis em tomar conta da memória dos horrores cometidos pelos outros povos, mas ao contrário, são incapazes de falar dos próprios horrores. A sra diz, por exemplo, que nos EUA não existe um museu da escravidão, não existe um museu sobre Hiroshima, não existe um museu sobre o genocídio dos peles vermelhas. Qual é o motivo desses esquecimentos?

-A grande força, o grande poder dos EUA se baseia em três convicções incontestáveis que o nosso povo conserva intactas. A primeira convicção é que os EUA são a exceção a todas as regras históricas. As regras dizem que os povos e as Nações erram? Os EUA não erram nunca. A segunda convicção é que os EUA não podem perder: triunfam sempre. A terceira convicção é que os EUA são sempre bons, sempre fazem aquilo que é correto. Existe ainda outra certeza, ligada a estas três: que nenhum líder americano foi maldoso. Talvez algum tenha sido um pouco corrupto, um pouco medíocre, mas maldoso nunca. Em nenhum outro país do mundo acontece isso. Nunca se viu isso na Itália, na Alemanha, na França. Vocês nunca defenderiam Mussolini ou Hitler, ou o terror de Robespierre… então, entende-se que com base nessas idéias é bem difícil conservar a memória dos grandes erros ou dos grandes horrores do próprio país. Veja que há cinco ou seis anos, o Smithsonian (importante instituição cultural de Washington) decidiu montar uma mostra sobre Hiroshima. Recolheu todos os documentos, as declarações de Truman, as reconstruções, etc. E depois, em uma saleta menor, colocou em exposição as teses e os documentos daqueles que eram contrários ao lançamento da bomba atômica, dos que acreditavam que não era necessário lançá-la porque a guerra já tinha sido vencida, ou daqueles que dizem ter se tratado de um crime de guerra, ou que antes de se lançar a bomba sobre Nagasaki podiam ter esperado pelo menos algumas semanas para ver se o Japão se rendesse. Alguém viu esta parte da mostra com antecedência e protestou, o assunto acabou no Senado e a mostra toda foi cancelada.

-A sra quer dizer que nos EUA existe uma discreta censura?

-Claro que existe censura. Olhe só para a história recentíssima. O governo decidiu declarar guerra ao Iraque. Bem, na nossa mídia, nas televisões, não são mostradas as vítimas civis, negligenciam-se as notícias problemáticas, escondem-se fatos, acontecimentos, imagens. Quem decide? O governo, os políticos? Não, quem decide são os responsáveis pelas informações. São eles que estabelecem o que é patriótico e o que não é. Se uma certa informação ou um certo serviço não são patrióticos, não são transmitidos. Cada governo tem um seu sistema de censura. Na Itália também, o governo Berlusconi tem interesse em operar certas censuras. Não há nada de novo nem de tão surpreendente. O importante é que a censura não seja completa, não seja totalitária. Vocês na Itália não têm problema de criticar a Itália. Nos EUA, às vezes, isso não é possível. Existe o mito da inocência eterna dos EUA que não pode ser violado.

-Qual a sua opinião sobre a guerra do Iraque?

-Foi conseqüência da decisão do governo americano de dominar o mundo mais ativamente. Isso devido a duas razões, basicamente. A primeira razão reside no juízo de que os EUA dão sobre o Oriente Médio: pensam que seja um lugar instável e ameaçador. A segunda razão é que o governo americano não se sente (e não se sentirá) de modo algum vinculado a qualquer tratado, nem ao direito internacional. Por isso decidiu conquistar um país do Oriente Médio e escolheu o país mais fraco. -A sra acha que o Iraque era o país militarmente mais fraco do Oriente Médio?

-Sim, acho que sim. Sabia-se muito bem que o país estava muito fraco e sabia-se que não tinha armas de extermínio em massa. Por isso foi escolhido. A conquista do Iraque consentiu alcançar três objetivos: 1) demonstrar que aquela parte do mundo pode ser invadida. 2) obter um certo controle sobre o petróleo. 3) chegar a uma forma de ocupação permanente, de modo a enfraquecer a posição da Turquia e da Arábia Saudita, que agora não são mais aliados indispensáveis. Esse era o plano imperialista dos americanos, e foi levado a cabo com sucesso em plena violação do direito internacional. Tudo isso não altera a minha convicção de que Saddam fosse um horrível ditador…

-Mas a sra, há quatro anos, era favorável à guerra do Kosovo. Porque derrubar Saddam é imperialismo e derrubar Milosevich tudo bem? Talvez Milosevich fosse mais perigoso que Saddam?

-Saddam era perigoso, muito perigoso para o seu povo. Não para o mundo. É verdade, apoiei a tentativa de derrubar Milosevich. Porque? O governo iugoslavo estava cometendo massacres. A guerra tinha começado vários anos antes, em 92, na Croácia e depois na Bósnia. Eu me lembro que estava aqui na Itália naqueles anos e estava boquiaberta. Dizia: ‘estão bombardeando Dubrovnic, estão despedaçando a costa da Dalmácia. Será possível que vocês falam dessas coisas como se fossem normais, não percebem que a guerra voltou à Europa?’ Por isso fui favorável à intervenção contra Milosevich. Acho que em alguns casos uma expedição militar contra um líder que esteja cometendo massacres, dentro e fora de suas fronteiras, seja uma expedição legítima. Por exemplo, eu fui a favor de uma intervenção inglesa em Serra Leoa, e teria gostado se alguém tivesse sido enviado para parar o genocídio em Ruanda.

-Então a sra não tem críticas contra aquela guerra?

-Tenho críticas. Por exemplo, deploro aqueles bombardeios feitos de uma altura de dez mil metros, que provocavam vítimas civis e danos indiscriminados. Mas essas críticas não mudam a minha idéia de base. Eu justifiquei a intervenção americana na Iugoslávia sobretudo por esse motivo: era evidente que os americanos não queriam ocupar a Iugoslávia ou colocar uma base militar em Belgrado. Vê como é grande a diferença com o Iraque? A do Iraque foi uma volta à velha guerra de ocupação imperialista. Como aconteceu em 1898, quando os americanos venceram os espanhóis e tomaram a base de Guantânamo, em Cuba, e a transformaram em uma ilha do diabo, onde não há Estado, não há lei, não há direitos. Parece até que estão instalando um quarto da morte, onde possam ser executadas as sentenças capitais sem a intervenção da lei.

-A sra viveu três anos em Sarajevo, sob o fogo das bombas sérvias. Essa sua experiência teve algum peso na sua posição sobre a guerra americana contra Milosevich?

-Eu também me faço essa pergunta continuamente. Sim, acho que sim, acho que na minha muito sofrida decisão de apoiar a ação militar, tenha tido uma influência a minha experiência, ter visto as pessoas morrerem todos os dias em Sarajevo. Lembro-me de que naquele período, Noam Chomsky denunciava a intervenção americana. Eu admiro Noam Chomsky e compartilho muitíssimas coisas que ele apóia, mas naqueles dias eu pensava: ‘Mas o que está dizendo aquele homem que nunca viu uma guerra? O que está dizendo do seu escritório de Cambridge, no Massachussets?ª. Sei que é uma resposta fraca à sua pergunta, mas é uma resposta.’