Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma lição de jornalismo

‘Miriam, a coluna desta semana eu já baixei. Sem problema. Esta que estou te mandando é a da semana que vem, para o caso de eu não poder voltar até quinta ou sexta. Portanto, só baixe na semana que vem, depois de conversarmos ao telefone. Obrigado, Tales.’ Essa foi a última mensagem enviada por Tales Alvarenga à redação de Veja. Foi endereçada no dia 26 de janeiro a Miriam Lopes, sua secretária havia quinze anos, com cópia para mim, seu escudeiro havia 23. A mensagem contém instruções precisas. E ele as cumpriu com diligência na quinta-feira passada. Preso ao leito de uma CTI de hospital, telefonou a Miriam para editar a coluna. Com imensas dificuldades de respiração, entre uma fuga e outra do respirador, ditou as modificações para Tina, sua mulher, que as retransmitiu. Internado para fazer uma biópsia de tecido pulmonar, Tales morreu na sexta-feira, aos 61 anos, deixando Tina e os filhos Gil, de 21 anos, Tomás, de 13, e Isabel, de 8. Ele deixou também uma magnífica obra de construção e incentivo a talentos no jornalismo, profissão que abraçou com paixão, depois de abandonar o direito e a filosofia.


Tales deixou lições de humildade, coragem, honestidade e lealdade no exercício de uma profissão em que a manutenção desses valores sofre tentações cotidianas. Ele não apenas os manteve intactos, como os transmitiu pelo exemplo e pela incansável pregação aos jornalistas das redações que dirigiu. Sua contribuição a Veja é inestimável. Tales destronou o texto acusador e humanizou o tratamento editorial da revista. Em 38 anos de carreira como repórter, editor, Diretor de Redação e, nos últimos dois anos, Diretor Editorial de Veja e Exame, Tales foi de uma retidão inigualável. Depois de um começo de carreira em Belo Horizonte, ingressou como copidesque no jornal O Estado de S.Paulo. Na Abril, permaneceu trinta anos, 28 deles em Veja, que dirigiu de 1998 a 2004.


‘Não tenho palavras para manifestar a minha tristeza diante do desaparecimento repentino do Tales. Tive o privilégio de conviver com ele quase diariamente nos seis anos em que dirigiu Veja e nos últimos dois, como Diretor Editorial de Veja, Veja São Paulo, Veja Rio e Exame. Com a sua inteligência, integridade, equilíbrio e sensibilidade – e sua extraordinária capacidade de tornar o importante interessante –, ele elevou Veja a um novo nível de qualidade e sintonia com os seus leitores’, disse Roberto Civita, Presidente do Grupo Abril e Editor de Veja. ‘Como ele mesmo escreveu um dia: ‘É bom fazer revistas de que gostamos. É melhor ainda achar que estamos fazendo agora melhor do que na semana passada. Ver esse esforço entendido, reconhecido e elogiado é um incentivo MUITO grande’.’


Há dois anos, Tales descobriu-se colunista – mentalmente organizado, cortante, implacável com o pensamento arcaico da elite política e acadêmica brasileira. O atraso nacional o exasperava. Ele não se conformava em ver o país perder espaço e posições relativas no mundo. Tinha poucas dúvidas sobre as razões da bola de chumbo que não nos deixa decolar: a imensa burrice das dispendiosas e inúteis políticas populistas dos governos. Sua coluna desta semana, a última, editada no leito de morte, é uma cápsula representativa. Ali se lê: ‘A América Latina só terá uma oportunidade de sair da maré do atraso se abandonar a retórica obsoleta de seus líderes retrógrados’. Obrigado, Tales.

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Diretor de Redação de Veja