Regulamentadas em 2010, as doações eleitorais pela internet prometiam uma revolução: democratizariam a distribuição de recursos, facilitariam a participação popular e diminuiriam a influência de grandes empresas. Mas não é o que se vê nestas eleições municipais. O único a usar da ferramenta até o segundo mês de campanha foi o candidato do PSOL à Prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo.
O motivo para a baixíssima adesão não é a má vontade dos candidatos, mas as dificuldades do sistema, dizem as empresas que trabalham com as doações online e equipes que tentaram obter recursos por esse modelo e desistiram diante do excesso de custos, burocracia e até a análise de que não valia a pena correr o risco de sofrer punição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por eventuais erros no sistema. “Não é que seja impossível [arrecadar pela internet], mas é tão trabalhoso que não justifica”, afirma Roberto Oliveira, coordenador de informática da campanha de Otávio Leite (PSDB) à prefeitura carioca. O tucano registrou doação de R$ 2,3 mil pela internet, mas seu assessor diz que foi apenas um teste e o sistema no site do candidato já foi, inclusive, desabilitado. “A intenção é muito boa, mas a prática precisa ser aprimorada”, afirma.
O principal motivo para desistirem, diz, foram as dificuldades com a operadora de cartão, que trata o candidato como se fosse um lojista. A cada depósito, ele paga para a administradora do cartão uma taxa de aproximadamente 3,8% para o crédito e de 2,5% para o débito – o valor depende da operadora e do volume movimentado. Outra possibilidade é receber por boleto, mas cada um emitido custa R$ 5 ao candidato, mesmo que o pretenso doador desista de contribuir.
“Investimos cerca de R$ 50 mil”
Ainda há uma demora de 15 dias, contados a partir do momento em que o candidato recebe o CNPJ, no 1º dia da eleição, para abrir a conta da campanha e fazer à filiação à empresa de cartões. O maior problema, porém, é que, assim como os lojistas, o candidato só recebe o dinheiro do cartão depois de 30 dias. “Para uma campanha eleitoral, que dura 90 dias, isso é inviável”, afirma Oliveira. A opção é “antecipar os recebíveis”, o que gera mais uma taxa, equivalente a cerca de 5% do valor doado.
Ainda há gastos com empresas que fazem o sistema para colocar no site do candidato, como a interface que permitirá receber as doações com segurança. Para isso, Otávio Leite contratou a Doações Web, braço eleitoral da Kraftweb. A empresa vende o serviço em pacotes fixos com um teto no número de doações recebidas – estourado o limite, é preciso aderir a um plano maior. O menor pacote, que foi o contratado pelo tucano, custa R$ 1.750 por mês e dá direito a receber até 500 doações. “Esperávamos fechar mais de uma centena de contratos, mas a procura foi muito pequena”, afirma Cláudio Faria, um dos sócios da empresa, que fez o sistema de arrecadação da presidente Dilma Rousseff (PT) na campanha de 2010. “Houve muita procura na época, mas os candidatos desistiram com a dificuldade de filiação às empresas de cartões”, relata.
A companhia contratada por Freixo, a Um a mais, demorou quase dois meses para desenvolver o sistema. A empresa, uma startup criada em janeiro para colher contribuições para projetos de esporte e cultura, adaptou o programa para o período eleitoral e negociou com bancos, operadoras de cartão e o TSE. “Investimos cerca de R$ 50 mil, sem contar as horas de trabalho dos três sócios”, diz Mariana Spinelli, uma das proprietárias.
Receita por doações pela internet
No caso de Freixo, como era um projeto experimental, não foi cobrada taxa de implantação e a empresa recebe apenas parte do arrecadado. Dos novos clientes, cobra taxa inicial de R$ 5 mil mais 10% das doações recebidas – valores que variam para cada candidatura. No último mês, a Um a mais fechou contrato com candidatos do PDT, PT e PSOL, mas a expectativa dos sócios é apenas cobrir o investimento de R$ 50 mil – e aproveitar a experiência para faturar em 2014. “O valor arrecadado depende de cada candidatura divulgar a ferramenta. Com o Freixo, a expectativa é conseguir entre R$ 200 mil a R$ 300 mil, mas só a mobilização das pessoas para doar já ajuda a campanha”, afirma Mariana. O volume é afetado por eventos e campanhas de divulgação do candidato – logo após fazer um grande comício na Lapa na sexta-feira (21/9), Freixo recebeu R$ 30 mil em três dias.
Os recursos tendem a crescer também com a proximidade da eleição. Depois de registrar R$ 42 mil nos primeiros dois meses de campanha, as doações pela internet quadruplicaram e chegaram a R$ 166,2 mil ontem, doado por 1686 pessoas – média de R$ 98,58 por contribuição.
O valor é bem próximo ao arrecadado pelas campanhas presidenciais de Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (sem partido) em 2010. A petista, que recebeu apenas 0,13% de sua receita por doações pela internet, foi a que mais arrecadou com o modelo: R$ 174 mil. Já Marina, que foi pioneira no país no uso da internet para conseguir recursos, obteve R$ 167 mil – 0,65% de tudo que recebeu.
Receita muito aquém da de outros candidatos
Para Freixo, cujo partido não aceita dinheiro de empresas, as doações online representaram parcela mais significativa da arrecadação, 8%, de acordo com a prestação de contas do segundo mês da campanha, o dado mais atualizado disponível. Ainda são, contudo, bem menos representativas do que foram para o político que popularizou essa modalidade, Barack Obama, que se elegeu presidente dos Estados Unidos em 2009 com dois terços dos recursos doados pela internet, uma fortuna de US$ 500 milhões.
O candidato do PSOL credita o sucesso na arrecadação pela internet à interação com os eleitores pela rede e às restrições do partido e da campanha quantos aos doadores. “Por um lado, teve o investimento nas redes sociais, como antídoto ao horário eleitoral [em que tem pouquíssimo tempo comparado aos adversários], e por outro, é a necessidade, já que não contamos com os outros modelos mais comuns de financiamento, de empreiteiros e empresas”, afirma.
O engajamento na internet rendeu simpatizantes – e doadores – por todo o Brasil e até no exterior. Foram 101 contribuições de fora da capital carioca, incluindo de Espoo, na Finlândia. Outras duas tentativas, uma de Nova York e outra de Genebra, foram bloqueadas porque a legislação proíbe doações com cartão internacional. “Deu certo para mim, mas se não houver reforma política, não vai funcionar”, analisa.
Os números mostram que ele está certo e o modelo está longe de suplantar a tradicional ajuda de empresários. Freixo teve receita de R$ 531,5 mil em dois meses, muito aquém do prefeito Eduardo Paes (PMDB), que obteve R$ 12,4 milhões, e até do deputado federal Rodrigo Maia (DEM), R$ 2,3 milhões arrecadados, apesar de ter apenas 4% nas pesquisas.
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[Raphael Di Cunto, do Valor Econômico]