Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O risco à livre expressão

Há várias maneiras de colocar em risco a liberdade de expressão: a policial, a econômica, a judicial, a violenta. Todas estão sendo aplicadas no Brasil: algumas, que de tão escancaradas beiram a desfaçatez, são defendidas mas não aplicadas (coisas como o tal “controle social da informação”, ou o sistema chavista da Ley de Medios – tão colonizada que até o nome está em castelhano); outras, por serem mais utilizadas longe dos grandes centros, merecem acompanhamento esparso – assassínio de jornalistas, empastelamento de jornais adversários, pressão direta sobre anunciantes; há as condenações de jornalistas incômodos, que acabam ganhando a causa mas depois de muitos aborrecimentos e amplos gastos; e a que hoje é a mais usada de todas, combinando ações legais e pressões econômicas para calar quem diz o que, na opinião dos inimigos da liberdade de imprensa, deveria continuar secreto (e eles conhecem as vantagens do sigilo).

Há coisas incríveis acontecendo: uma delas, a ordem de prisão do diretor-geral do Google no Brasil, Fábio Coelho, por desobedecer à ordem de tirar do YouTube vídeos contra um candidato a prefeito de Campo Grande. Como diz Marcelo Tas, “prender diretor do Google por causa de vídeo político no YouTube é como punir vendedor de asfalto por acidente em rodovia”.

O caráter intimidatório da medida ficou claro quando o mesmo juiz que determinou a prisão revogou a medida, no dia seguinte, por considerar a atitude do diretor do Google de pequeno potencial ofensivo. Se o potencial ofensivo era pequeno, por que houve a prisão? Se a prisão era necessária, por que houve a rápida libertação? O Google, evidentemente, não pode estar acima da lei; mas a aplicação da lei deve levar em conta a função exercida pela empresa. Uma biblioteca que tenha livros proibidos pela Justiça não gerou o conteúdo, nada tem a ver com ele: apenas o coleciona. Se obteve os livros legalmente, que é que fez de errado?

Outro caso interessantíssimo é o do jornalista Cristiano Silva. Há alguns dias, um juiz comandou a apreensão de seu livro Operação Ouro Negro – História do milionário assalto aos cofres da Prefeitura de Catalão durante debate na Universidade Federal de Goiás. Em outras palavras, ao discutir temas de interesse da comunidade, a universidade foi invadida para a apreensão do livro que vinha sendo discutido. Pior: o jornalista foi detido por desacato à autoridade e levado à delegacia. A obra trata de problemas ocorridos na gestão do ex-prefeito Nagib Elias, e o juiz que determinou a apreensão foi quem extinguiu o processo montado com base na Operação Ouro Negro da Polícia Federal.

Detalhes: nem o jornalista nem seu advogado tinham sido informados da proibição do livro. Mas as ameaças já vinham de antes. Certo dia, Cristiano foi abordado na rua por várias pessoas, na cidade de Catalão, em Goiás. Um homem disse aos companheiros, em tom irônico: “Ah, mete bala na cara desse vagabundo. Vamos fazer picadinho dele, igual fizemos com o livro”. Outro completou: “Tem de acertar no olho para não estragar a pele”.

Há casos mais antigos: a pressão constante sobre o jornalista Lúcio Flávio Pinto, do Pará, que desafia as famílias que comandam o estado; a censura que já perdura há dois anos contra O Estado de S.Paulo, para impedi-lo de publicar informações sobre o império da família Sarney, conforme investigações da Polícia Federal na Operação Boi Barrica; o processo que este colunista sofre de um ex-secretário tucano, que deixou o governo de São Paulo para defender uma empresa que se opunha a interesses do governo de São Paulo.

Mas o caso mais emblemático, agora, é o do Blog do Pannunzio.

 

Guerra suja

O jornalista Fábio Pannunzio, da Rede Bandeirantes, é sério e competente. Abriu um blog em 2009 e, de lá para cá, jamais aceitou ofertas de patrocínio. Paga as despesas com dinheiro do próprio bolso, tirado do salário de repórter.

Que é que fizeram contra ele? Aquilo que a Igreja Universal do Reino de Deus tentou fazer contra a repórter Elvira Lobato: sufocá-la com imenso volume de processos (no caso, espalhados por todo o Brasil, para obrigar a repórter a gastar fortunas com viagens e advogados, e ao mesmo tempo reduzir sua produção jornalística, por falta de tempo). Só que Elvira Lobato trabalhava como repórter da Folha de S.Paulo, que bancou as despesas, denunciou as manobras da Universal e transformou o caso num foco permanente de suas reportagens.

Pannunzio foi processado inúmeras vezes, sem êxito. Mas, em todas elas, teve de perder tempo, contratar advogado, gastar com documentação, viajar até o local dos processos. O objetivo, claro, era este; pessoas que se julgam atingidas em sua honra não entram com processos cíveis, já que honra não se mede em dinheiro (a não ser algumas pessoas, que já têm até a etiqueta de preço afixada). Quem tem a honra atingida entra com processo-crime, exatamente por considerar que sua reputação não tem preço.

Pannunzio foi processado por gente das mais diversas ideologias, partidos, interesses. A gota d’água foi o processo que lhe é movido pelo atual secretário da Segurança de São Paulo, coronel Ferreira Pinto, herança de Serra para Alckmin: o secretário do governo tucano quer uma indenização monumental de Pannunzio. E o repórter decidiu desistir do blog. “Escrevo depois de semanas de reflexão e com a alma arrasada”, disse Pannunzio, “especialmente por que isso representa uma vitória dos que se insurgem contra a liberdade de opinião e informação.”

 

O céu das deusas

Sim, é Hebe Camargo numa coluna de jornalistas. Hebe provavelmente o negaria, mas foi jornalista na maior parte de sua carreira. Um de seus primeiros programas de TV, O Mundo é das Mulheres, era um jornalístico; seu famoso sofá foi palco de um sem-fim de entrevistas, que talvez muitas vezes não nos mostrassem o pensamento político-ideológico do entrevistado, mas sempre deixavam claro como vivia, como se comportava, do que gostava, do que não gostava.

Hebe sabia comunicar-se; e por isso políticos importantes a acompanhavam cuidadosamente. Quando levou a seu palco um bolo com moscas artificiais, mostrando que algumas coisas podiam mudar mas as moscas eram sempre as mesmas, despertou a ira do poderoso cacique baiano Antonio Carlos Magalhães, que conseguiu vetar as manifestações políticas da grande apresentadora.

E que grande pessoa! Alegre, solidária, feliz, de uma simpatia contagiante, sempre sorridente, conquistava quem quer que a conhecesse. E, se o caro colega não a achava competente, tente apresentar um programa ao vivo. Hebe o fazia – e com seus 80 anos ultra bem vividos.

Poucos acompanharam os primeiros tempos de Hebe, a Moreninha do Samba, cantora de sucessos como “Andorinha Preta”, toada de Breno Ferreira Hehl (“Eu tinha uma andorinha que me fugiu da gaiola (…)”. Um dia, alguns amigos lhe pediram que cantasse. Hebe recusou: não cantava há muito tempo e achava que, com o passar dos anos, já não tinha voz. Foi irredutível. Mas, discretamente, reatou seus laços com os velhos sucessos. E um dia convidou os amigos para ouvi-la. Depois, cantou de novo na TV, com o auditório acompanhando.

Hebe, como Sílvio Santos, foi um monstro da comunicação, um marco entre os apresentadores da TV brasileira. Não deixa herdeiros. É pena – mas quem conseguiria substituir, nos palcos terrenos, aquela que está entre as deusas do céu da comunicação?

 

Essencial

Não é para todos: só para quem se interessa por Filosofia e tem capacidade para acompanhar o raciocínio de um mestre. Rolf Kuntz, jornalista e filósofo, um dos grandes repórteres e ensaístas de Economia de nossa imprensa, professor da USP e editorialista de O Estado de S.Paulo, um dos fundadores do Jornal da Tarde, lança Fundamentos da Teoria Política de Rousseau, criada como dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo.

A dissertação foi apresentada em 1970; de lá para cá, sua importância foi sendo cada vez mais reconhecida, até que a Editora Barcarolla decidiu lançá-la em livro, em coedição com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Este colunista não entende nada do tema; mas sabe que, se é de Rolf Kuntz, é um livro muito bom. Se um dia escrever algo menos bom, será o primeiro a criticar-se.

 

Que delícia!

De acordo com uma importante coluna esportiva, de um jornal de circulação nacional, houve um casamento coletivo no estádio do Corinthians, lá onde será a abertura da Copa do Mundo. A coluna atribui ao presidente da CBF, José Maria Marin, muito entusiasmo “ao ver 62 casais consumando o matrimônio (…)”

Parece que pensam que “consumar o matrimônio” é sinônimo de “casar”. Já imaginaram, 62 casais consumando o matrimônio ao mesmo tempo, em público?

 

Que grossura!

O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, do PCdoB paulista, foi procurado em Londres por uma repórter do Daily Telegraph, que lhe perguntou se ele tinha intérprete. Rebelo perguntou se ela falava português. Não, não falava. E Rebelo: “Então é a senhorita que vai precisar de intérprete”. O curioso é que Rebelo já esteve na China comunista, cujo regime inspira seu partido, e lá nunca exigiu que nenhum cidadão chinês falasse português com ele.

 

Que boa ideia!

Lobão, que já lançou um livro de grande sucesso, publica em fevereiro uma nova obra, Manifesto do Nada na Terra do Nunca, abertamente antipetista. Assim que a notícia do lançamento foi publicada na coluna Ancelmo Góis, em O Globo, o Ministério da Cultura liberou a captação de R$ 1,9 milhão pela Lei Rouanet. Lobão mandou carta ao Ministério da Cultura recusando o dinheiro.

 

Como…

Foi um erro de digitação, claro. Numa coluna importante de um jornal importantíssimo, faltou o “t” na palavra “captar”. Ficou engraçado – mas não tanto quanto ocorreu quando o Diário Oficial de um grande município paulista informou que o prefeito havia autorizado um pedido, e faltou uma letra.

 

…é…

De um jornal impresso, de circulação nacional, noticiando ameaças do governo do Irã a outros países:

** “Por essa razão, entraremos em confronto com ambas as partes e definitivamente estaremos em conflito com bases americanas se uma guerra”

O papel está caro. É preciso economizar palavras.

 

…mesmo?

De um dos maiores portais noticiosos da internet:

** “Paulo Goulart é internado para tratamento de câncer em SP”

É internado, não: o excelente ator foi internado há cerca de dois meses. O próprio portal, mais tarde, reconheceu a falha na informação.

 

As não notícias

Aliás, a notícia da internação de Paulo Goulart, um dos maiores nomes do teatro brasileiro, não saiu com erro apenas no título. A informação que consta no texto também é daquelas do tipo “não nos responsabilizamos e quem acreditar que o faça por sua conta e risco”. Diz que Goulart “teria sido” internado em agosto.

A fuga à informação precisa é praxe em todo o portal que publicou a notícia (no que, aliás, não difere dos outros). No setor “Celebridades”, o título é “Suposta foto de Kristen Stewart nua vaza na internet”. Bem, ou a foto vazou ou não vazou; ou é de Kristen Stewart ou não é (no caso, seria de uma irmã gêmea, já que é igualzinha). Aquela providência jornalística que resolveria o problema – um telefonema para a assessoria da artista, perguntando se a foto é dela ou não – sequer é mencionada na matéria – ou suposta matéria, como supostamente preferiria o suposto editor da suposta informação.

E há uma terceira não notícia rigorosamente notável, também da internet:

** “Noiva se acha gorda e perde 73 kg em 2 anos”

Se a moça pode perder 73 kg sem problemas, ela não se achava gorda: ela era gorda.

 

E eu com isso?

Que mensalão, que nada! Discursos gigantescos, quando a única coisa que interessa mesmo é o “culpado ou inocente” – e os infindáveis fundamentos jurídicos da resposta poderiam entrar na internet, para conhecimento e debate dos verdadeiramente interessados. A sessão na TV é mais chata que transmissão de jogo de golfe. Então, busquemos as notícias que talvez não mudem muito a nossa vida, mas que pelo menos entrarão na conversa, ao lado da ladroeira do mensalão:

** “Michel Teló elogia cabelo da namorada: ‘Ficou maravilhosa’”

** “Toda coberta, Madonna passeia com o namorado e os filhos”

** “Isis Valverde saiu para beber com as amigas em bar do Rio de Janeiro”

** “De topless, Kate Moss curte praia da Espanha com o marido”

** “Preta Gil faz show com famosos em São Paulo”

** “Leonardo di Caprio se diverte com lagostas em set de filmagem”

** “Filhos Kim Kardashian exibe o corpo num maiô branco”

** “Filhos de famosos esbanjam estilo em festa na capital paulista”

** “Penélope Cruz vai toda de vermelho a première de filme”

** “Loreto e Débora Nascimento se beijam no Rio”

 

O grande título

Semana rica em títulos estranhos. Por exemplo, numa reportagem sobre a onda de frio no estado de São Paulo, um jornal de grande circulação informou:

** “Quem havia guardado o casaco teve de colocá-lo de volta no armário”

E antes da volta do frio, onde será que o casaco era guardado?

Ou, numa importante editoria econômica,

** “País ganha 100 mil desempregados em agosto”

Que presente curioso! Não parece aquilo que Luzia ganhou atrás da horta?

No noticiário sobre as novidades no singular mundo dos modismos, saiu na internet, em portais de grandes veículos de comunicação:

** “Rosquinha ‘injetada’ na cabeça é a nova moda no Japão”

O caro leitor pode não acreditar, mas quem aplica a rosquinha na testa fica mais feio que senador com cueca vermelha para fora do terno.

E, no noticiário policial, o melhor da semana:

** “Suspeito de matar ex degolada pode ter sido coagido, diz defesa”

Ex degolada? Nem aquele ministro que revoga o irrevogável conseguiria revogar a degola. E por que, realizado o inédito feito, alguém a teria matado?

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[Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados]