‘Alguns analistas afirmam que os novos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo equiparam-se a uma guerra civil; outros argumentam que o grupo criminoso pode ser comparado a uma organização terrorista, pela forma coordenada e disciplinada como age. O fato é que a tensão desencadeada pelo desafio aberto ao Estado levou a um descomedimento na linguagem política. Na edição de quinta-feira, a Folha de S.Paulo estampou em manchete de página: ‘(Jorge) Bornhausen diz que desconfia de elo entre PT e PCC’, reproduzindo declarações do presidente nacional do PFL, nas quais ele afirma que o Partido dos Trabalhadores ‘pode estar manuseando, manipulando essas ações (criminosas)’. Na sexta-feira, os principais jornais do País destacaram a mesma informação, com o candidato a presidente Geraldo Alckmin e o candidato a governador de São Paulo José Serra, ambos do PSDB, jogando mais lenha na fogueira das acusações contra o PT.
Se os denunciantes fossem pessoas, digamos, comuns, as declarações seriam recebidas com reservas, certamente deixariam de ser publicadas. O que levou, então, os jornais a divulgarem acusações gravíssimas, sem nenhuma prova, e sem ligação aparente com a realidade? Sem dúvida nenhuma, foi a importância política dos acusadores. Bornhausen preside o partido que, ao lado do PSDB, forma a principal força de oposição ao Governo federal. Do PSDB, são Alckmin, candidato a presidente, e Serra, na disputa pelo Governo de São Paulo, tendo já também pleiteado a Presidência da República em eleição passada. Como proceder quando pessoas de tamanha importância política fazem declarações públicas, ainda que pareçam despropositadas? Deve-se ignorá-las ou publicá-las?
Com destaque em outros periódicos, as acusações contra o partido governista foram publicadas discretamente neste jornal. O editor de Política, Erick Guimarães, diz que O Povo vem adotando ‘um tom mais cauteloso do que a maioria dos jornais’ ao abordar a sucessão de denúncias e escândalos que surgem a cada dia. ‘Isso vale para o Governo federal (no caso do mensalão), vale para partidos de oposição (sobre a lista de Furnas) e para escândalos que atingem os partidos de forma indiscriminada (a CPI das Sanguessugas).’ O editor diz redobrar os cuidados sobre os temas nacionais, quando o jornal não tem controle sobre o material produzido, pois tem de se valer das agências de notícias. Apesar da cautela, o jornal acompanha o dia-a-dia e faz a cobertura cotidiana da crise, tendo ‘papel ativo’ quando há envolvimento de políticos do Ceará, diz Erick.
Quanto ao caso específico, das acusações de líderes do PFL e do PSDB contra o PT, o editor diz reconhecer a ‘importância política dos denunciantes’, mas que, até o momento eles levantaram apenas suspeitas, sem o suporte de um fato concreto. ‘Estamos diante de um quadro social extremamente grave, que pede o máximo de seriedade e cobra responsabilidade dos agentes políticos.’
É acertada a iniciativa do O Povo em se acautelar frente à avalanche de denúncias, nem sempre vindas de fontes confiáveis. Em casos como esse, talvez seja melhor pecar pela falta do que pelo excesso, pois esse é mais difícil de corrigir.
Ainda que seja dificultoso fazer uma crítica acabada à decisão dos jornais que deram destaque às acusações contra o PT, é preciso registrar a estranha passividade dos jornalistas, reproduzindo graves denúncias, sem provas, e sem ao menos confrontar os denunciantes com suas próprias palavras. Perguntas bem-postas poderiam ajudar a desnudar a fragilidade de algumas acusações, ou, por outro lado, mostrar a sua solidez, caso encontrassem eco na realidade. Os jornais têm de ter claro que, na situação de descrédito em que vivem os políticos, qualquer incriminação parece verossímil, o que é diferente de ser veraz – e o jornalista tem dever inescapável para com a verdade. Se um jornal não pode desconsiderar declarações de políticos influentes, tem a obrigação de investigar a veracidade das acusações que publica, de contextualizá-las, confrontá-las com a realidade. A palavra é o principal instrumento de embate político – e também do jornalismo – e sua degradação pode se transformar em ameaça à democracia.
Pauta oficial
De um leitor recebi correspondência, na qual ele diz ‘estranhar’ a cobertura ‘generosa’ que o jornal vem dando à administração municipal de Fortaleza. Segundo ele, a Redação estaria ‘se deixando pautar pelo press-release (material informativo distribuído aos jornais) da Prefeitura’. Ele exemplifica com a edição de sexta-feira, na qual, das 15 notícias publicadas na editoria de Cotidiano, seis referem-se à Prefeitura de Fortaleza. Instado pelo leitor, verifiquei todas as edições da semana, a partir de 8/7 (sábado). De fato, confirmei as suas observações, mas não relativas unicamente ao município: grande parte das matérias eram sobre atividades da Prefeitura, do Governo do Estado ou de outras instituições, demonstrando que o jornal vem investindo pouco em pautas próprias, predominando notícias sobre atos oficiais ou oficiosos. Alguns dos títulos publicados na semana: Operação (da Prefeitura) retira obstáculos de calçadas (14/7); Festa na praça nos 16 anos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente (14/7); Secretários de Saúde definem pacto de gestão (13/7); Atividades especiais marcam 16 anos do ECA (13/7); Prefeitura inicia limpeza do calçadão da Beira Mar (12/7); Dia especial no Parque do Cocó (10/7); Projeto leva brincadeira para crianças do Lagamar (9/7); Modelo de gestão (nas escolas estaduais) será ampliado (8/7).
Por último deixei Torres reduziram a zero assaltos e afogamentos (13/7), sobre uma iniciativa da Secretaria de Segurança Pública em instalar vários postos de vigilância na areia da Praia do Futuro. O enunciado do título sustentou-se apenas na declaração do militar responsável pelo projeto, sem nenhuma estatística ou levantamento que pudesse oferecer algum tipo de comparação ou comprovar a eficácia do trabalho. Como escrevi no comentário interno, não se trata de desconfiar da palavra da autoridade responsável, mas um texto jornalístico precisa de bases mais seguras para ser publicado.’