Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guálter George

‘Pedirei licença ao leitor para voltar a ocupar o espaço da Coluna de hoje com os mesmos assuntos abordados domingo passado. É que, ao longo da semana, recebi novas manifestações que entendo merecerem vir a público sobre a discussão em torno das modificações no Plano Diretor de Fortaleza e a acusação de torcedores do Ceará de que O Povo manifesta uma tendência tricolor no seu noticiário esportivo.

Primeiro vamos à nova manifestação dos arquitetos Joaquim Cartaxo e Romeu Duarte Júnior, que se consideram insatisfeitos com o tratamento dado ao assunto pela Coluna. Pra começar, segundo avaliam, ‘houve uma tentativa de distorcer as palavras dos responsáveis pela coordenação do Plano, acusados de jogar a culpa pelo malogro da discussão sobre as costas das pessoas situadas fora do círculo da arquitetura e do urbanismo, como se estas não tivessem direito à sua opinião e à livre manifestação e, efetivamente, não morassem nesta cidade. Nada mais falso’. Cartaxo e Romeu dizem defender – e consideram que a Coluna escondeu o real pensamento deles – um debate que considere de forma equânime as visões de natureza política e técnica, ‘buscando construir uma opinião sem parcialidade’. As matérias do O Povo, continuam, ‘se limitaram a cobrir o aspecto de natureza política e, mesmo sob essa ótica, apenas questionando o processo de participação, principal dimensão a que as instituições citadas (IAB-CE, AGB e Nuhab) estão se referindo’. A queixa de ambos contra as entidades é que também elas centraram suas críticas na sentida falta de abertura à participação popular no processo. Tese, aliás, que também garantem infundada. ‘Apenas o IAB-CE chegou a apresentar um documento com propostas de conteúdo técnico relativos ao plano’, dizem, reclamando que o jornal não o tenha aprofundado.

Casa técnico e cada leigo em seu galho

Da mesma forma que fazer jornal é coisa para técnicos em jornalismo, apontam Joaquim Cartaxo e Romeu Duarte, ‘no caso dos planos diretores das cidades, (a elaboração) é uma atribuição específica de arquitetos e urbanistas, devidamente credenciados pelo sistema Confea/Crea’.

Ou seja, na história de que ‘técnicos ou leigos, todos fazemos parte’, haveria necessidade de distinguir o papel de cada um. Teria ficado a idéia, conforme a visão manifestada pelos arquitetos no novo documento, de que o Plano Diretor de Fortaleza era apenas ‘mais um perverso produto do final da `Era Juraci´ e, como tal, destituído de qualidade, seriedade e propósito, sem que se observasse com o mínimo de respeito o perfil dos técnicos e da instituição encarregados de sua elaboração’.

Finalmente, é reafirmado, em tom de lamento, o entendimento deles de que ‘O Povo não contribuiu para o perfeito esclarecimento da comunidade sobre a revisão do Plano Diretor de Fortaleza, influindo decisivamente para o desvirtuamento do seu debate, pela linha editorial que elegeu para a cobertura do evento, prerrogativa de qualquer veículo no modelo de comunicação do Brasil’.

O perfil é que aumentou a estranheza

Considero compreensível, em grande medida, o desabafo de Cartaxo e Romeu, críticos da cobertura que O Povo tem feito do projeto que coordenaram e, ainda, do tratamento que o Ombudsman deu ao assunto no domingo passado. É direito deles questionar o nosso material jornalístico, apontar suas falhas, se sentir vítimas delas… Tudo faz parte do jogo e nos cabe entender assim. O que continua estranho, pra mim, é a insistência em desqualificar as críticas, dizer que pusemos muito leigo pra falar, sugerir cadernos especiais e reclamar que o debate ficou torto porque focou preferencialmente o viés político quando se deveria priorizar o aspecto técnico. O jornal não se preocupou em fazer tal separação e nem acho que deveria, pois há um contexto só, no qual todos estamos inseridos, técnicos e leigos, arquitetos e jornalistas, Poder Público e cidadãos. Pra encerrar, quanto à queixa de que nem mesmo o respeitável perfil dos técnicos e da instituição foi considerado nas críticas, imagino o contrário do que é considerado no novo manifesto dos arquitetos. Ou seja, é exatamente o perfil dos profissionais e da instituição que justificaria o espanto geral com a sentida falta de discussão no processo de elaboração da revisão do Plano Diretor de Fortaleza.

Todo desprezo às mentes apaixonadas

Sobre a ‘briga’ entre torcedores do Ceará e O Povo, recebi na semana um e-mail do editor-adjunto do Núcleo de Cotidiano, Paulo Rogério, que vem a ser o responsável direto pelas páginas de Esporte. Saindo um pouco do aspecto pontual, destaco o trecho a seguir no texto por ele encaminhado para a reflexão que farei na seqüência: ‘esta versão de que O Povo é Fortaleza e o Diário, Ceará, é coisa da mente apaixonada de torcedor. Há muito colocamos uma pedra nos e-mails e telefonemas provocativos. Faz parte do folclore do futebol e de um passado onde a ética não era uma das posturas muito adotadas. Cada torcedor quer preservar o seu lado. Recentemente publicamos um caderno dos 90 anos do Ceará e fomos criticados pelos torcedores tricolores. Depois, denunciamos os problemas de empresários no Ceará e fomos outra vez criticados por alvinegros. Em outra oportunidade, foi a diretoria do Fortaleza que criticou a Editoria de Esportes, em carta-resposta, desqualificando nossos repórteres e insinuando que o assunto não deveria ter sido publicado por não ser a época certa. Acredite, tem leitor-torcedor que conta a centimetragem dada ao seu time na página, comparando-a àquela do rival. Tem gente, inclusive, que evita comprar O Povo porque a empresa tem as cores branca, azul e vermelha no logo da capa. Inventam ainda, de tempos em tempos, boicotes, com e-mails intimidativos’.

O torcedor ideal ainda está pra nascer

O que preocupa na manifestação do editor Paulo Rogério? A demonstração nela inserida de que a Redação faz pouco caso do incômodo de leitores, quando estes chegam até ela na forma de torcedores. O que move o esporte é a paixão, mais ainda o futebol, que se alimenta de rivalidades como a que divide grande parte dos cearenses entre alvinegros e tricolores. É inaceitável, diante disso, um argumento que indique uma postura de menosprezo à reação das pessoas diante do que o jornal publica, com base na prévia conclusão de serem resultado do que pensa ‘uma mente apaixonada’. Já deveríamos ter entendido, enfrentando a problemática há tanto tempo, que o torcedor é, essencialmente, apaixonado, passional, injusto, muitas vezes. Cabe-nos encontrar uma maneira respeitosa de convivência com ele, começando por considerar suas queixas e manifestações. O Povo, diante da maneira como informa seu editor de Esportes que reage ao que entende ser provocação dos leitores que são torcedores, precisa de uma reflexão interna quanto à postura que hoje decidiu adotar, a partir de um juízo de valor pré-estabelecido em reação àqueles que o procuram insatisfeitos com seu noticiário setorial. O torcedor que parecemos idealizar, racional e coerente, inexiste aqui ou em qualquer outro lugar do mundo.’