Eric Hobsbawm morreu aos 95 como o mais respeitado historiador britânico do último século. Marxista desde jovem, teve sua obra reconhecida e discutida por intelectuais de todas as matrizes ideológicas. No Brasil, suas obras marcaram gerações de historiadores e leitores interessados nos séculos XIX e XX nas últimas quatro décadas. O reconhecimento de sua obra não se deveu a oscilações de ideias ou negações de princípios, ao contrário, seus livros se sustentam por uma consistente forma de ver e ler seu próprio tempo e uma monumental erudição. Hobsbawm deu aos leitores um vasto e meticuloso painel histórico sem abandonar seu lugar político de historiador marxista. Essas qualidades eram tão importantes para os britânicos vivendo o duro período Thatcher como para os jovens historiadores brasileiros se formando nos anos finais da ditadura.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, Hobsbawm envolveu-se no esforço de guerra inglês ajudando a construir as defesas contra a possível invasão alemã. Em 1943, se casa com Muriel Seaman. Após a guerra, volta a Cambridge e passa a estudar os movimentos políticos e operários do século XIX. Em 1947, conseguiu seu primeiro emprego efetivo, como professor de história no Birkbeck College, em Londres, onde permaneceu grande parte da vida.
Os intelectuais britânicos de sua geração foram membros efetivos do Partido Comunista Britânico (PCGB). Sua principal questão era combater uma leitura simplista e mecânica dos escritos de Marx e Engels. Essa geração, da qual podemos citar E.P. Thompson, Raymond Williams e Christopher Hill, procuravam ligar a teoria marxista com a prática política. Sua grande contribuição foi dirigida a escrever a história do ponto de vista do povo, revivendo as tradições de radicalismo que haviam, ao longo do tempo, desafiado a ordem estabelecida. A crise gerada pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, no qual foram denunciados os crimes do stalinismo, levou ao rompimento de muitos intelectuais com o partido.
A crise do marxismo europeu da década de 1950 deu origem, na Inglaterra, ao movimento que se auto-intitulou Nova Esquerda (New Left). Embora Hobsbawm não fizesse propriamente parte do movimento, sendo por vezes crítico em relação a ele, intelectualmente compartilhava de várias de suas premissas. Uma delas é a do diálogo com outras tradições do marxismo. Hobsbawm buscou afastar o marxismo do pensamento determinista.
Suas obras mais influentes foram a tetralogia sobre os séculos XIX e XX, a obra sobre o jazz e "A invenção das tradições", organizada com Terence Ranger. Coerente com sua história, Hobsbawm definiu a cronologia do século XX como o "breve século", associando-o ao momento político do socialismo. Até seus últimos momentos foi um crítico firme e sereno do tempo presente e sua história pessoal se confunde com a do século em que viveu.
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[Maurício Parada é professor de História Contemporânea da PUC-Rio]