Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia e o PT em três registros

1. A chamada – Brilhante a maldade que O Estado de S.Paulo fez na sexta-feira com o ministro da Casa Civil José Dirceu.

A maldade foi publicar um artigo dele, na principal página da Política, favorável à instalação de CPI.

Brilhante foi chamar o artigo na primeira página, sob o título ‘CPI pode apontar os culpados; daí o medo do governo’, com o byline José Dirceu entre fios e o texto de 10 linhas, em itálico:

‘Salta à vista o absurdo da lógica palaciana. O Executivo pode investigar, o Judiciário e o Ministério Público também podem, mas o Legislativo não. A verdade nua e crua é simples, a CPI tem poderes que desvendam a corrupção, prova e aponta os responsáveis. Daí o medo do governo… Quanto à economia, a crise nada tem a ver com a CPI’ .

Só então, o aturdido leitor fica sabendo que o artigo data de 29 de março de 2000 e a CPI que Dirceu queria era para investigar o secretário presidencial Eduardo Jorge Caldas Pereira.

2. A entrevista – Na entrevista de baixos teores calóricos que a Veja fez com ele e que rendeu a capa ‘Não vou sair do governo’ – com um retrato que, pela doçura da fisionomia do retratado, podia perfeitamente bem fazer parte da ‘agenda positiva’ do presidente Lula – faltou perguntar:

** Waldomiro Diniz pediu dinheiro em 2002 – quando o senhor era presidente do partido – para dois candidatos petistas a governador, Benedita da Silva, no Rio, e Geraldo Magela, no Distrito Federal. O senhor admite a possibilidade de alguém do PT ter pedido que ele o fizesse? Se não, como o senhor explica o fato?

** O ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, disse que levou aos dirigentes da campanha de Benedita da Silva a versão de que Waldomiro, presidente da Loterj, recebia 300 mil reais mensais do pessoal do bingo. Disse também que, tempos depois, ao se encontrarem, o senhor teria dito: ‘Soube que você anda criando dificuldades para nós no Rio de Janeiro’. O senhor confirma a conversa e o contexto em que usou a palavra ‘dificuldades’?

Passou batida também a afirmação do ministro de que o senador Almeida Lima (PDT-SE), ‘daquela maneira irresponsável’, foi quem ‘levou ao conhecimento do país’ um inquérito sigiloso da Polícia Federal do Rio sobre Waldomiro em 2002.

A história do inquérito já tinha saído no Estado de 27 de fevereiro, na reportagem ‘Documento revela desvios de Waldomiro na Loterj’, de Luciana Nunes Leal.

3. A nota – A nota do PT em defesa do seu ‘patrimônio ético’, publicada nos jornais de sábado, diz que ‘o PT, o companheiro Zé Dirceu, dirigentes do partido e o governo Lula se tornaram alvos de uma campanha sistemática, orquestrada por setores da oposição e da mídia’. A acusação, com as mesmas palavras, aparece duas vezes no texto.

É uma torpeza. Nenhum ‘setor da mídia’ está ‘orquestrando’ coisa alguma contra o governo, o seu partido e os seus companheiros.

O que a imprensa fez, a começar da revista Época, foi contar o que conseguiu apurar das falcatruas de um cidadão que ‘o companheiro Zé Dirceu’ conhece há 12 anos, chegou a coabitar com ele, apadrinhou-0 para a presidência da Loterj e o nomeou para ‘coordenar e articular’ a sua ‘relação com os deputados e senadores para as votações’, com ele falando todos os dias e despachando toda semana (Dirceu, na Veja).

A imprensa também cobriu, no dia-a-dia, as desastradas tentativas do governo e do partido de asfixiar o Waldogate. Não publicou um único editorial que pudesse ser identificado, mesmo remotamente, com ‘uma campanha sistemática’ contra o governo. Abriu espaço, nas páginas de Opinião, a artigos críticos – um deles falando até na ‘ruína moral’ do PT. Mas abriu espaço também para outros tantos artigos de luminares petistas, contestando aqueles outros.

A imprensa continua em dívida com o público por não ter ainda reconstituído a trajetória da fita de Carlinhos Cachoeira até a sua divulgação na Época – o que poderá acender um tremendo holofote sobre interesses e interessados no caso.

Mas ou o PT troca a acusação sem provas por provas de que a acusação não é uma calúnia – ou a mídia inteira, e não apenas os tais não identificados ‘setores’, tem o direito de achar que o ‘patrimônio ético’ do partido acabou de sofrer uma maxidesvalorização.

[Texto fechado em 6/3/04, às 19h31]