Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A mídia vista sob a lente dos observatórios

Enquanto a maioria apenas lê, assiste ou ouve um noticiário, há muita gente ocupada em avaliar o tipo de cobertura, enfoque, possíveis intenções e interesses, erros e acertos dos responsáveis por sua veiculação. ‘Ler a mídia de forma crítica, apontando deslizes, ressaltando coisas positivas e contribuindo para o seu aperfeiçoamento’ é a principal meta dos observatórios de imprensa, segundo o professor Rogério Christofoletti, um dos pesquisadores do Monitor de Mídia, mantido pelo curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina.

A iniciativa desses observatórios ganhou um importante reforço no final do ano passado, com a instituição da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi), que já conta com mais de 40 pesquisadores, de 16 estados brasileiros. Discutida desde 1998, a Renoi foi oficializada entre os dias 27 e 29 de novembro de 2005, em Florianópolis, durante o 3º Encontro Nacional da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor), que reuniu quase 200 participantes.

Em entrevista ao Trama Universitário, o professor Rogério Christofoletti fala sobre a atuação dos observatórios, das relações entre eles e da importância das análises atingirem um número cada vez maior de pessoas, especialmente aquelas que estão fora das universidades.



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Para quem não conhece, como poderíamos definir o que é um Observatório de Imprensa?

Rogério Christofoletti – É uma instância que analisa os meios de comunicação, que faz uma leitura crítica da mídia. Um grupo de profissionais pode constituir um observatório, como é o caso do mais famoso no Brasil: o Observatório da Imprensa. Professores, pesquisadores e estudantes de Comunicação podem também fazer esse trabalho e constituir um observatório, como é o Monitor de Mídia ou o Canal da Imprensa. Mas cidadãos comuns e organizados também podem fazer isso, como ONGs também. É o caso da Andi, que foca a sua análise na cobertura de assuntos que interessem e promovam os direitos da criança e do adolescente. Podem mudar as metodologias de análise, os alcances, os formatos e as linhas editoriais, mas os observatórios de imprensa têm sempre algo em comum: ler a mídia de forma crítica, apontando deslizes, ressaltando coisas positivas e contribuindo para o seu aperfeiçoamento.

Quantos observatórios de imprensa existem em universidades brasileiras hoje? E fora delas, quais as organizações semelhantes?

R. C. – Não há ainda um levantamento definitivo sobre isso, até porque há diversas iniciativas sendo geradas nesse momento. Mas hoje, existem umas oito experiências em curso nas universidades. A saber: Canal da Imprensa (Unasp); Monitor de Mídia (Univali); Análise de Mídia (USC); Mídia e Política (UnB); SOS Imprensa (UnB); Observatório Brasileiro de Mídia (USP); Mídia Fórum (Umesp) e Telejornalismo.com (Uerj). Fora da universidade, temos: Observatório da Imprensa, de Alberto Dines e companhia; Instituto Gutenberg, do Sérgio Buarque de Gusmão; Telejornalismo em Close, do Paulo José da Cunha; De Olho na Mídia, versão brasileira do Honest Reporting; Em OFF, que analisa a imprensa cearense; e Andi, ligada aos direitos das crianças e adolescentes. Mas embora se contabilizem apenas oito experiências de observatórios de mídia nas universidades, temos pelo menos outras 10 iniciativas espalhadas pelo país, na tentativa de se construir mecanismos semelhantes. Penso que a Rede Nacional de Observatórios de Imprensa que estamos constituindo vai ajudar a pavimentar essas outras iniciativas.

Como é a relação entre eles (e como era, antes da criação da Renoi)? Há troca de informações e conteúdo?

R. C. – A troca de experiências e informações sempre se deu. Isso porque os pesquisadores se encontram nos eventos científicos, apresentam suas pesquisas, se conhecem, estreitam laços e tal. Entretanto, com a criação da Renoi, isso tudo facilita. Através de uma lista eletrônica cambiamos informações, planejamos atividades em conjunto, organizamos publicações e ainda elaboramos projetos de pesquisa inter-institucionais.

Quando surgiu a idéia da Renoi e de quem ela partiu? Como foi sua concretização? Há grande adesão?

R. C. – Ela é uma idéia antiga. Os coordenadores do Observatório da Imprensa já pensavam nela em 1998 [ver remissão abaixo], e uma chamada para projetos do tipo foi feita já no século 21. Entretanto, faltava algo, alguma motivação ou mesmo uma conjunção de fatores que pudesse motivar certos atores sociais para buscarem um projeto coletivo como esse. Isso aconteceu em 2004-2005, quando passamos a conversar mais sobre essa possibilidade. Oficialmente, a Renoi foi lançada em novembro do ano passado, durante o 3º Encontro da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo. E estamos neste exato momento fechando um cronograma de atividades para 2006. A adesão é boa. Temos 41 pesquisadores, de diversas instituições brasileiras. São 16 estados e todas as regiões estão contempladas. Temos universidades públicas – estaduais e federais –, confessionais, comunitárias e particulares.

Como é a atuação da Rede? E quais seus objetivos principais?

R. C. – Ela pretende ser uma rede formada por observatórios regionais. Mas há muito mais a ser dito. Portanto, aconselho que clique aqui e vá ao menu à direita e busque Renoi. Lá temos o documento de lançamento e mais alguns textos que balizam nossa atuação. É muito mais completo.

Existem temas principais ou qualquer tipo de matéria pode ser analisada por um observatório? Há alguns especializados em algum veículo ou todos analisam conteúdo de TV, rádio, impresso e internet?

R. C. – Alguns observatórios ainda estão se consolidando, buscando um perfil mais apurado. O Mídia e Política, por exemplo, se concentra nisso; nós, do Monitor de Mídia, nos interessamos pelos jornais catarinenses e pela mídia local; o Canal da Imprensa prefere ter um escopo mais nacional, e aí a coisa vai…

Qual a importância de um observatório de imprensa, especialmente em uma universidade?

R. C. – A universidade tem um papel que nem sempre é bem lembrado pela sociedade: oferecer crítica e propor soluções. Por isso, é necessário fazer leituras criteriosas de certos cenários, observar e identificar tendências, movimentos e atores e criar saídas, propor soluções aos problemas. No caso do jornalismo, não é diferente. Podemos sim contribuir para um aperfeiçoamento das práticas jornalísticas, dos procedimentos profissionais e das condições em que se estabelece a relação com o público. A universidade, por outro lado, e por sua própria natureza, pode executar essas tarefas num ambiente que lhe permita um alto grau de independência, uma relativa autonomia e um gradiente maior de liberdade de ação e propósito.

Um observatório de imprensa é capaz de mudar os rumos de um veículo de mídia, pode provocar algum tipo de reação pública que leve à mudanças efetivas? Se sim, o senhor poderia citar algum exemplo ou caso específico?

R. C. – Penso que sim. Gradativamente, a crítica é absorvida e vai motivando mudanças reais de comportamento, afetando as rotinas produtivas, restabelecendo novas prioridades. É difícil medir qual o impacto do Observatório da Imprensa na mídia nacional, mas pense se ele não existisse… um exemplo de como as coisas podem mudar se deu em 2005-2006 na Rede TV!. Os programas do João Kleber sempre estiveram entre os mais criticados pelos cidadãos que se envolveram com a campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’. A justiça determinou a mudança de horário; determinou outras mudanças e nada se deu. A Rede TV! chegou a ficar fora do ar por 25 horas na cidade de São Paulo por conta disso. Aí, a Justiça foi mais longe e suspendeu o programa por um tempo, exigindo que o mesmo horário fosse ocupado por programas educativos. Bem, até dia 20 de janeiro, tínhamos, das 16h às 17h, na Rede TV!, o programa Direitos de Resposta, que cumpriu muitíssimo bem esse papel (para mais informações, clique aqui). É um exemplo histórico de como podemos mudar a TV no Brasil, exigindo qualidade de conteúdo e forma. E se mudamos a TV, mudamos qualquer mídia.

De que forma é divulgado o resultado das análises?

R. C. – Cada observatório tem a sua sistemática. O Monitor de Mídia faz isso quinzenalmente.

Como o senhor acha que seria possível levar essas análises a um número maior de pessoas, especialmente aqueles que não freqüentam a universidade?

R. C. – É uma questão com a qual estamos nos debatendo há meses. No nosso caso, devemos estrear um programa de TV (TV a cabo em Itajaí, SC) em 2006, tentando ampliar nosso alcance. Mas é preciso ir mais além…

Recentemente temos visto muitos questionamentos sobre certos veículos. O senhor acredita que a credibilidade da imprensa está deixando de ser uma espécie de dogma? E como ampliar essas discussões?

R. C. – Sim. Há pesquisas que comprovam que o descrédito vem crescendo e que poucas são as instituições que ainda gozam desse prestígio (acho que só os Correios e a família estão isentos nisso). É preciso discutir isso seriamente. E discutir amplamente, levando o tema para além das fronteiras que definem o nosso mundinho acadêmico ou profissional.