A Funasa é a nova Sudam de Jader Barbalho? A resposta é sim, segundo O Liberal. O jornal dos Maiorana iniciou uma campanha para denunciar o uso político da Fundação Nacional de Saúde. O favorecimento a prefeitos do PMDB, além de servir eleitoralmente à campanha do ex-senador neste ano, poderia vir a descambar em desvio de recursos públicos semelhante ao que levou o governo de Fernando Henrique Cardoso a extinguir a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia.
Aparentemente, o jornal tem razão. De 71 convênios assinados pela Funasa no ano passado, 27 foram com prefeitos do PMDB, o que representa quase 40% do total. A desproporção, relativamente ao peso político do partido no Estado e à população dos municípios que controla politicamente, se acentua em termos de valores: os 27 convênios do PMDB somam quase 20 milhões de reais, enquanto os 12 convênios com o PTB, o segundo partido mais bem servido, totalizam menos de 9 milhões de reais. O repasse para os oito convênios do PSDB ficou abaixo de 6 milhões de reais.
A orientação política aparece ainda mais nítida quando se verifica que para Ananindeua foram reservados 9 milhões de reais, enquanto para Belém foram destinados 7,7 milhões de reais. Ananindeua, com um terço da população da capital, tem como prefeito o filho do ex-governador, Hélder Barbalho. A um município peemedebista de menor expressão demográfica, como Aveiro, foram previstos 1,1 milhão de reais. Floresta do Araguaia será contemplada com 1,2 milhão de reais.
Nem essas evidências, entretanto, permitiriam à folha dos Maiorana considerar como fato consumado o que ainda é possibilidade ou, por outra ótica, ameaça. O claro favorecimento ao PMDB pode ser atenuado se houver fundamento técnico em cada convênio capaz de contrabalançar o fator político. Mesmo este não é tão escandalosamente tendencioso quanto parece. O PSDB, por exemplo, mesmo sendo o principal adversário nacional do PT, recebeu três vezes mais recursos do que o Partido dos Trabalhadores. O PTB teve um valor médio de convênio equivalente ao do PMDB, certamente por ser aliado nacional do governo Lula, embora adversário frontal dos petistas no Estado.
Cartas não-publicadas
De qualquer modo, as críticas feitas por O Liberal à Coordenadoria Regional da Funasa teriam o salutar sentido de advertência e ameaça contra o desvio da função pública, que estaria começando a se delinear. O problema é a tendenciosidade explícita do jornal: sua campanha não visa atender ao interesse público – apenas ou principalmente. Aliado do PSDB paraense, o jornal ataca os peemedebistas para favorecer os tucanos. Por isso publica meias verdades ou mentiras. E não vai ao fundo da questão, tratando-a superficialmente, conforme seu interesse.
Politicamente a Funasa vem sendo usada há bastante tempo. Rosimery Teixeira, esposa do deputado estadual Luís Cunha, era a coordenadora, quando o ex-prefeito de Tucuruí pelo PMDB, Parsifal Pontes, assumiu o cargo, em outubro, por indicação de Jader Barbalho. Muitas das irregularidades e erros noticiados pelo jornal como fato mais recente são desse tempo, alguns com origem ainda mais remota.
Se os convênios que Parsifal assinou a partir dessa data têm outro vício além de eventual tendenciosidade política, o jornal não mostrou. Independentemente de alguma mácula de origem, a dilapidação do patrimônio público ainda não existe porque os recursos não foram liberados. No caso de Marituba, município da Grande Belém administrado pelo PSDB, sequer o convênio foi assinado. A alegação apresentada oficialmente é de que a documentação necessária não está pronta. Esse seria o maior de todos os convênios, no valor de 12 milhões de reais. Se o entrave não existisse, embora com menor número de convênios do que o PMDB, o PSDB chegaria a um valor próximo, de quase 18 milhões de reais.
Naturalmente, o ideal da boa gestão pública é que o dinheiro do povo seja aplicado em seu proveito com rigor técnico, critério de justiça e eqüidade. Raramente, porém, isso acontece. Quem destina os recursos procura tirar vantagens de sua aplicação. O governo Jatene favorece os administradores tucanos com as verbas próprias. Quando investe em área adversária, se empenha atrair os dividendos do gasto para si, como os órgãos federais, à semelhança da Funasa. Se não há malversação de dinheiro público nem os critérios de aplicação são invertidos (ou pervertidos), e o usufruto político é compatível com princípios de gestão, esse é o tipo de ação que prevalece nos regimes políticos, seja no Pará, em São Paulo ou em Nova York.
Não há esse tipo de ponderação na campanha desencadeada por O Liberal. O jornal está convencido de que a Funasa é o novo bunker do inimigo, que é tanto concorrente comercial quanto adversário político das Organizações Romulo Maiorana. Como guerra é guerra, o jornalismo foi deixado de lado. Nas primícias de uma campanha política que se prenuncia violenta, matérias jornalísticas são usadas como mísseis: visam destruir o alvo escolhido e não informar o leitor.
Por isso, o jornal se recusa a publicar as cartas que lhe são enviadas pela Coordenadoria Regional da Funasa, estabelecendo uma proveitosa polêmica.
Campanha política
Numa das cartas não publicadas, por exemplo, Parsifal Pontes escreveu, através de sua assessoria de imprensa:
‘Depois que O Liberal, equivocadamente, denunciou irregularidade no projeto Alvorada, talvez achando que o mesmo se tratava de outra coisa e não do convênio assinado pelo então Governador Almir Gabriel, em 2001, o Coordenador Regional oficiou ao Ministério Público Federal, anexando uma cópia do dito relatório [elaborado pela Funasa na gestão anterior, em junho do ano passado, constatando irregularidades na execução do convênio], e enviou à Presidência da Funasa, em Brasília, pedido de instauração de Tomada de Contas Especial do Projeto Alvorada no Pará’.
Acrescentou o coordenador que…
‘…O Liberal dá a notícia de uma forma absolutamente capciosa, ultrapassando os limites da parcialidade jornalística, ao escrever uma manchete que leva o leitor a pensar que haverá uma devassa na Coordenação Regional, por alguma irregularidade nesta cometida: isto é algo que não se poderia pensar que um jornal que se diz sério pudesse fazer’.
Certamente o jornalista encarregado da tarefa poderia contraditar os argumentos da Fundação, alguns dos quais camuflam o compromisso político. Mas para isso as reportagens teriam que investigar mais profundamente do que fizeram até agora, preenchendo lacunas com fatos e substituindo insinuações por afirmativas, deixando de desenvolver o discurso do bandido de um lado e o do mocinho do outro, quando, a rigor, não há mocinho nessa história. De tal controvérsia o distinto público sairá mais bem servido do que se continuar a ser tomado como instrumento de uma campanha deliberadamente política, com muito pouco de jornalística.
Como já aconteceu nas últimas eleições, o jornal dos Maiorana tomou o seu partido, embora, na verdade, nunca o tenha deixado.
******
Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)