Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A queda de Russomanno e a derrota do jornalismo

O primeiro turno da eleição para prefeito de São Paulo chega ao fim com o candidato do PRB, Celso Russomanno, fora da segunda etapa do pleito, perdendo a força que tivera quando desfrutava de uma liderança confortável de acordo com o que mostravam pesquisas de institutos especializados. “Derreteu” dias antes do voto e foi ultrapassado pelo candidato do PT, Fernando Haddad, e pelo candidato do PSDB, José Serra.

Em coluna publicada em na quarta-feira (3/10), a jornalista da Folha de S.Paulo Vera Magalhães, editora da coluna “Painel”, usou uma boa frase que define o que ela, junto com o seu jornal, fez contra Celso: “Discursos de desconstrução de Russomanno”. A intenção aqui não é legitimar as propostas que Russomanno supostamente teria para a cidade, mas discutir o péssimo jornalismo feito pela Folha, aquele que não se aprende nas universidades.

Tudo porque Russomanno decidiu bater de frente contra profissionais da Folha em sabatina realizada com o candidato no dia 21 de agosto. Na ocasião, Russomanno revidou afirmações dos entrevistadores, que queriam impor opiniões em vez de deixar o entrevistado apenas responder às perguntas. Foi nessa sabatina que a Folha ajudou a distorcer uma frase do Russomano e iniciou a jornada recheada de matérias, colunas e editoriais com o objetivo de desmenti-lo.

“Eu não ataco pessoas”

Em certo momento, este diálogo foi travado:

Vera MagalhãesCandidato, o senhor é candidato, agora, pelo PRB, que é um partido que tem nos seus quadros uma forte influência da Igreja Universal do Reino de Deus. Igreja essa que também tem o controle da TV Record, onde o senhor tinha um programa até bem pouco tempo atrás, quando a lei eleitoral proibiu que continuasse no ar. Eu queria saber se a igreja vai ter um peso importante na sua campanha e no seu eventual governo, caso o senhor seja eleito. E se o fato de ter uma boa fatia do seu eleitorado vindo das hostes evangélicas, vai pautar uma parte das suas propostas. Como o senhor tem, por exemplo, pego muito em cima da coisa do “kit gay” para atacar o candidato do PT, Fernando Haddad. Eu queria saber se a sua campanha vai ser uma campanha com um viés evangélico, apesar de o senhor se dizer católico.

Celso Russomanno – Em primeiro lugar, eu não ataquei o candidato, ou melhor, eu não ataquei nenhum candidato até agora. Eu não fiz isso.

V.M. – O senhor tem usado bastante esse tema, criticado o MEC por ter feito isso.

C.R. – Eu não ataquei ninguém. Há políticas públicas que eu considero erradas. Eu não ataco pessoas. Eu não ataquei o candidato, não ataquei.

Fica clara a distorção da fala

Note que Vera diz que Russomanno atacou Fernando Haddad, enquanto que, verdadeiramente, a crítica foi ao projeto discutido. Mais adiante, poucos minutos depois, o tema igreja entra na conversa:

C.R. – Eu quero o apoio de todas as igrejas, todas elas são importantes, mas não só para a gente, na campanha, são para a sociedade. A igreja e a religião são a linha de conduta do ser humano. As pessoas não matam e não roubam não é porque a lei proíbe, é porque têm uma linha religiosa e eu quero preservar isso, para diminuir a violência, e vou fazer.

V.M. – O senhor acha que só quem tem religião não mata e não faz isso?

C.R. – Não estou falando que é só isso, eu estou falando que ajuda. E eu vou preservar, sim, todas as igrejas, regularizando a situação delas. E gostaria que, em cada quarteirão, houvesse uma igreja pregando o amor ao próximo, pregando o bem, porque isso é importante para a sociedade e quem não tem essa visão não vive nessa sociedade.

Perceba que Russomano fala “gostaria que, em cada quarteirão, houvesse…”, e não “… quero em cada quarteirão uma igreja”. O assunto voltou na sabatina e fica clara a distorção da fala.

“Vocês estão colocando palavras que eu não disse”

Leia também o esclarecimento do Russomanno:

Ricardo Balthazar (jornalista) – Tem a ver, também, diretamente com algumas questões que, se o senhor for eleito, o senhor vai ter que lidar. Por exemplo, há uma queixa recorrente de várias igrejas evangélicas quanto às dificuldades para obter registro na prefeitura, licenças para funcionar. E o senhor acabou de defender que uma igreja em cada quarteirão, ou duas, três, quatro etc. Eu acho que elas vão ficar bastante felizes com isso.

C.R. – Duas, três, quarto é por sua conta. Eu falei uma.

R.B. – É, o senhor falou uma em cada quarteirão.

C.R. – Se tivesse em cada quarteirão uma igreja, nós teríamos uma população que estaria menos voltada para o crime.

R.B. – Eu não conheço em detalhe a legislação municipal a esse respeito, mas imagino que existam restrições ao funcionamento das igrejas em todos os quarteirões.

C.R. – Eu não falei que vou fazer, eu falei que, se tivesse, nós teríamos a condução de uma sociedade mais justa. Que eu gostaria que isso acontecesse. Eu não falei que vou fazer. Me desculpa.

Bárbara Gancia (jornalista) – O senhor concorda que existem igrejas evangélicas que…

R.B. – Por isso que eu perguntei, para o senhor esclarecer.

C.R. – Vocês estão colocando palavras que eu não disse, que eu não coloquei. E essa prática de jornalismo… Eu também sou jornalista, conheço essa prática. Eu também sei fazer, só que eu não ajo dessa forma.

E Chalita, Haddad e Serra?

Esses trechos, apesar de fácil acesso, a imensa maioria da população paulistana não assistiu. Valeu o que a Folha entendeu ter acontecido na sabatina e colocou em seu site e no jornal impresso. O dito pelo não dito, vale o que o jornal afirmou. E o “desejo” virou “querer”. Encarar a Folha, Vera, Bárbara e Ricardo não foi uma boa estratégia do candidato do PRB – apesar de importante, porque não se rebaixou à prepotência de jornalistas que acham que estão acima da verdade e não aceitam ser contrariados.

Se a Folha fosse uma pessoa, o pensamento dela seria este: “Mexeu com a gente, agora vai ver! Vamos desconstruí-lo!” A primeira meta foi provar o que Russomanno negava constantemente o envolvimento da Igreja Universal em sua campanha. Aparentemente, um exercício jornalístico louvável – caso não houvesse esse viés e se fosse empenhado tanto rigor fiscalizatório com os outros candidatos. A matéria que encerrou essa batalha recebeu o título de “Russomanno usa estrutura da Universal na campanha“, estampada na edição de domingo, 9 de setembro. A prova final? Uma Kombi dentro do templo da Universal…

Ótimo trabalho da Folha. Porém o ângulo tendencioso da reportagem cria uma mancha na investigação.

A segunda etapa do citado “discurso de desconstrução” ficou a cargo de Vera, que focou nos projetos (ou falta deles) do Russomanno. O resultado está na coluna “Vamos falar de São Paulo?“. Outro trabalho magnífico, mas e as “desconstruções” dos projetos de Gabriel Chalita (PMDB), Fernando Haddad (PT) e José Serra (PSDB)?

Nada…

AFolha se aproximou do seu tamanho real

No dia 4 de outubro, quando uma pesquisa do Datafolha apontou empate técnico entre Russomanno e Serra, a Folha “comemorou” os números no espaço destinado à opinião do jornal: o editorial intitulado de “Virada paulistana“. Nele, está escrito:

>> “…agora nem a presença do candidato do PRB entre os dois primeiros pode mais ser dada como garantida”;

>> “Propostas esdrúxulas, como tarifas de ônibus escalonadas segundo a distância percorrida (desvantajosas para os mais pobres, que também moram mais longe) e um programa de governo superficial são meros sintomas desse quadro. Ainda que por estímulo da propaganda negativa, as pesquisas mostram um Russomanno mais próximo de seu tamanho real.”

Em vez de deixar Russomanno escorregar na sua própria sapiência, a Folha optou por responder. Assim se igualou ao alvo que atacou com vontade, cegamente, deixando qualquer princípio de bom senso de lado. O candidato do PRB terminou a eleição para prefeito da capital paulista com 1 milhão e 324 mil votos. Este é seu tamanho real? Na disputa para governador de São Paulo, em 2010, Russomanno contabilizou 1 milhão e 234 mil votos – em todo o estado!

A repercussão da queda de Russomanno pelo jornal teve exacerbada a opinião explícita contra o repórter/político. Uma questão teve seu compartilhamento em dois textos, a de que “(…) bastou que se jogasse luz sobre apenas uma de suas propostas mirabolantes: a da tarifa de ônibus maior para quem fizesse o trajeto maior” no artigo assinado por Vera Magalhães “Após flertar com ‘zebra’, São Paulo volta a decidir entre PT e PSDB“e no editorial “Por um triz“,com o ultimato: “(…) Aí foi abatido pelos próprios erros – como a desastrada proposta de calibrar a tarifa de ônibus pela distância percorrida, fadada a prejudicar pobres que moram longe”.

Será que a Folha sabe que no Recife (PE) existe tarifa escalonada? A discussão, se é uma proposta boa ou ruim, fica para outra oportunidade. Entretanto, é questionável o uso das palavras “mirabolante” e “esdrúxula”.

Conseguiu desmistificar quem não tinha estrutura para governar uma cidade/nação, iniciativa raivosa motivada pela afronta que o candidato teve em não se dobrar à arrogância dos formadores de opinião (ou seria “entregadores de opinião formada?). Dessa maneira, a Folha conseguiu o que queria: rebaixou-se de tal forma que, ela sim, se aproximou do seu tamanho real.

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[João da Paz é jornalista, São Paulo, SP]