Semana passada, a imprensa internacional deu grande destaque ao primeiro debate presidencial na TV entre os candidatos Barack Obama e Mitt Romney, realizado na noite de quarta-feira (3/10), em Denver, no Colorado. O debate teve um formato rigidamente estruturado: 90 minutos divididos em seis segmentos de 15 minutos focados em temas domésticos distintos.
Segundo os críticos e uma pesquisa da CNN (ver “CNN Poll: Most watchers say Romney debate winner“), o presidente Barack Obama teria sido o grande “perdedor”. Assisti ao debate e ficou evidente a imagem apática, desinteressada e talvez até mesmo entediada do outrora vibrante candidato que empolgou a América. Quatro anos de crise econômica, desemprego crescente e guerras infindáveis podem cobrar um alto preço.
Obama demonstrouuma postura defensiva, com linguagem corporal retraída, olhando muito para baixo, enquanto o candidato republicano não tirou o olho do presidente. A atitude agressiva e ousada de Mitt Romney parece ter rendido dividendos nas últimas pesquisas eleitorais. Agora, ele estaria tecnicamente empatado com Obama. Mas ainda restam dois debates na TV.
O primeiro presidente negro norte-americano talvez esteja realmente cansado e frustrado. Talvez ele não tenha se preparado para o embate e pode ter menosprezado seu opositor. Mas o pior é que talvez ele tenha ignorado o poder da televisão. E isso pode lhe custar a reeleição.
Televisão não elege ninguém, mas pode derrotar o candidato que não reconhece suas peculiaridades. A imagem da TV revela sonhos, frustrações e a alma das pessoas. Tem enorme possibilidade de sucesso o candidato ambicioso que almeja uma oportunidade, um lugar ao sol no cenário político, que se mostra vibrante e contundente diante das câmeras, um bom ator que não tenha nada a perder.
Por outro lado, o candidato introspectivo, consciente de seus limites e de seus fracassos – ou seja, um candidato mais honesto e realista –, talvez não consiga “enganar” o público e a TV. Talvez não consiga e não queira.
Truques
Na forma como são apresentados, os debates políticos são péssimos programas de TV. Não acrescentam nada à qualidade da programação. Em termos de conteúdo político, são ainda mais inúteis.
Se a realidade não ajuda, talvez a ficção indique alternativas. Em um dos melhores momentos da série televisiva de grande sucesso recente –Newsroom,da HBO –, o âncora Will McAvoy, emcrise de identidade profissional, e os jovens produtores encenam um novo modelo de debate político (ver aqui).
Ao invés das tradicionais perguntas “levanta a bola” dos mediadores e o engessamento do formato nos debates atuais, o novo modelo sugerido privilegiaria a entrevista agressiva e contundente conduzida pelo âncora. Perguntas não ficariam sem repostas ou explicações. Algo no melhor estilo do Hard Talk da BBC (ver aqui).
Nesse novo modelo de debate político, o jornalista não atuaria como simples mediador, mas como jornalista provocador. Ele faria as perguntas que todos nós sonhamos e desejamos fazer aos candidatos, mas que nunca são formuladas nos debates televisivos.
É óbvio que os marqueteiros dos candidatos, ao assistirem à demonstração do novo formato de debate, ficam enojados e resolvem enterrar a ideia inovadora. Afinal, eleição e debates na TV são sérios demais para serem deixados nas mãos de jornalistas, ainda mais de jornalistas em busca da verdade. Bem sabemos que política e eleição não têm nada a ver com a “verdade”.
Velho modelo
No passado, antes dos meios de comunicação de massa, os debates políticos eram realizados em praça pública. Eram os grandes momentos das campanhas eleitorais, mas não havia muitas regras. Valia quase tudo. Nos Estados Unidos, esses debates levavam dias e dias, revelavam grandes oradores e eram acompanhados com atenção por uma multidão de eleitores apaixonados pela política e interessados na argumentação dos seus candidatos. Candidato não era produto. Era orador político.
Com o advento do rádio, e principalmente da TV, os debates passaram a ser transmitidos ao vivo para milhões de eleitores. A imagem tomou precedência sobre a palavra. A forma passou ser mais importante do que a argumentação. O importante não é vencer o debate. O importante é não ser nocauteado pelo adversário ou pelo próprio nervosismo.
O importante é parecer o que não é. Se o candidato tem fama de bonachão, amistoso e até um pouco preguiçoso, na TV ele é instruído pelo marqueteiro de plantão a ser mais agressivo, mostrar-se senhor da situação e disparar muitas acusações e ironias.
Afinal, televisão não é necessariamente informação ou verdade. Televisão é, antes de tudo, emoção e impressão. É importante deixar o telespectador eleitor com a impressão de que o candidato é melhor, mais digno de confiança e, se possível, menos mentiroso do que o outro candidato. Afinal, são todos políticos.
Debate na TV é antes de tudo um jogo. O importante não é vencer. O importante é não perder. Não é à toa que muitos candidatos não comparecem aos debates na TV. Quando lideram por larga margem nas pesquisas, evitam o poder do meio. E quando em dúvida, os debates também podem ser cancelados com explicações duvidosas, como ocorreu em São Paulo (ver aqui).
No Brasil ou nos EUA, TV não elege. Mas pode derrotar o candidato que não conheça seus truques.
Após debate, Romney lidera intenção de voto
O excelente desempenho no primeiro debate presidencial das eleições americanas de 2012, na semana passada, rendeu ao ex-governador Mitt Romney a liderança nas pesquisas de intenção de votos. O republicano, que começou outubro com 8 pontos percentuais atrás do presidente Barack Obama, agora vence a disputa entre eleitores que deverão votar em 6 de novembro por 49% a 45%, segundo levantamento nacional divulgado pelo respeitado instituto Pew Research Center.
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[Antonio Brasil é jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina]