Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Fabiano Maisonnave

‘O surpreendente apelo para combater ‘as tiranias do mundo’ que marcou o início do segundo mandato do presidente George W. Bush foi o principal tema ontem dos editoriais dos jornais americanos. As interpretações do discurso de posse, porém, variaram tanto no tom crítico quanto na importância que deve ser dada à retórica do presidente.

O do ‘Washington Post’, intitulado ‘A Retórica da Liberdade’, comparou o ‘internacionalismo agressivo’ de Bush ao do presidente democrata Woodrow Wilson (1913-21), que levou os EUA à Primeira Guerra Mundial para deixar o mundo ‘seguro para a democracia’. ‘Mais wilsoniano do que conservador -e distante dos temas domésticos ‘de justiça e oportunidade’ sobre os quais ele falou quatro anos atrás-, o discurso de Bush prometeu um internacionalismo agressivo, que, se seriamente promovido, transformaria as relações com muitos países pelo mundo’, diz o texto.

Com acento crítico, o editorial diz concordar com a afirmação de Bush de que o governo americano se recusará a ‘ignorar’ e ‘perdoar’ a repressão em outros países, mas ressalva que ‘é uma política que, até agora, o sr. Bush não tem realizado’.

‘Ele tem apoiado a democracia quando coincidiu com outros interesses americanos, como no Iraque, no Irã e nos territórios palestinos. Quando a oposição à tirania está em conflito com as políticas econômicas ou de segurança -no Paquistão, no Egito, na Arábia Saudita, na Rússia, na China-, o governo Bush escolheu sistematicamente ignorar ou perdoar a opressão.’

O editorial conclui: ‘Qualquer um que avalie as palavras do sr. Bush ontem [anteontem] é levado a concluir que a política americana com relação a esses países, e muitos outros, esta à beira de uma mudança histórica. Do contrário, sua promessa das ‘maiorias conquistas na história da liberdade’ serão lembradas como grandiosas e vazias’.

Com um tom bem mais elogioso, o jornal econômico ‘Wall Street Journal’ também enfatizou a contundência do discurso. ‘Desde John Kennedy, em 1960, um presidente americano não fazia uma defesa tão ambiciosa e clara em favor da promoção da liberdade em casa e no exterior.’

O ‘WSJ’ afirma que as palavras de Bush serão notadas em ‘Riad, no Cairo, em Damasco, em Teerã e em Pequim, entre outros lugares’ e que não houve contradição com a política externa americana. ‘O sr. Bush está declarando -francamente e até para os nossos amigos-que o status quo ditatorial ameaça os interesses americanos e, portanto, a América não os sustentará.’

Já o ‘New York Times’ advertiu que as palavras de Bush não devem ser tomadas literalmente. ‘O dia da posse é sobre a Presidência, e não sobre o presidente’, afirma o editorial. Para o diário, Bush ‘desempenhou o seu papel’ ao ‘fazer um discurso que enfatiza os princípios básicos que unem o país’. ‘As declarações de Bush sobre a promoção da democracia global são verídicas como uma declaração dos ideais americanos, e não como uma reivindicação pela legitimidade de uma política específica’, afirma o ‘Times’.

‘O discurso de Bush aparentemente não corre o risco de se tornar imoral, mas sua intenção universal foi adequada para o dia.’’



O Globo

‘Pelo mundo, reações de ira e desconfiança’, copyright O Globo, 22/1/05

‘Países citados esta semana pela nova secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, como motivos de preocupação para os EUA por seus regimes considerados repressores, criticaram ontem duramente o discurso de posse do presidente George W. Bush em que ele prometeu lutar contra governos tirânicos. Para o presidente da Bielorrússia (antiga república soviética), Alexander Lukashenko, a liberdade prometida por Bush está ‘banhada em sangue e cheira a petróleo’.

— Falsos estereótipos e idéias são uma maneira ruim de estabelecer uma política externa objetiva. Estamos convencidos de que apenas o diálogo construtivo pode formar a base de relações normais — disse Lukashenko.

Já o ‘Granma’, jornal oficial cubano, chamou Bush de imperador ao destacar sua ‘nova cruzada para acabar com a tirania no mundo’. E o criticou: ‘Adiantando o incremento do intervencionismo como eixo da política externa nesta nova etapa, (Bush) justificou a necessidade de estender o poder hegemônico do império.’

Reações de desdém em países árabes

Nos países árabes, muitas pessoas receberam com desdém a promessa de Bush de defender os povos oprimidos no mundo. Consideraram que ele deveria libertar palestinos e iraquianos para merecer confiança. Analistas árabes disseram que o governo americano não tem feito qualquer pressão para que seus aliados árabes realizem reformas democráticas.

Na Arábia Saudita — onde o governo é aliado de Bush e a maioria da população muçulmana o rejeita — fiéis que faziam a anual peregrinação a Meca participaram de uma cerimônia em que lançam pedras contra o demônio e disseram que estavam apedrejando o presidente.

Na Europa, a imprensa de uma maneira geral demonstrou preocupação de que a promessa de Bush de defender a liberdade no mundo produza mais violência. Na França, onde a posse de Bush recebeu pouco destaque na imprensa, o ‘Libération’, sob o título ‘Bush, bombeiro planetário’, disse que o presidente fez um discurso ofensivo sobre a liberdade.

Em editorial intitulado ‘Fogos de artifício em Washington, desespero no mundo’, o jornal britânico ‘The Guardian’ afirmou: ‘O presidente e as pessoas que escrevem seus discursos devem se dar conta da tensão que existe entre sua retórica sobre a liberdade, que é universalmente popular, e sua forma de projetar o poder de fogo americano, que é amplamente rechaçado.’

Na Itália, o ‘La Repubblica’ considerou a posse ‘a apoteose de um homem tranqüilo, sentado no trono do mundo que o observa com preocupação’. E acrescentou: ‘O temor do mundo e dos EUA (…) agora é que um Bush demasiadamente seguro de si mesmo se mostre arrogante e sem objetivos.’

Diferentemente dos europeus, os principais diários americanos destacaram o idealismo manifestado por Bush num discurso que consideraram ambicioso. O ‘Washington Post’ referiu-se a um ‘idealismo expansivo, de ambição impressionante’. Para o ‘Wall Street Journal’, o presidente falou ‘em nome e em favor da consolidação do idealismo do povo americano’, e o comparou a John Kennedy. Já o ‘New York Times’ disse que o discurso foi uma mensagem em favor da unidade do povo.’



COBERTURA DE GUERRA
Robert Fisk

‘Risco cria ‘jornalismo de hotel’ no Iraque’, copyright Folha de S. Paulo, 23/1/05

‘‘Jornalismo de hotel’ é a única expressão que cabe. Mais e mais, os jornalistas ocidentais em Bagdá estão realizando seu trabalho dos hotéis, em lugar de saírem às ruas das cidades iraquianas.

Alguns se deslocam para toda parte acompanhados por mercenários ocidentais pesadamente armados. Uns poucos vivem em sucursais locais, das quais não saem porque seus editores não permitem. A maior parte usa ‘frilas’ iraquianos, correspondentes em tempo parcial que arriscam suas vidas a fim de conduzir entrevistas em nome de jornalistas britânicos ou norte-americanos, e nenhum contempla a idéia de uma viagem para fora da capital sem vários dias de preparativos, a menos que esteja ‘incorporado’ a uma unidade militar britânica ou norte-americana.

Raramente, se é que alguma vez, uma guerra foi coberta por jornalistas de maneira tão distante e restrita. Os correspondentes do ‘New York Times’ vivem em Bagdá por trás de uma cerca reforçada, equipada com quatro torres de vigilância, protegida por seguranças locais armados de rifles e uniformizados com camisetas que mostram o logotipo ‘NYT’. Os jornalistas da rede de televisão norte-americana NBC estão refugiados em um hotel cuja porta está protegida por uma grade de ferro, e seus assessores de segurança não permitem que freqüentem a piscina ou o restaurante, ‘quanto mais o resto de Bagdá’, por medo de que sejam atacados. Diversos jornalistas ocidentais simplesmente não saem de seus quartos, durante seu período como correspondentes em Bagdá.

As ameaças aos jornalistas ocidentais são tão graves que algumas estações de televisão estão falando em retirar completamente seus repórteres e equipes de filmagem. Em meio a uma insurgência na qual ocidentais -bem como muitos árabes e outros estrangeiros- são seqüestrados e mortos, fazer reportagens sobre a atual guerra se tornou quase impossível. O assassinato, exibido em vídeo, de um correspondente italiano, a morte a sangue frio de um dos maiores repórteres poloneses e seu câmera búlgaro, e o ataque igualmente sangrento a um jornalista japonês na notória rodovia 8, ao sul de Bagdá, no ano passado, persuadiram muitos jornalistas de que a melhor política é a discrição.

O ‘Independent’, como diversos outros jornais britânicos e norte-americanos, ainda cobre pessoalmente histórias em Bagdá, deslocando-se com hesitação -para não falar do medo- em meio às ruas de uma cidade que vem sendo lentamente ocupada pelos insurgentes.

Há apenas seis meses, ainda era possível sair de Bagdá de manhã, ir de carro a Mosul ou Najaf, ou outras grandes cidades, cobrir uma história e voltar à noite. Em agosto, demorei duas semanas para negociar minha dúbia segurança em viagem de apenas 130 quilômetros perto de Bagdá.

Os postos de controle militar nas rodovias estavam abandonados, as estradas ladeadas por caminhões norte-americanos e veículos policiais iraquianos calcinados. Hoje, é praticamente impossível fazer a mesma viagem. Os motoristas e tradutores que trabalham para os jornais e estações de televisão recebem ameaças de morte. Diversos deles pediram para não trabalhar em 30 de janeiro por medo de serem reconhecidos nas ruas durante as eleições iraquianas.

Na brutal guerra argelina dos anos 90, pelo menos 42 jornalistas locais foram assassinados e um câmera francês foi morto a tiros na casbah (cidade velha) de Argel. Mas as forças argelinas de segurança ofereciam um mínimo de proteção aos jornalistas. No Iraque, nem sequer conseguem se proteger.

A polícia e a Guarda Nacional do Iraque -muito alardeada pelos norte-americanos como a organização que responderá pela segurança do país quando os Estados Unidos se retirarem- estão pesadamente infiltradas pelos insurgentes.

Os postos de controle podem estar ocupados por policiais, mas no momento não se sabe para quem os policiais trabalham. As tropas norte-americanas que operam em Bagdá e nas cercanias da capital são evitadas por jornalistas ocidentais -a não ser os ‘integrados’ a elas- tanto quanto o são pelos iraquianos, devido à indisciplina e à rapidez que demonstram ao abrir fogo contra civis, diante da menor suspeita.

Assim, perguntas começam a surgir. Quanto vale a vida de um repórter? A história vale o risco? E, muito mais seriamente, de um ponto de vista ético, por que tão poucos jornalistas mencionam as restrições que afetam seu trabalho?

Durante a invasão anglo-americana de 2003, os editores muitas vezes insistiam em prefaciar comentários de jornalistas que trabalhavam na parte do Iraque ainda controlada por Saddam explicando as restrições que afetavam o trabalho dos profissionais. Mas hoje -quando nossos movimentos são muito mais restritos-, não há um ‘rótulo de alerta’ nas reportagens. Em muitos casos, os leitores e telespectadores ficam com a impressão de que o jornalista está livre para circular pelo Iraque e verificar as histórias apresentadas a cada dia. O que não é verdade.

‘As Forças Armadas norte-americanas não poderiam estar mais felizes com a situação’, diz um veterano correspondente norte-americano em Bagdá. ‘Sabem que, se bombardearem uma casa de pessoas inocentes, podem alegar que se tratava de uma ‘base terrorista’ e não serão contestadas. Não nos querem circulando pelo Iraque, e assim a ameaça ‘terrorista’ é ótima notícia para elas. Podem alegar que mataram 600 ou mil insurgentes e não temos como verificar porque não é possível ir aos hospitais ou aos cemitérios, já que não queremos ser seqüestrados ou decapitados’.

Assim, muitos repórteres se vêem reduzidos a telefonar para as Forças Armadas norte-americanas ou ao governo ‘provisório’ iraquiano de seus quartos de hotel, recebendo ‘fatos’ de homens e mulheres ainda mais isolados do Iraque, na ‘Zona Verde’ localizada em torno do antigo palácio republicano de Saddam Hussein, em Bagdá, do que a maioria dos jornalistas. Ou aceitam as informações de seus correspondentes ‘integrados’ a unidades norte-americanas, ou seja, só retratam o lado norte-americano da situação.

Sim, ainda é possível fazer reportagens de rua em Bagdá. Mas número cada vez menor de jornalistas o faz, e pode chegar a hora em que tenhamos de ponderar o valor das informações diante do risco para nossa vida. Não chegamos a esse ponto, ainda. Por enquanto, ainda podemos ver um pouco mais do Iraque do que as pessoas que alegam estar governando o país.’



Márcio Senne de Moraes

‘EUA aconselham jornalistas a contratar seguranças em Bagdá’, copyright Folha de S. Paulo, 23/1/05

‘Um porta-voz da Embaixada dos EUA no Iraque desaconselhou, no início da semana, jornalistas estrangeiros a ir a Bagdá para cobrir as eleições legislativas, marcadas para o próximo domingo. O motivo é a insegurança que reina no país desde a invasão liderada pelos americanos, no primeiro semestre de 2003. ‘Certamente, seu jornal tem de levar em consideração a situação de segurança [em Bagdá] antes de decidir enviar alguém para cobrir a votação. Diferentemente da maior parte das zonas de conflito, até os jornalistas têm sido alvo de ataques no Iraque’, afirmou à Folha, por telefone e por e-mail, Adam Hobson, funcionário do Departamento de Estado dos EUA que está alocado em Bagdá e assessora o principal porta-voz da embaixada, Robert Callahan.

De fato, diversos jornalistas estrangeiros e iraquianos foram seqüestrados desde o início do conflito no Iraque. O caso mais recente é o da repórter especial do diário francês ‘Libération’ Florence Aubenas e de seu assistente e intérprete iraquiano, Hussein Hanoun al Saadi, que estão desaparecidos desde 5 de janeiro último.

Antes deles, entre outros casos, o iraquiano Raad Beraiej al Azzawi, do jornal ‘Sada Wasit’, ficou desaparecido entre 26 de novembro e 2 de dezembro e só foi libertado depois do pagamento de um resgate de US$ 7.000 a seus seqüestradores, de acordo com a organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras.

Ademais, os jornalistas franceses Georges Malbrunot, do diário ‘Le Figaro’, e Christian Chesnot, da Radio France Internationale, ficaram quatro meses seqüestrados no segundo semestre de 2004. Ainda não ficou claro se foi pago um resgate por sua libertação.

Hobson salientou ainda as péssimas condições de trabalho que os jornalistas serão obrigados a enfrentar em Bagdá. ‘Na cobertura das eleições, os jornalistas não poderão se locomover livremente pela cidade, como ocorre em outros ambientes de trabalho. Isso fará que a cobertura da votação seja um desafio extremo’, admitiu o porta-voz americano.

‘Os jornais têm de entender que a locomoção aqui é difícil e que, portanto, fazer reportagens é muito complexo, e os profissionais da imprensa devem estar preparados para essa situação. Talvez os riscos e a insegurança sejam grandes demais em comparação com os ganhos mínimos [que o envio de repórteres ao Iraque acarretará]’, acrescentou.

Hobson informou também que a Embaixada dos EUA em Bagdá vai montar um ‘pequeno centro de imprensa’ na ‘Zona Verde’, o local mais protegido da capital, onde se situam as missões diplomáticas estrangeiras. Ele ressaltou, todavia, que caberá aos jornalistas conseguir acomodações no Iraque e um meio seguro de chegar à ‘Zona Verde’.

‘A embaixada [dos EUA] não poderá assumir a responsabilidade de facilitar a chegada dos jornalistas [ao Iraque]. Assim, os jornalistas terão de assumir a tarefa de organizar sua viagem e de obter um local para ficar em Bagdá. Recomendo aos repórteres que pretendem vir ao Iraque que entrem em contato com outros que já estão aqui, pois eles devem ter idéia de quais hotéis são razoavelmente seguros’, alertou Hobson.

Finalmente, o porta-voz americano aconselhou os jornalistas estrangeiros a contratar uma equipe de segurança antes de chegar ao Iraque. ‘Seja em seu país de origem, seja no Iraque, os repórteres terão de contratar os serviços de uma empresa de segurança.’ Caso contrário, os riscos serão ‘altos demais’, segundo Hobson.’



Julie Salamon

‘Britânico quer filmar cessar-fogo mundial’, copyright Folha de S. Paulo, 20/1/05

‘O mundo anda encrencado, mas pelo menos podemos esperar pelo dia 21 de setembro. Três anos atrás, as Nações Unidas designaram essa data como o Dia Internacional da Paz Mundial, a ser observado anualmente ‘como um dia de cessar-fogo e não-violência mundiais’, de acordo com resolução da Assembléia Geral da ONU.

Você nem tinha percebido? é por isso que Jeremy Gilley está produzindo uma seqüência para o documentário ‘Peace One Day’ (Paz Um Dia), o filme que levou a ONU a estabelecer o dia oficial de paz, celebrado mas não observado. Agora, o ator e cineasta britânico quer que seu novo filme leve o processo adiante, para induzir a um verdadeiro cessar-fogo.

‘Sei que estamos falando de um ideal, de um pensamento adorável’, diz Gilley sobre seu plano de produzir um filme que leve as nações e grupos guerrilheiros a deixar de lado as armas por um dia. Ele estava em Nova York no começo do mês tentando convencer a ONU e as grandes empresas a apoiar sua idéia. ‘Sei que não é fácil para as pessoas desse mundo deixar de lado as questões de política e religião’, disse. ‘Não sou ingênuo. Mas trata-se de uma coisa que pode e vai acontecer.’

Seis anos atrás, Gilley tinha 29 anos e era um ator com passagem pela Royal Shakespeare Company, mas com modesta carreira, principalmente na televisão, e começava a se interessar pela produção de documentários. Não estava satisfeito e vinculou sua busca de realização pessoal a nada menos que a paz mundial, com a intenção de filmar cada passo do processo. A ambição que alimentava, admite, era mais cinematográfica do que pacifista.

Recolhendo imagens de desespero e esperança em um projeto que custou US$ 2,6 milhões, arrecadados em doações, Gilley viajou a 30 países, visitando crianças tornadas órfãs pela guerra, políticos, diplomatas, detentores do Prêmio Nobel, quase sempre na companhia de uma equipe de filmagem que trabalhava com equipamento doado. Entrevistou o dalai-lama, Shimon Peres, Kofi Annan e embaixadores da Liga árabe. Foi à ONU para registrar a celebração do primeiro dia internacional da paz, em 11 de setembro de 2001, no momento do ataque contra o World Trade Center.

Gilley é bom em conseguir contatos. Persuadiu um membro do Parlamento britânico a escrever uma carta de recomendação a executivos da British Airways, e a empresa concordou em levá-lo a todos os lugares que precisasse visitar -usualmente, em primeira classe. Mas ele em geral opera em estilo básico, sem luxo, com um escritório que funciona em um quarto vazio da casa de sua mãe, um terno emprestado por um amigo para as reuniões importantes e hospedando-se com amigos em suas viagens ao exterior.

‘Peace One Day’ está em circuito de festivais desde a estréia, no terceiro trimestre do ano passado, no Festival Internacional de Cinema de Edimburgo. O documentário tem agenda movimentada de exibição, na Inglaterra bem como em outros países europeus, Israel (em cartaz no momento), índia e Austrália. O filme também está inscrito no é Tudo Verdade, festival brasileiro de documentáriosque que acontece em abril. A G.P. Putnam´s Sons publicará um livro infantil baseado no filme.

Gilley é um operador habilidoso quando se trata de obter o apoio de pessoas à sua causa. Sua mistura de charme à moda antiga (ele usa expressões antiquadas o tempo todo) e instinto de autopromoção é incomum no mundo do entretenimento. Mas seus modos e seu estilo são ainda menos familiares nos círculos humanitários, empresariais e políticos.

‘Achei que ele fosse meio maluquinho, mas me foi indicado por alguém que conheço bem’, disse Kieran Prendergast, subsecretário geral da ONU para assuntos políticos, que participa do filme e se tornou seu fã, e um dos executivos da ONU que abriu as portas ao seu primeiro trabalho, dando-lhe credibilidade e acesso.

Prendergast está feliz por poder ajudar de novo. ‘O primeiro filme obteve sucesso considerável’, disse. ‘Definitivamente conscientizou as pessoas quanto a um dia mundial de paz, uma idéia bastante nobre. Se você começar com paz por um dia, talvez possamos no futuro ter paz todos os dias.’

Robert Campbell, diretor executivo de criação da agência de publicidade McCann-Erickson no Reino Unido, ficou igualmente impressionado, depois de ser apresentado a Gilley por um velho amigo. ‘Pessoas como Jeremy muitas vezes são bastante desligadas da realidade’, disse Campbell. ‘Não é o caso dele. Jeremy é centrado e capaz de organizar acordos, levar projetos adiante. E tem um espírito genuíno e muito raro no nosso mundo. Um homem tão capaz, hábil e bom.’

A McCann-Erickson quer se envolver no novo projeto, disse Campbell. ‘Se Jeremy conseguiu aprovação das Nações Unidas e de todos esses líderes mundiais, seria interessante que conseguisse a adesão de algumas grandes empresas.’ Campbell está trabalhando com Gilley para esse fim.

Um resenhista britânico classificou Gilley como ‘uma espécie de mistura entre Hugh Grant e Michael Moore’, presumivelmente em referência à capacidade do cineasta de se manter simpático sem abandonar a persistência. ‘Peace One Day’ mostra Gilley cortando os cabelos que ficavam na altura dos ombros e vestindo um terno e gravata emprestados antes de se encontrar com Kofi Annan. Também mostra um funcionário da Autoridade Palestina criticando o criador do projeto.

Gilley se diferencia de Moore, com cortesia. ‘Não faço que ninguém passe vergonha, ou ridículo, e não culpo ninguém’, diz. ‘O que aprendi com pessoas como Moore é que basta obter o apoio dos grandes distribuidores, e o filme chega às salas de exibição. Respeito o método de distribuição e marketing que ele criou’.

Os Estados Unidos em larga medida resistiram ao charme de Gilley. ‘Peace One Day’ foi recusado pelo Sundance Film Festival, embora tenha sido exibido recentemente no Mountaintop Film Festival, menos conhecido, em Waitsfield, Vermont. Gilley não encontrou distribuidora norte-americana para o trabalho.’



JORNALISMO & VIOLÊNCIA
O Globo

‘Ano de 2004 foi o mais perigoso para jornalistas’, copyright O Globo, 19/1/05

‘O ano de 2004 foi um dos piores da História — talvez o pior — em número de mortes de jornalistas no exercício da profissão. Segundo a Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), pelo menos 129 repórteres e outros funcionários envolvidos na apuração de material jornalístico, como motoristas e intérpretes, foram mortos.

O país mais perigoso para o exercício da profissão foi o Iraque, no qual no ano passado foram mortos 29 repórteres e 18 auxiliares. Em segundo lugar vêm as Filipinas, onde 13 profissionais perderam a vida.

‘Por qualquer tipo de padrão, 2004 foi um ano ruim, talvez o pior de todos os tempos, em relação a mortes de jornalistas e auxiliares’, afirma o relatório da FIJ divulgado ontem. ‘Alguns foram deliberadamente caçados por assassinos contratados. Outros caíram por tiros disparados por soldados nervosos, descontrolados e indisciplinados.’

Número de mortos ainda pode aumentar

À primeira vista, os número de 1994 são maiores, com 157 mortes. Mas o número inicial daquele ano foi de 115, quantidade que foi depois acrescida com novos relatos. A FIJ acredita que provavelmente o número de 129 mortos em 2004 aumentará.

O Brasil aparece como o país da América em que mais jornalistas morreram em 2004, com seis, superando México (cinco) e Colômbia (quatro). O país foi incluído entre as nações nas quais aumentou o número de assassinatos encomendados, ao lado de Nepal, Colômbia, México e Nicarágua.

— Estes não são jornalistas que estavam acidentalmente no lugar errado na hora errada. Estas pessoas foram escolhidas para serem assassinadas — disse Aidan White, secretário-geral da FIJ.’