‘Alguns telespectadores criticam o filtro implantado nesta página, considerando-o uma forma de censura. E, a partir daí, seguem-se libelos em defesa da democracia e da liberdade de expressão.
Essa é uma discussão importante, razão pela qual me permito comentar alguns de seus aspectos. Comecemos pelo filtro. Trata-se de expressão corrente no meio internet para designar a intermediação entre o que é escrito e o que é publicado; outro vocábulo muito usado, e com o mesmo significado, é ‘moderação’ – exercida por um moderador, por exemplo, nos chats.
Na imprensa, o profissional que seleciona o material a ser publicado é o editor. Como a produção de informações é sempre superior ao espaço físico a elas destinado, cabe ao editor escolher o que publica e o que não publica. O bom editor adota vários critérios para a seleção do material: a importância em si da informação, a importância para o público do veículo em que trabalha, a tempestividade (se não publicar hoje, perde a oportunidade), a proximidade (um incêndio em sua cidade é ‘mais notícia’ que outro, distante dali) – e por aí vai.
O editor da seção de cartas dos leitores não apenas escolhe quais publicará como, em geral, reduz textos a tamanhos compatíveis ao espaço de que dispõe. Essa escolha inclui excluir cartas que nunca são publicadas porque – a critério do editor e do veículo – ferem normas éticas, e outras, estabelecidas pela linha editorial.
Quanto a opiniões manifestadas em artigos assinados, o critério vai mais além. Em geral, esses textos não são censurados, mas o veículo só publica os enviados por colaboradores previamente selecionados – e convidados.
Se adotarmos a palavra censura como um carimbo em tudo que é escrito e não publicado chegaremos à conclusão de que a maior parte dos textos produzidos – notícias, declarações, acusações, comentários, opiniões, críticas, elogios – foi censurada. Pode ser que, de um ponto de vista semântico (território do professor Pasquale), o vocábulo censura se aplique corretamente a esses exemplos. Mas não de um ponto de vista político, quando se recorre à defesa da democracia e da liberdade de expressão.
Como, sabidamente, os meios de comunicação são desprovidos de ética, e que cabe a cada veículo estabelecer a sua, pode-se até afirmar que a ética é uma forma de censura. Profissionais capacitados, idôneos e responsáveis, que atuam em diversas áreas do conhecimento (como é o caso de muitos telespectadores da Cultura), lidam diariamente com questões éticas ligadas à sua atividade. Ao faze-lo estão-se transformando em censores? Essa discussão é antiga, importante, apaixonante – e não tem fim.
Eu vi a censura de perto quando trabalhei, nos anos 1970, no jornal O Estado de S. Paulo – aliás, o único órgão da chamada grande imprensa a não se submeter docilmente à censura. Todos os demais publicavam outras notícias no espaço da censurada, de modo que o leitor nem percebia a violência do arbítrio. No jargão político dá-se a esse tipo de comportamento o nome de colaboracionismo. No Estadão publicavam-se trechos de Os Luzíadas, de Luiz de Camões, indicando que ali naquele espaço deveria estar uma notícia que foi censurada. Pode parecer pouco, mas foi o máximo possível à época.
A liberdade de expressão é a mãe de todas as liberdades. Mas desde que, a partir da promulgação da Constituição de 1988, o Brasil adotou o Estado democrático de direito, as regras do convívio social estabelecem franquias e restrições. Direitos e deveres. O meu direito de opinar não inclui o de difamar sob a proteção de anonimato. Nem o de fazer o proselitismo do ódio, do racismo ou da pedofilia. Como disse Winston Churchill, a democracia é o pior dos regimes políticos – salvo todos os demais.’