‘Transcrevo parte da carta do leitor M. Lima, do Porto ‘Num jornal com a dimensão do JN, onde há director, subdirector, directores adjuntos e Conselho de Redacção, não se pode admitir que se publique tanta asneira. Quase todos os dias, até porque não leio o jornal `de fio a pavio´, detecto inverdades, erros de gramática, matemática, geografia, etc.. Até nas palavras cruzadas e BD [banda desenhada] há asneiras e ninguém põe cobro a isto’.
Nos últimos dois meses, o mesmo leitor demonstrou à saciedade, em várias missivas, aquilo de que se queixa, inundando o provedor com larguíssimas dezenas de pequenos recortes com sublinhados de gralhas e erros diversos. M. Lima deu-se à canseira de apontar não apenas peças que terminam abruptamente ou títulos truncados, como várias tiras de banda desenhada repetidas e com numeração diferente; programas de televisão anunciados depois de já terem sido emitidos, repetições dos mesmos relatos de episódios de telenovelas em dias quase sucessivos, etc.. Tantas são as deficiências apontadas que pareceria que no JN pouco se aproveita de correcto e bem feito, o que não é manifestamente o caso.
Outro leitor, Manuel Pedro Luna, igualmente a residir no Porto, não enviou recortes, mas indicou ao provedor, através de correio electrónico, cerca de uma dezena de outros casos, todos eles centrados, desta vez, nas palavras cruzadas. Não são apenas gralhas, mas matrizes inadequadas, problemas de ortografia, descuidos que impossibilitam a resolução dos problemas propostos. O leitor sente-se desobrigado de expressar o seu ‘entendimento sobre o modo como um jornal diário, mais a mais um que se pode ufanar de ser dos principais deste jardim à beira mar plantado, deve ser paradigma de cultura’, mas não se exime a solicitar ao provedor que providencie no sentido do ‘aparecimento de um pouco mais de cultura nestes passatempos jornalísticos’.
Álvaro Cardoso Pinto escreveu igualmente a propósito da impressão que lhe fazem ‘alguns atropelos’ à Língua Portuguesa, que ‘ultimamente se cometem (…) nas páginas deste jornal e noutros órgãos da comunicação social’. Um exemplo de entre vários que refere na véspera de Natal, escrevia-se neste diário que ‘um agricultor foi assassinado até à morte’. E esclarece: ‘cometo alguns erros como qualquer outra pessoa, mas não tenho a responsabilidade de que aquilo que escrevo vai ser lido por milhões de pessoas (…). Mas se por ironia do destino cometesse os erros que leio nos jornais e ouço na TV, e com a frequência com que ocorrem, não me restaria outra solução que não fosse a de me demitir da função (…) ou, em alternativa, de me demitirem ou mudarem de funções (também é para isso que existem chefias…)’.
Um quarto leitor, Rui Carvalho, chamava a atenção para o título de uma notícia sobre os projectos de ‘lojas de parceria’ dos CTT, publicada no passado dia 4, na Secção de Economia, cujo título era ‘Colaboradores viram empresários’. Trata-se de um leitor ‘reincidente’ no tipo de reparo, uma vez que fora já ele a denunciar um outro título análogo (de 4 de Novembro último): `Homens viram senhoras em novo ‘reality show’, em que a forma ‘viram’ não se refere, obviamente, ao verbo ver.
Finalmente, Paula Cravo, em mensagem electrónica, dá conta de uma ‘saturação pelas falhas e gralhas constantes em artigos’, tendo o motivo imediato da sua queixa sido o facto de uma peça de há dias, a respeito de uma aparatosa operação da Polícia Judiciária, se referir, de forma insistente, à expressão ‘as duas faces de Juno’ em vez de Jano. ‘Na minha área cem por cento técnica – escreve a leitora – o tipo de falha que comento seria avaliada com nota negativa, pois seria susceptível de prejudicar os negócios da empresa para a qual presto serviços. A pesquisa e a garantia de estar a dar informação correcta são imperativos no meu trabalho. Por que não o são para os jornalistas?’.
Que comentários fazer a esta série de alertas e tomadas de posição? Em primeiro lugar, que os leitores têm razão e o JN deve estar (e está) grato por ter observadores tão atentos e apostados na qualidade da escrita jornalística e diligentes a ponto de não ficarem no seu canto, rendidos perante os atropelos e as faltas de cuidado. É inquestionavelmente difícil produzir um jornal diário sem falhas, erros e gralhas. Esse dia nunca chegará. A mensagem que se há-de passar aos leitores não pode ser, porém, a da indiferença ou do desleixo, mas a do esforço sem tréguas por fazer melhor rever sempre o que se escreve, não hesitar em consultar colegas mais conhecedores, dicionários ou guias de escrita como o Cíberdúvidas da Língua Portuguesa. E assumir e corrigir os erros. É preferível perder um quarto de hora por dia nestas tarefas aparentemente menores, mas sensíveis para a credibilidade do jornal, do que atamancar a escrita e suscitar o desânimo, se não o repúdio, por parte dos leitores. A credibilidade assenta na responsabilidade.
O jornal é um mundo
O que leva as pessoas a ler o jornal? Esta é uma das matérias mais interessantes, quando se estuda as audiências e se procura não apenas quantificar e medir, mas também conhecer os contextos e as circunstâncias dos usos da imprensa, os ‘comos’ e os ‘porquês’.
Recordo ainda como, no início dos anos 80, provocaram surpresa, na Redacção do JN, os dados de um inquérito que colocava os pequenos anúncios (ou classificados) quase no topo das secções preferidas pelos leitores. É que o emprego, o pequeno negócio, a necrologia ou a busca de soluções para suavizar a amargura da vida encontram nessa zona do jornal forte motivo de interesse.
Entre, porém, as notícias e a opinião, que são da responsabilidade da Direcção editorial do jornal, e os anúncios publicitários, cujo conteúdo é da responsabilidade dos anunciantes, situa-se uma vasta zona de conteúdos – a que poderemos chamar serviços – que têm uma importância saliente para o dia-a-dia dos leitores. É o caso da programação dos canais televisivos, das farmácias com funcionamento em horário nocturno, dos filmes, peças de teatro e outros espectáculos em cartaz, do boletim meteorológico, das exposições, dos telefones úteis e outros serviços. Mas é também o caso das palavras cruzadas, dos horóscopos ou das histórias em banda desenhada. Ao contrário de leitores que raramente consultam essas páginas finais do JN, outros há que, por interesse mais ou menos antigo, por simples hábito ou para passar o tempo, as frequentam com igual ou até maior detença. É por tudo isso que se pode dizer que o jornal é um mundo.
Relembro um aspecto que é fácil esquecer do ponto de visa dos leitores, o jornal é uno e a sua qualidade e credibilidade faz-se (ou desfaz-se) em todas as suas componentes. O mais importante para uns é o menos importante para outros e vice-versa. Logo: todos os leitores de todas as secções têm de ser respeitados de igual modo. Se são variados os motivos de procura do jornal, todas as zonas que procuram ir de encontro a essa procura carecem de atenção e cuidado.
Quem se ocupa a recolher e sistematizar a informação para essas páginas deverá trabalhar com um profissionalismo tão elevado como nas restantes secções, visto que, por vias diversas, todas contribuem para a imagem global.
Muitos leitores estão atentos e sentem-se defraudados se tais serviços não forem rigorosos (pelo menos naquilo que depende do jornal, visto que, no que à programação televisiva diz respeito, alguns dos erros se ficam a dever à informação chegada dos próprios canais). A esses leitores direi que vale a pena continuar a dar conta das deficiências e mesmo a sugerir novas formas de prestar tais serviços. Da parte do jornal seguramente que tal não será visto como ‘chover no molhado’.
Qualidade da escrita jornalística é factor de credibilidade’