O número 108 da revista História Viva (ano 9) traz como principal matéria um dossiê sobre as superstições. E pergunta aos leitores na capa: “De onde elas vêm e por que provocam tanto medo?”. A série de textos nada diz sobre a história das palavras que designam essas crendices. Os informes e análises limitam-se a constatá-las e sobre elas tecer pertinentes arrazoados.
O dicionário Caldas Aulete informa que a palavra superstição chegou ao Português vinda do Latim superstitio, escrita superstitione em outros dicionários, que preferem indicar uma de suas declinações na língua-mãe. Não usam o modo mais correto de identificar a etimologia, uma vez que, havendo várias declinações, às vezes a palavra entra pelo caso acusativo, outras vezes pelo genitivo, outras vezes pelo ablativo. Para quem não conhece o Latim, é preciso lembrar que a grafia da palavra muda de acordo com a posição que o vocábulo ocupa na frase.
As superstições (são muitas!) estão em diversas línguas há milhares de anos, mas ao Português escrito chegaram no século 16. Antes talvez estivessem disfarçadas em outras palavras e expressões. Uma das mais comuns é o número 13, estranho às culturas que tinham como referência o 12, nascido da multiplicação dos lados do quadrado (quatro lados) pelos lados do triângulo (três lados). O dia tem 12 horas e a noite mais 12, totalizando 24 horas. A hora tem 60 minutos, 5 x 12. O minuto tem 60 segundos. Jacó teve 12 filhos, chefes iniciais das 12 tribos em que se fundou o Estado de Israel. O 12 prosseguiu no Novo Testamento: Jesus teve 12 discípulos. O número 12 nasceu, pois, num contexto que tentava conciliar o sagrado e o profano.
O número 13, ao quebrar esta harmonia, passou a identificar o azar. Ainda hoje vários hotéis dos EUA não têm o 13° andar. Há hospitais sem o quarto 13 e aviões, trens e ônibus sem o assento 13. No tarô, o número 13 a figura que o ilustra é um esqueleto carregando a gadanha, uma espécie de foice, simbolizando a Morte. A gadanha ou a foice corta a grama ou colhe o trigo na seara. E a Morte colhe a Vida.
Cálculo malfeito
Mas quando foi que tudo isso começou? Num desfile, o rei Felipe da Macedônia (século 4 a.C.), pai de Alexandre, o Grande, mandou incluir uma estátua sua às dos 12 deuses que eram levados à frente da procissão e pouco depois morreu assassinado. E Jesus, que formava 13 junto aos 12, morreu traído por um deles.
A outra superstição tenebrosa é a sexta-feira. Quando a sexta-feira cai num dia 13, o que ocorre em média duas vezes por ano, a coisa fica ainda mais complicada. Jesus morreu crucificado numa sexta-feira. No dia anterior, quando foi preso, tinha feito a última ceia com os 12 discípulos.
O rei francês Felipe 4º mandou prender o grão-mestre dos famosos templários numa sexta-feira, 13 de outubro de 1307, condenando-o à fogueira. Durante a Revolução Francesa, um de seus grandes comandantes, Jean Paul Marat, foi morto pela camponesa Charlotte Corday no dia 13 de junho de 1793. O Duque de Orléans, filho mais velho de do rei Luís Filipe, morreu num acidente, dentro de sua caleche, no dia 13 de julho de 1842, no 13º ano do reinado do pai. Mais recentemente, a NASA pagou caro por não pular o número 13 na série das naves Apollo e a missão da Apollo 13, em 1970, deu no que deu.
A civilização ocidental é cristã e nas superstições com o número 13 e com a sexta-feira jazem as lembranças do dia da morte de Jesus, por volta das 3h da tarde.
Trevos e morcegos
Outras superstições tratadas na matéria:
>> Espelhos quebrados: era preciso que os empregados tivessem muito cuidado, pois eram caros quando surgiram; dava azar quebrá-los;
>> Abrir um guarda-chuva dentro de casa: era comum machucar alguém que estivesse próximo; então dava azar. Guardá-lo molhado ajudava a enferrujar as hastes; então, dava azar também.
>> Derrubar sal sobre a mesa: o sal era um bem tão precioso que era meio de pagamento, origem da palavra salário;
>> Passar por debaixo da escada: a escada forma um triângulo, a figura perfeita, até Deus é representado nele com um olho no centro na conhecida figura em que aparece escrito ‘Deus me vê” ou “Deus tudo vê” etc. E poderia cair algo em cima da cabeça de quem passasse ali: uma telha, um tijolo, um pedaço de pau, uma lata de tinta etc; então dava azar.
>> O dedo do meio da mão, chamado de médio não pelo tamanho, pois é o maior, simbolizava o deus Saturno, venerado nas saturnálias, festas romanas em que rolava muito sexo; passada a festa, indica ofensa e trazia a sodomia, não mais como prazer, mas como sofrimento;
>> Bater na madeira três vezes: muitas árvores eram deusas, a própria floresta formava um panteão; era comum fazer-lhes pedidos, dando pancadinhas nelas; móveis são feitos de madeira: batem-se neles;
>> Jogar uma moeda na água: a origem é dar uma moeda ao barqueiro Caronte, que levava as almas para além do rio Estige; quem fosse enterrado sem uma moeda na boca, vagava eternamente por aquelas brumas; a Fontana di Trevi, monumento barroco do século 13, em Roma, já recebeu milhões de moedas, atiradas ali por turistas de todo o mundo, junto com os pedidos que fazem.
Trevos de quatro folhas, morcegos, sapos, gatos e corujas completam um arsenal de superstições que invadiram a civilização, onde estão presentes até hoje, desdobrando-se em outros tipos de comportamentos. Afinal, como dizem os espanhóis, nem para tudo a era científica tem explicações: No creo em brujas, pero que las hay! (Não creio em bruxas, mas elas existem!).
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[Deonísio da Silva é membro da Academia Brasileira de Filologia (cadeira 33), doutor em Letras pela USP, escritor e vice-reitor da Universidade Estácio de Sá, autor de Lotte &Zweig, entre outros 33 livros]