Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As perguntas que a imprensa não fez

A mídia em massa especula, depois de 15 dias, se há ou não um braço do crime organizado no governo. Foi antes ou foi depois? O ministro sabia das ligações do Sr. Waldomiro?

Seria de estranhar, se não fosse lugar-comum, esse comportamento futriqueiro da mídia em cima do ex-assessor do ministro José Dirceu, como é de estranhar que todos estejam convictos de que o presidente Lula só baixou a medida provisória de fechamento dos bingos para evitar a CPI em cima do caso. Tem mais, é óbvio, mas ninguém vai atrás porque pão e circo ainda é a melhor receita para manter as coisas como estão e endireitar um pouco mais o novo governo.

Os bingos estavam funcionando via liminares porque havia um plano do governo para legalizá-los. A quem interessava que os bingos continuassem na ilegalidade? Ao governo, que arrecadaria impostos com a legalização do jogo?

Nada disso foi perguntado pela imprensa. Isso não foi debatido. Que pressões havia, além da fita divulgada por Carlos Cachoeira, para que o governo não conseguisse legalizar o jogo? Que pressões ainda existem? E, afinal, teve ou não sentido a resposta dada pelo governo, quando preferiu ficar sem a legalização, que o favoreceria, para trancar pé diante da chantagem?

A essas alturas o absurdo maior está na fomentação feita pela mídia para querer saber ou querer provar que o governo tem uma mão no crime organizado ou que o crime organizado tem um braço no governo.

Assim e assado

Ora, o crime organizado só é organizado porque conta com braços e mais braços infiltrados no setor público. Se não fosse assim seria extremamente desorganizado, não exportaríamos tanta droga, nossa madeira nativa não sairia do país como sai, aprovada por licenças concedidas por advogados, as armas da polícia não parariam nas mãos dos traficantes, não pagaríamos tributos tão altos para ter direito a serviços de quinta, a nossa vizinha viúva conseguiria a pensão do marido morto há 10 anos e a nossa amiga, neta de militar, não estaria recebendo a pensão do avô aos 32 anos, entre outros desaforos que os cidadãos honestos, e cada vez mais pobres, têm que aturar.

É óbvio que o crime organizado tem tudo a ver com o governo, simplesmente porque sempre teve a ver, porque o jogo do bicho tem a idade do Rio de Janeiro. Agora, achar que o PT é quem armou com o crime organizado, como se isso não fosse coisa montada – e muito difícil de desmontar – há quase 500 anos, aí já e maldade dos editores ou ingenuidade dos jovens repórteres.

A perguntas seriam:

** O que o governo atual está fazendo para desfazer os laços com o crime organizado?

** O que já conseguiu?

** Em que vespeiros não consegue mexer?

** Há maneiras efetivas de desarticular o crime organizado?

** Até que ponto o PT se envolveu no jogo para chegar ao poder?

** Legalizar jogos e algumas drogas seria uma maneira eficaz?

Algumas coisas, pescando alguns lambaris com a reforma da previdência e a tributária, até que o atual governo está fazendo. Fernando Henrique bem que tentou, mas passou oito anos navegando em poças de lama sem conseguir reforminha qualquer que fosse.

Mas por que a mídia não explica, por exemplo, quais os golpes que são evitados com essa ou aquela diferença nas reformas?

Só ficam naqueles quadrinhos do ‘era assim e agora é assado’, e ‘o que muda para você’. É a velha aposta na burrice do consumidor de notícias, um superinvestimento na superficialidade e, como diz Elmar Bones, é a ‘caratização’ total da imprensa. Segundo o veterano jornalista, as revistas brasileiras, mesmo as de economia, só perseguem o sucesso e a fama, seguindo o rastro da Caras.

A principal questão

Vamos ao MinC, só para dar um exemplo de como as coisas poderiam ser mais bem- apuradas pela mídia. O que houve exatamente com o assessor do ministro? Por que jornais e as TVs não foram atrás das queixas do demitido e de seus assessores, que também se demitiram? Por que funcionários indemitíveis fritaram um pedaço da turma que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, levou para lá?

Por que algumas regras antigas do governo brasileiro, em várias secretarias e ministérios, são tão esdrúxulas que os cidadãos comuns e honestos precisam contratar agentes para legalizar e regularizar situações, sendo obrigados a atos imorais para se enquadrarem nos padrões legais?

Ou o contrário. Atos legais e morais são enquadrados como irregulares e ilegais?

E o que são essas regras e esses agentes, senão os braços do crime organizado no governo?

E a mídia, nossos jornais e telejornais, por que não noticiam o que vai por trás, os bastidores das ligações institucionais entre crime e lei?

E como desmontar isso, desfazer esses laços e oxigenar o novo governo, senão via contratação de novos funcionários públicos?

À mídia faltam muitas questões, a principal delas é saber até que ponto as oligarquias das comunicações estão envolvidas com os tais braços que articulam as ligações entre criminosos e juízes, crime e lei, bicheiros e banqueiros, traficantes e políticos.

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Jornalista