Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Vaticanista” minimiza
o poder da Opus Dei


Leia abaixo os textos desta segunda-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006


A OBRA EM AÇÃO
Fábio Chiossi


Opus Dei não é tão poderoso como se pensa, diz vaticanista


‘Em seu livro ‘Opus Dei – an objective look behind the myths and reality of the most controversial force in the catholic church’ (Opus Dei, um olhar objetivo por trás dos mitos e da realidade da força mais controversa na Igreja Católica), lançado recentemente nos EUA, o jornalista americano John Allen Jr., especialista na cobertura da Igreja Católica, compilou dados e críticas sobre o Opus Dei, bem como a defesa de seus membros contra as acusações que lhes são feitas.


Para Allen Jr., o grupo criado em 1928 pelo espanhol Josemaría Escrivá -que foi canonizado pelo papa João Paulo 2º- é como uma variedade ‘extra stout’ de uma conhecida marca de cerveja escura irlandesa: ‘É forte, tem um gosto peculiar e claramente não é para todo mundo’.


A metáfora da cerveja, segundo a qual o Opus Dei se diferencia do catolicismo ‘light’ ou ‘diet’ que alguns fiéis praticam, diz respeito à organização e aos princípios dessa prelazia pessoal, que mistura uma constituição laica a orientações de caráter monástico e à qual ex-membros têm acusado de abrir mão de práticas como a imposição de restrições às liberdades individuais e o exercício de pressão psicológica.


À Folha, Allen Jr. contou que, embora o Opus Dei, cujos membros têm de se empenhar em aplicar os ensinamentos de Cristo às atividades do dia-a-dia, tenha problemas ao lidar com as pessoas que nele ingressam e não se adaptam aos seus princípios e orientações, o movimento é muito menos poderoso do que se acredita. O que mais o impressionou ao pesquisar para a confecção do livro, diz o jornalista, foi ‘a distância entre a imagem e a realidade do movimento.


Leia abaixo trechos da entrevista com John Allen Jr.


Folha – O Opus Dei é o grupo mais conservador da Igreja Católica?


John Allen Jr. – Não. Bom, é claro que depende do que você quer dizer com conservador. Mas eu diria que não. Mesmo entre outros grupos, novos movimentos ou novas realidades na igreja. Há grupos mais conservadores dentro da igreja, mais tradicionalistas. Muitas pessoas diriam que o Opus Dei está na ala conservadora da igreja, mas provavelmente não é o mais conservador.


Folha – Em certa passagem do livro o senhor afirma que, quando foi criado por santo Escrivá, o Opus Dei era um grupo revolucionário. Em que sentido?


Allen Jr. – Há dois pontos. Um deles é que o grupo foi criado em 1928, na Espanha, onde havia naquela época uma cultura católica muito clerical. O papel dos laicos era concebido como o de obedecer aos clérigos. Então o Opus Dei fez duas coisas revolucionárias. Primeiro, eles disseram que é na ‘rua’, mais do que dentro das igrejas, que a vida religiosa tem de ser vivida. Ou seja: você tem de viver sua fé nas ruas, assim como na igreja. O que era uma mudança para a cultura católica espanhola. A segunda é que eles deram importância à autonomia dos laicos, que eles deviam descobrir por si próprios coisas como as estratégias políticas que os católicos têm de adotar ou como devem conduzir seus negócios. E isso foi de fato uma revolução, considerando a cultura da época. E é por isso que, no início, o Opus Dei era visto como um movimento de esquerda na Espanha; eram considerados como um tipo de ‘avant garde’. O que faz com que seja um tanto irônico o fato de seu perfil atual ser considerado conservador.


Folha – E esse caráter revolucionário permanece no movimento?


Allen Jr. – Sim, mas isso se tornou um denominador comum na Igreja Católica. De forma geral, principalmente depois do Concílio Vaticano 2º (1962-65), a igreja adotou essas idéias. Assim, não é mais apenas o Opus Dei que as pratica. É por isso que as pessoas do Opus Dei dizem freqüentemente que Escrivá, de certa forma, antecipou o concílio. Nesses dois pontos sua visão foi amplamente adotada pela igreja.


Folha – Por que, mesmo os membros do Opus Dei sendo poucos em proporção à comunidade católica (cerca de 85.400, segundo o Vaticano, entre aproximadamente 1,1 bilhão de fiéis no mundo), o grupo povoa a imaginação das pessoas?


Allen Jr. – Esse é o grande mistério sobre o Opus Dei. Estamos falando de um grupo, liderado por um punhado de pessoas, que não é tão significante, tem muito menos poder do que as pessoas acreditam e muito menos dinheiro. Então, como eles se tornaram esse alvo de teorias conspiratórias? Tudo o que posso dizer é que houve um tipo de combinação perfeita de vários fatores diferentes. Um deles é o fato de que, logo no começo de sua história, o Opus Dei se envolveu em rivalidades com os jesuítas – a ordem religiosa mais poderosa e importante da igreja. E, como eles estão presentes no mundo todo, essas impressões sobre o Opus Dei foram exportadas para todo o mundo católico. O segundo fato é que, como o Opus Dei cresceu na Espanha de Franco, há essa tendência muito natural de associar o Opus Dei ao fascismo. Isso lhes deu uma certa reputação de controvérsia. O terceiro é que, no período posterior ao Vaticano 2º, o Opus Dei se tornou o símbolo central das posições ideológicas mais enraizadas da Igreja Católica; ele se tornou um símbolo do que as pessoas viam como a reação direitista ao concílio. Assim, se você é um católico liberal, quase que automaticamente se opõe ao Opus Dei. Mesmo que não saiba nada sobre ele. Portanto é a uma imagem mais do que à realidade que muitas pessoas reagem. O Opus Dei é um grupo tão pequeno, que a maioria das pessoas jamais encontrou algum de seus membros. E se encontraram uma pessoa e tiveram uma experiência ruim com essa pessoa, eles pensam que a coisa toda é ruim. E vice-versa. Provavelmente as duas verões são exageradas.


Folha – E quanto às pessoas que, ao deixarem o Opus Dei, criticam-no com veemência, acusado-o de lavagem cerebral e restrição às liberdades?


Allen Jr. – Para cada pessoa que teve uma experiência ruim com o Opus Dei é possível encontrar alguém que teve uma experiência boa. Mas eu creio que essas experiências ruins são reais, pois esses relatos vêm de muitas pessoas diferentes, de diversas partes do mundo; eles têm de ser considerados seriamente. E eu creio que isso significa que o Opus Dei não tem feito sempre um bom trabalho ao lidar com as pessoas que têm dúvidas. Eu acho que eles são muito bons em cuidar da vida espiritual dos entusiastas, mas não são tão bons ao lidar com pessoas que estão lutando com suas dúvidas.


Folha – Por que eles não são bons ao lidar com essas pessoas?


Allen Jr. – Eu creio que a maioria das pessoas que estão em posições de liderança no Opus Dei estão tão completamente satisfeitas com suas experiências, tão convencidas da importância da mensagem de Escrivá que eles não conseguem às vezes entender as pessoas que não estão.


Folha – Então a faculdade da razão é às vezes bloqueada pela experiência que eles estão vivendo?


Allen Jr. – Eu só quero dizer que, psicologicamente, às vezes é difícil para eles entender de onde vêm essas pessoas que têm dúvidas e que estão em conflito.


Folha – Esses problemas não estão ligados à configuração de uma instituição laica com características monásticas?


Allen Jr. – Particularmente entre os numerários [membros do movimento que vivem nos centros do Opus Dei e aceitam o celibato], as demandas das tarefas do Opus Dei podem ser muito pesadas, algo similar à experiência monástica. Mas eu diria que, para a grande maioria das pessoas do Opus Dei, dos numerários, eles sabiam ao que estavam se associando e achavam isso muito positivo. Mas há, sem dúvida, uma minoria que entra em conflito com isso. E, historicamente, freqüentemente o Opus Dei não tem sabido muito bem o que fazer com os membros em conflito. E eu acho que o Opus Dei melhorou e aprendeu nesse aspecto com o passar dos anos.


Folha – O fato de eles cultivarem uma atmosfera de segredo não prejudica sua imagem?


Allen Jr. – Sim. Mas o fato é que eles não vêm isso como segredo, mas como o viver sua própria espiritualidade. Assim, não tentam ser sigilosos, mas eu acho que, para as pessoas que estão fora, eles aparecem como um grupo secreto porque não fazem um trabalho muito bom para se explicarem. Isso os afeta. E é claro que, com o livro, eu estava os tentando desafiar a enfrentar isso.


Folha – Qual foi a reação do Opus Dei ao seu livro?


Allen Jr. – Oficialmente o Opus Dei não fez nenhum comentário. Extra-oficialmente, algumas pessoas do Opus Dei gostaram e outras não. Algumas acharam que ajudou a mostrar e esclarecer as coisas, outras que ele só fez alarde.


Folha – As pessoas que acharam que ele só fez alarde deram alguma razão para isso?


Allen Jr. -Muitas pessoas dizem que os assuntos dos quais eu trato -a atmosfera de segredo, o dinheiro, o poder etc.- são secundários, não estão no âmago do Opus Dei. Elas dizem também que têm falado sobre isso por décadas, então qual o sentido de abordar esses assuntos de novo?


Folha – Como o sr. reagiu a essas críticas?


Allen Jr. – ‘Escutem, essas são as perguntas que as pessoas fazem. Vocês não podem ter uma conversa franca sobre o Opus Dei sem as considerar e dar a respostas a elas. E, enquanto vocês não o fizerem, as perguntas permanecerão’. Então, gostem eles ou não, isso faz parte da vida das pessoas.


Folha – O que mais o surpreendeu sobre o Opus Dei enquanto pesquisava para escrever o livro?


Allen Jr. – A distância entre a imagem e a realidade [do movimento]. A imagem é a de um grupo todo-poderoso que está por trás de tudo o que acontece na Igreja Católica. E isso não é verdade. É um movimento muito mais modesto, menor, menos significante do que sugere a imagem.’


ELEIÇÕES 2006
Fernando Rodrigues


A internet na política


‘Já há 32,1 milhões de brasileiros com mais de 16 anos e algum tipo de acesso à internet. O número é do Ibope. Eram menos de 10 milhões em 2002, quando Lula se elegeu com 39,4 milhões de votos.


Nesta eleição presidencial de 2006 a internet será um meio de comunicação com efeitos reais no resultado da disputa. Será a primeira vez no Brasil. Já é algo comum nos EUA.


Até 2002, o candidato a um cargo eletivo no Brasil montava equipes de marketing, imprensa, TV, rádio, pesquisas e coordenação de cabos eleitorais. Internet era algo acessório, quase um luxo. Agora, o político que entrar na disputa sem pensar na web pode até não perder, mas sairá com certeza em desvantagem.


O meio eletrônico de comunicação cresce sem parar. Ontem, o jornal ‘The New York Times’ trouxe longa reportagem a respeito.


Eis um dado: o valor de publicidade gasto em internet nos EUA subiu de US$ 4,2 bilhões em 2004 para US$ 5,1 bilhões em 2005 -um aumento de 21,4%. A título de comparação, o bolo publicitário dos jornais de circulação nacional no mercado norte-americano foi de US$ 1,6 bilhão no ano passado, quase sem variação em relação ao período anterior.


Não pense o político que vai apenas ganhar votos se estiver na internet. Muito possivelmente, perderá eleitores. A web tem sido, para o bem e para o mal, o meio predileto para a propaganda negativa. Monta-se um site em Lesoto. Divulga-se uma mentira. Até o atingido se explicar, o estrago já foi feito. Alguém imagina, por exemplo, que o escândalo da hora, a ‘lista de Furnas’, teria a amplitude que tem sem a internet? Impossível.


A ciência e a arte dos candidatos em outubro será conseguir neutralizar as eventuais propagandas negativas vindas da internet. Nos EUA, quase ninguém consegue. Aqui, poucos sequer pensam no assunto.’


CARTUM & GUERRA
Nelson Ascher


A crise das charges


‘Talvez não convenha falarmos em ‘conflito de civilizações’ (expressão prestes a ser banida pela correção política). Sobram, todavia, sinais de que existem diferenças relevantes entre as culturas que participam da crise das charges. Por exemplo: se os imames dinamarqueses que saíram em campanha pelo Oriente Médio levaram quatro meses para convencerem correligionários de que elas eram intoleráveis, bastou-lhes uma semana de ameaças e violência para persuadiram líderes, jornalistas e intelectuais europeus e americanos de seu caráter ofensivo. As proverbiais massas muçulmanas se revelaram mais céticas do que as elites das nações democráticas.


Eram ofensivas as charges? Valia a pena divulgá-las? Tais perguntas não têm resposta segura. O tempo decorrido entre a publicação na Dinamarca e a reação pública, o fato de que algumas foram estampadas em outubro num jornal egípcio sem provocar escândalos, as caricaturas apócrifas que os imames acrescentaram às doze originais, tudo aponta para a incitação voluntária e para a manipulação política. Ademais, desde que os desenhos se tornaram notícia, o público só será capaz de formar opiniões informadas caso tenha acesso a eles.


Eis, aliás, a questão: uma questão de opiniões divergentes. Como resolvê-la?


Os manifestantes que, no começo deste mês, protestaram em Londres carregavam cartazes condenando a liberdade de expressão, ameaçando quem representara o profeta de represálias, prometendo novos atentados como os do WTC ou do metrô londrino. Dois deles vestiam fantasias de homens-bomba. Muita gente se sentiu ofendida pela manifestação e um dos pseudo-homens-bomba se desculpou depois.


Ambos eram, à sua maneira, charges ambulantes. Que mensagem transmitiam? A de que muçulmanos reagem violentamente a acusações de violência? É uma interpretação plausível a de que eles e os demais manifestantes associaram sua religião à violência, provocando sua estigmatização. Essa, porém, não passa de uma interpretação entre inúmeras possíveis e, que eu saiba, ninguém na Síria ou no Irã a corroborou. Quem faz mais mal à imagem do Islã -o jornal ou os manifestantes? Como aqui inexiste interpretação unânime ou inequívoca, quem é que nos assegura acerca do sentido indiscutível das charges do ‘Jyllands-Posten’: um clérigo, um político, um jornalista?


Outros, que consideraram criminosas as charges, acham que, no caso de arte autêntica (igualmente pecaminosa para muitos), esta e seu autor precisam, sim, ser defendidos. São críticos literários ou de artes plásticas que dirão quem faz jus à liberdade de expressão e quem é censurável, quem realmente ofendeu muçulmanos? Bom, eu não confio tanto no meu discernimento literário, pictórico ou cinematográfico a ponto de oferecê-lo como prova incriminadora numa espécie de processo que culmina com a pena capital.


Julgar as charges no âmbito de uma querela semelhante implica aceitar a acusação e o processo, embora não o veredicto. Ora, eu não testemunho em processos assim, nem concordo com os termos em que a discussão foi colocada. Recuso-me a decidir se acho ou não ofensivas as charges. Pois não se trata mais nem de um debate em torno da liberdade de expressão, nem sequer de manter religião e política apartadas. Trata-se agora de impedir que se misturem as esferas simbólica (charges, livros, slogans, fantasias) e prática ou material (censura, destruição de vidas e propriedade, violência).


A uma ofensa simbólica se responde no plano simbólico. Liberdades como a de expressão, pensamento e religião se enraízam na distinção clara entre o que é simbólico e o que é material. Cada qual interprete as charges ou as fantasias de homem-bomba segundo suas preferências. Ninguém, contudo, está autorizado a retrucar com balas ou bombas. E admitir o caráter ofensivo das charges (ou discuti-las de acordo com essas categorias) corresponde quase a afirmar que certos símbolos são mais do que símbolos, que ‘agressões’ simbólicas são a rigor físicas.


O convívio de opiniões e interpretações divergentes depende menos de ‘moderação’ ou ‘responsabilidade’ que da separação rigorosa entre as duas esferas. Não faltam religiões e ideologias, intelectuais e governos dispostos a legislar sobre o que cabe ou não fazer na esfera simbólica. Uma charge, no entanto, é uma charge, e uma bomba, uma bomba. Endossar a hipersensibilidade dos mortalmente ofendidos equivale a apagar os limites que as separam, delegando a intérpretes auto-selecionados a tarefa de determinarem quando algo simbólico deixa de sê-lo.


Logo que se entra em sono profundo (o sono REM) e se sonha, as funções voluntárias do corpo, por assim dizer, ‘se desligam’. Independentemente do que sonhemos, o sistema nervoso impede que nossos músculos reajam ao que sucede no universo onírico. Eu sofro de um distúrbio moderado do sono que me faz às vezes acordar porque, sonhando que brigava, chutei de verdade a parede. Sonambulismo e narcolepsia são formas agravadas desse distúrbio que, não raro, afeta a história e os comportamentos coletivos.


Durante a grande caça às bruxas, meio milênio atrás, sonhar que uma vizinha voava à noite numa vassoura era o suficiente para incriminá-la. Atualmente, alguém se sentir ofendido por uma ‘agressão’ simbólica é prova de que outrem cometeu um crime concreto. Quem delibera sobre o que é ofensivo e ultrapassa os limites do simbólico são, afinal, aqueles dispostos a reagir com violência, tomando a justiça nas próprias mãos. Assim, explosivos reais nem são mais necessários: basta usar uma fantasia de homem-bomba para ter razão.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Sonho e realidade


‘Longa reportagem do ‘Washington Post’ de ontem, intitulada ‘Um sonho de gasoduto latino-americano’, com direito a foto de Lula com Néstor Kirchner e Hugo Chávez, levantou as dificuldades à frente do que o venezuelano anunciou como ‘símbolo da influência decrescente nos EUA’.


Entre outros ‘analistas’ ouvidos, um membro do Inter-American Dialogue, americano, disse que a América Latina ‘caminha para a desintegração’, não a integração pela energia.


Outro, brasileiro do Greenpeace, reclamou que a comunidade ambientalista foi pega ‘de surpresa’, mas arriscou ‘conseqüências enormes’ para o meio ambiente e os índios.


Para um terceiro, venezuelano opositor de Chávez, tudo não passa de ‘instrumento político’.


Atento à região no fim-de-semana, o ‘WP’, que ecoa usualmente as preocupações do Departamento de Estado dos EUA, foi em outra linha na coluna de Marcela Sanchez, sobre relações com a América Latina.


Sanchez louvou ‘uma voz da razão para a América Latina’. É o secretário-assistente de Estado para a região, Thomas Shannon, que se colocou em oposição ao secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, quanto à suposta ameaça de Chávez e cia. Diz Shannon que ‘o grande desafio’ na América Latina ‘não é a Venezuela, mas a pobreza’.


Porém o texto, como sempre, fechou com críticas a Chávez e elogios a Lula, em comparação.


E tome energia. O ‘Wall Street Journal’ deu que o secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, conversou longamente com o ministro Antônio Palocci, no encontro do G8 na Rússia, e o assunto foi, mais uma vez, auto-suficiência em petróleo.


Um ‘funcionário graduado’, segundo o ‘WSJ’, disse que os EUA ‘estão muito interessados’ no êxito brasileiro com etanol e que Snow pediu ‘conselhos’ ao colega, em encontro privado.


Por outro lado, o mesmo ‘WSJ’, em sua coluna de diplomacia, registrou as ‘novas prioridades’ do Departamento de Estado, por conta das alterações de equipe nas embaixadas e consulados dos EUA.


Na China, 15 novos postos. Na Índia, 12. Para tanto, na Rússia, menos 10. Alemanha, menos 7. A maioria (38) sai da Europa. No Brasil e em outros seis países pelo globo, dois postos a menos.


BRUTAL!


O primeiro-ministro Tony Blair passou o dia, do ‘Financial Times’ aos despachos das agências AP e outras, duelando com Lula na África.


Blair cobra concessões de países como Brasil e Índia, nas negociações comerciais. Lula cobra antes um encontro entre líderes mundiais. Fim do dia e, de novo, avanço nenhum.


Blair, na verdade, estava com a cabeça em outra parte. O tablóide ‘News of the World’ deu, sob a manchete ‘Brutal!’, as imagens de soldados britânicos batendo em adolescentes iraquianos. E tome, do primeiro-ministro, promessas de investigação e punição etc.


Por conta do ‘News of the World’, o dia foi curioso, na cobertura eletrônica. O jornal vetou toda reprodução do vídeo -e ao mesmo tempo postou as cenas na íntegra em seu site. O resultado foi que sites e canais de notícias gastaram o dia no vaivém entre reproduzir ou não.


No meio do dia, viam-se as cenas na Al Jazira ou na Globo News, mas não na BBC ou na CNN. Depois, sumiu das primeiras e entrou nas últimas. Sintomaticamente, além da Al Jazira outros dois canais árabes, o saudita Al Arabiya e o iraniano Al Alam, cobriram ruidosamente o caso, com o vídeo. Já o iraquiano Al-Sharqiyah, não.


Os sites noticiosos de EUA e Europa, por outro lado, não poderiam ser mais cautelosos. ‘New York Times’ e ‘Le Monde’ mal registraram. Já ‘Guardian’ e ‘El País’ deram certa atenção, mas nada de manchete. No Brasil, na Folha Online e outros, foi a manchete.


A certa altura, o ‘El País’ apelou para a reprodução do áudio da gravação, aliás, tão revoltante quanto as cenas.’


TELEVISÃO
Daniel Castro


‘Jornal Nacional’ invade noticiário local


‘Num feito inédito, a Globo fez quinta e sexta-feira passadas conexões ao vivo entre o estúdio do ‘Jornal Nacional’, no Rio de Janeiro, e o ‘NE-TV – 2ª Edição’, telejornal local de Recife (PE). A apresentadora Fátima Bernardes entrou no terceiro bloco do ‘NE-TV’ e conversou com o âncora Hugo Esteves, anunciando os principais assuntos do ‘JN’.


A Globo diz que foi apenas um teste, mas a ação foi interpretada como uma tentativa de reação contra a Record. É no Recife que a novela da Record, ‘Prova de Amor’, tem sua melhor audiência. O ‘NE-TV’ vai ao ar antes da novela ‘Bang Bang’, que, no Recife, perde para ‘Prova de Amor’.


Como ‘Prova de Amor’ compete com o ‘Jornal Nacional’ de 10 a 25 minutos, a entrada de Fátima Bernardes no ‘NE-TV’ foi vista como uma forma de a Globo ‘convidar’ o telespectador que migra para a novela da Record a voltar à emissora no ‘JN’.


A Globo de Recife é própria da família Marinho. Em janeiro, ‘Prova de Amor’ marcou 27 pontos no Ibope local, contra 26 de ‘Bang Bang’ e 25 do ‘JN’.


Segundo a Globo, a incursão do ‘JN’ no ‘NE-TV’ não teve a ver com audiência. Foi, segundo a emissora, um teste para o projeto de ‘Jornal Nacional’ itinerante durante a campanha eleitoral deste ano -um apresentador do ‘JN’ estará em um Estado do país e outro, no Rio. Nesta semana, haverá testes em outras capitais.


OUTRO CANAL


Justiça 1 O apresentador José Luiz Datena foi condenado na semana passada, pela 2ª Vara de Barueri (Grande São Paulo), em processo movido pela Rede TV!. Em 2002, Datena assinou um contrato de quatro anos com a Rede TV!, mas só ficou na emissora durante dois meses, apresentando telejornal policial.


Justiça 2 Segundo a Rede TV!, Datena terá que lhe indenizar em cerca de R$ 10 milhões se a decisão de Barueri for mantida. A sentença deve ser publicada nesta semana. É de primeira instância e a ela cabe recurso. O advogado de Datena não foi localizado.


Renovação Datena, aliás, renovou contrato com a Band na semana passada. Ficará na emissora por mais três anos.


Ruído Há um burburinho nos bastidores da Globo de que Manoel Carlos e Jayme Monjardim, respectivamente autor e diretor-geral da próxima novela das 21h, ‘Páginas da Vida’, estariam se desentendendo. A Globo e Manoel Carlos negam.


Descanso A Globo deu ‘férias’ para o quadro ‘Se Vira nos 30’, do ‘Domingão do Faustão’. O quadro deve voltar em abril.


Samba O SBT escalou Adriane Galisteu para trabalhar na cobertura do Carnaval do Rio. Ela atuará como repórter no camarote da Brahma. O SBT exibirá boletins do Rio, Salvador e São Paulo.’


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O Globo


Segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006


A OBRA EM AÇÃO
Carlos Alberto Di Franco


Repensando os jornais


‘As fraudes praticadas por jornalistas norte-americanos do ‘New York Times’ deram o que falar. Autor do mais famoso livro sobre a história do jornal, Gay Talese vê importantes problemas a partir da crise que atingiu um dos ícones do jornalismo mundial. Embora faça uma vibrante defesa do ‘Times’ – ‘uma instituição que está no negócio há mais de cem anos’- Talese, crítico competente e arguto, põe o dedo em algumas chagas que, no fundo, não são exclusividade do jornal norte-americano. Elas ameaçam, de fato, a credibilidade da própria imprensa.


‘Não fazemos matéria direito, porque a reportagem se tornou muito tática, confiando em e-mail, telefones, gravações. Não é cara a cara. Quando eu era repórter, nunca usava o telefone. Queria ver o rosto das pessoas. Os dois editores não viam a cara do repórter que eles contrataram. E as reclamações de editores de que Jayson Blair deveria parar de escrever foram feitas por e-mail. Isso é muita tecnologia no jornalismo. Não se anda na rua, não se pega o metrô ou um ônibus, um avião, não se vê, cara a cara, a pessoa com quem se está conversando’, conclui Talese. Falta de qualidade e deslizes éticos têm conseqüências. Produzem, a médio ou longo prazos, cicatrizes na credibilidade.


Um amigo gozador costuma me dizer que a expressão ‘jornalismo de qualidade’ é contraditória em si mesma. Outro dia, quis me exemplificar esta sua opinião: ‘Veja’, dizia, ‘boa parte do noticiário de política não tem informação. Está dominada pela fofoca e pelo espetáculo. Não tem o menor interesse para os leitores. Não resolve nada, não questiona nada, não melhora a vida das pessoas.’ O desinteresse crescente dos leitores com as páginas de política, por exemplo (e o comentário do meu amigo é uma amostragem do que está se passando pela cabeça do consumidor de jornal), está em relação direta com o excesso de aspas, a falta de apuração, a crise da reportagem e a substituição de matéria jornalística por transcrição rotineira de fitas.


O uso de grampos como material jornalístico virou, infelizmente, ferramenta de trabalho. A velha e boa reportagem foi sendo substituída por dossiê. É preciso ter cuidado, muito cuidado, com a fonte que voluntariamente procura o repórter. O grampeamento, além disso, continua sendo um delito. Independentemente das tentativas de minimizar a gravidade da sua prática, continuo achando que o melhor fim não justifica quaisquer meios. De uns tempos para cá, no entanto, o leitor passou a receber dossiês que, freqüentemente, não se sustentam em pé. Como chegam, vão embora. São chuva de verão. Curiosamente, quem os publica não se sente obrigado a dar nenhuma satisfação ao leitor. Dossiê deveria ser ponto de partida, pauta. Entre nós, virou matéria para publicação. Entramos na era do jornalismo sem jornalistas, nos tempos da reportagem sem repórteres. Ficamos, todos (ou quase todos), fechados no nosso autismo, emparedados no ambiente rarefeito das redações.


Enquanto esperamos o próximo dossiê, tratamos de reproduzir declarações entre aspas, de repercutir frases vazias de políticos experientes na arte de manipular a imprensa. O jornalismo está virando show business . Espartilhados pelo mundo do espetáculo, repórteres estão sendo empurrados para o incômodo papel de uma peça descartável na linha de montagem da ciranda do entretenimento. Urge combater as manifestações do jornalismo declaratório e assumir, com clareza e didatismo, a agenda do cidadão. É preciso cobrir com qualidade as questões que influenciam o dia-a-dia das pessoas. É importante fixar a atenção da cobertura não mais nos políticos e em suas estratégias de comunicação, mas nos problemas de que os cidadãos estão reclamando.


Os jornalistas precisam escrever para os leitores, e não para os colegas. O jornal precisa ter a sábia humildade de moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às autênticas necessidades do público. O lugar de repórter é a rua, garimpando a informação, apurando, prestando serviço ao leitor. Só assim conseguiremos que os leitores, cada vez mais seduzidos pelas facilidades oferecidas pela informação virtual, percebam que o jornal continua sendo útil, importante, um guia insubstituível para a navegação na vida real.


CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Master em Jornalismo.’


CRISE DAS CHARGES
O Globo


No rastro da violência


‘WASHINGTON -A secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, advertiu ontem que as violentas reações à publicação de charges sobre Maomé podem fugir ao controle se os governos se recusarem a agir com responsabilidade. Ela se referia principalmente a Irã e Síria, que os Estados Unidos acusam de fomentar protestos. Segundo a secretária, o Irã deveria pedir calma a seus cidadãos e não encorajar protestos contra embaixadas ocidentais.


– Se governos não agirem responsavelmente, poderemos enfrentar um senso de revolta que fuja ao controle, particularmente se pessoas continuarem a incitar – disse Condoleezza. – É bem conhecido que o Irã e a Síria levam manifestantes às ruas sempre que querem, para mostrar sua posição.


A declaração veio num dia em que houve tanto protestos contra ocidentais, quanto contra comunidades islâmicas. Durante a semana, uma série de manifestações violentas deixaram cerca de dez mortos no Afeganistão, além de missões diplomáticas dinamarquesas e ocidentais terem sido alvo de ataques em Síria, Líbano e Irã.


Teerã rebateu as acusações de que teria incentivado os protestos dizendo que ‘o que aconteceu foi uma reação natural’. ‘Rice e os dinamarqueses deveriam se desculpar. Estes comentários podem piorar a situação’, segundo o Ministério do Exterior.


A Dinamarca – país onde as caricaturas foram publicadas primeiro – pediu que seus cidadãos deixem o mais rapidamente possível a Indonésia. ‘Informações concretas indicam que um grupo extremista deseja perseguir dinamarqueses em protesto pela publicação das charges’, dizia o comunicado do Ministério do Exterior.


Segundo o ministério, o perigo maior é no leste de Java, mas a ameaça ‘pode se espalhar pelo restante do país’. No sábado, o corpo diplomático foi retirado do país e levado temporariamente para local não revelado. A Dinamarca já retirou seu pessoal diplomático também do Irã e da Síria.


Três palestinos são baleados


A questão ateou mais fogo no conflito entre israelenses e palestinos. Uma mesquita da aldeia de Nabi Elias, na Cisjordânia, apareceu pichada com insultos a Maomé, comparando-o a um porco (animal considerado impuro pelos muçulmanos). Soldados israelenses ainda tentaram apagar as pichações, que teriam sido feitas por colonos judeus. Mas centenas de pessoas se reuniram em Nabi Elias, Azun e Punduk, queimando pneus, atirando pedras contra carros e objetos incendiários contra tropas. No confronto, três palestinos foram baleados e uma mulher foi ferida por uma pedra.


– Ativistas de direita querem fazer uma fogueira – protestou no Parlamento israelense o deputado árabe Taleb a-Sana, exigindo que o fato seja investigado.


Em outro ataque, um cemitério islâmico foi violado em Gravlund, na Península da Jutlândia, Dinamarca. Vinte tumbas tiveram suas lápides pichadas ou destruídas. Em Odense, cerca de cem pessoas se reuniram numa manifestação organizada por movimentos contra a imigração e em apoio ao jornal que publicou as charges.


Já no Líbano, o grupo Usbat al-Ansar, ligado à rede terrorista al-Qaeda, disse que incendiar as missões dinamarquesas em Líbano e Síria acenderia uma guerra santa contra o Ocidente. ‘O fogo que vocês acendem nada mais é do que um sinal para os campos de refugiados palestinos contra os cruzados’, disse o grupo.


No Iêmen, as autoridades prenderam três jornalistas e buscam um quarto, depois de fecharem os jornais ‘Yemen Observer’, ‘al-Hurriya’ e ‘al-Rai al-Aam’ por reproduzirem as caricaturas de Maomé. Jornalistas argelinos também denunciaram a prisão de Kahel Boussad e Berkane Bouderbala, editores dos semanários pró-islâmicos ‘Errisala’ e ‘Iqraa’, que foram fechados pelo mesmo motivo.


As manifestações continuaram ontem, com turcos ultranacionalistas jogando ovos contra a fachada do Consulado da França em Istambul. Mais de 50 mil pessoas se reuniram em Diyarbakir, nas região curda, para protestar contra as charges.’


Deborah Berlinck


‘O Islã faz parte da Europa’


‘PARIS. A crise provocada pela publicação das charges de Maomé revela uma Europa em plena crise de identidade, que não aceita que uma parte de sua população seja muçulmana, diz Christophe Bertossi, especialista do Instituto Francês de Relações Internacionais.


Há uma tendência de olhar o mundo muçulmano como algo fora da Europa. Que efeito isso causa na população muçulmana?


CHRISTOPHE BERTOSSI: É um problema que enfrentam todos os países europeus: repensar a integração a partir da cidadania. Os muçulmanos europeus são cidadãos europeus. E a maioria é cidadã européia também porque incorporou os valores europeus. Eles aceitaram o jogo e as regras da integração: os direitos fundamentais dos indivíduos, a igualdade da mulher, etc. O problema é nós os acusamos de serem muçulmanos ou de terem uma identidade difícil de conciliar com a européia. Pensa-se o muçulmano ainda sob o prisma da segurança, o que acaba criando uma ligação entre terrorismo e islamismo.


Qual a outra dificuldade?


BERTOSSI: Temos dificuldade de pensar no Islã como parte da Europa. A questão das identidades mostra que o nacional e o internacional estão casa vez menos claros. E as caricaturas mostraram isso. Os muçulmanos do Oriente Médio se sentiram solidários com os da Europa e vice-versa.


Deve-se ou não publicar caricaturas de Maomé?


BERTOSSI: No início, insistiu-se na liberdade de expressão e acusou-se o Islã de não ser conciliável com os valores europeus. Mas agora compreendeu-se que o valor é liberdade de expressão, mas com respeito ao outro.


Não se deve provocar, então?


BERTOSSI: Sim, a provocação gratuita estigmatiza e cria amálgamas. Não se trata de liberdade de expressão, mas de agitação de discurso político e tomada de posição ideológica neste debate sobre as identidades.


Isso não ajuda a integração de muçulmanos recém-chegados…


BERTOSSI: Há muito tempo que o Islã faz parte da Europa, mas isso contribui para dizer aos muçulmanos: vocês não são como a gente, e nós não os queremos.


Quais os riscos disso?


BERTOSSI: O risco é fazer a profecia se realizar. De tanto insistir que muçulmano não é cidadão francês e deixá-lo se confrontar com a discriminação do emprego, da habitação e da formação, nos arriscamos a um rompimento entre muçulmanos e instituições francesas. O desafio é reconciliar a identidade, para evitarmos um divórcio. A crise européia se dá em dois níveis: a crise da construção européia e a crise das populações originárias de imigração.


A solução é aceitar a Europa muçulmana?


BERTOSSI: É aceitar que a Europa é feita de várias religiões e de diversidade. Esta é a identidade européia. Não temos que escolher a identidade mais conveniente.’


INTERNET
Carlos Alberto Teixeira


ADVISE: sistemaço ou puro blefe?


‘Para um governo se meter na vida privada de seus cidadãos há dois estilos de ação. O primeiro é na cara de pau mesmo, linha dura e vamos ver quem peita. O segundo é construindo um tal clima de terror que o povo se acovarda e abre mão de suas liberdades. A China vem adotando a primeira abordagem, os Estados Unidos a segunda. Vejamos primeiramente um recente exemplo chinês.


Segundo o Asia Times Online, o governo pauleira da China está elaborando um plano para registrar os 200 milhões de usuários de celulares pré-pagos naquele país. A alegação oficial é de que se trata de uma luta contra fraudes, spam-SMS e tentativas de armar encontros políticos. A cidade de Xangai já vem registrando os pré-pagos desde setembro passado. Considerável parte do registro será feita através de cópia das informações fornecidas nos documentos que os usuários têm que apresentar na hora da compra. A iniciativa é um duro golpe também nas hordas de intermediários que vendem ao público cartões SIM sem fazer perguntas.


Os coitados dos celulonautas chineses são constantemente atormentados por lixo SMS anunciando montes de tralhas, drogas, enviando armadilhas de phishing, pornografia e mensagens políticas, sendo estas o fantasma que tira o sono das autoridades chinesas. Cerca de 74% dos usuários de celular na China não são registrados e, com essa turma toda cadastrada, quero ver se existirá sistema capaz de vasculhar todo o tráfego SMS em busca de mensagens potencialmente ilegais. Consultores de telecom acreditam, no entanto, que provedores espertinhos poderão mais tarde faturar alto vendendo dados cadastrais.


Já no caso dos Estados Unidos, a última palavra de ouro tem sido ADVISE (Analysis, Dissemination, Visualization, Insight, and Semantic Enhancement = Análise, Disseminação, Visualização, Percepção e Aprimoramento Semântico – uff), um sistema de informações pouquíssimo conhecido e ainda em desenvolvimento pelo governo Bush, cujo objetivo será coletar dados em massa, a partir de notícias, blogs, páginas web e até emails. Tais informações serão linkadas com registros oficiais governamentais e relatórios das agências de inteligência, com a alegação, já tão batida desde 11 de setembro de 2001, de que se trata de medida preventiva antiterrorismo.


De acordo com o Christian Science Monitor, partes do ADVISE já estariam em funcionamento e, graças a elas, já teria sido possível abafar insurreições, golpes e planos terroristas. Porém, o nível de armazenamento de dados é tão minucioso que já existe muita gente preocupada com este avanço tão rápido do governo, invadindo a prioridade dos cidadãos. O ADVISE provavelmente funciona em conjunto com a versão atual do famoso Echelon, o sistema que supostamente interceptava todas as transmissões eletromagnéticas do planeta através de centenas de antenas espalhadas em pontos chave do orbe terrestre.


O ADVISE promete se tornar tema de muita polêmica nas próximas semanas, face à imensa abrangência de seus tentáculos. Apenas uns poucos documentos públicos mencionam o sistema, que faz parte do plano trienal do Departamento de Segurança Interna dos EUA, um programa conhecido como TVTA (Threat and Vulnerability, Testing and Assessment). Trata-se provavelmente do mais avançado sistema de data-mining da História, com capacidade, segundo estimativas, para reter informações sobre mais de um quatrilhão de entidades, um número assombroso — o algarismo ‘1’ seguido de 15 zeros. A meta do sistema não seria apenas identificar terroristas ou peneirar palavras-chave e sim identificar padrões que revelem as intenções e motivos dos agentes do ‘eixo do mal’. Tal como no Echelon, se o sistema informatizado filtrar um conjunto de dados e marcá-lo como suspeito, o pacote é repassado para analistas humanos que procederão ou não às devidas investigações.


Por outro lado, há quem acredite que tem um pouco de ‘gargantex’ nessa história. Seria só uma idéia plantada para assustar o inimigo, um blefe. É como se o Tio Sam quisesse alardear que possui uma arma secreta tão poderosa que os inimigos se intimidariam de antemão, crentes que talvez até seus pensamentos poderiam ser monitorados, o que condenaria ao malogro qualquer ação antiamericana. Se for mesmo essa a idéia, receio que os gringos vão se estrepar, pois a turma dos cabeças-de-toalha não dá moleza não, conforme já se viu.


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É fato conhecido que este caderno tem como editora a Cora Rónai. Pois bem, recentemente ficou mais uma vez comprovado que o tamanho do coração dessa mulher é uma coisa galacticamente descomunal, quase absurda, é bom que se saiba. Falo de cadeira.


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Os links de hoje estão em http://catalisando.com/infoetc/20060213.htm’


POESIA & JORNALISMO
O Globo


O fio de poesia que vem do jornalismo


‘Após 25 anos de jornalismo – leiam-se 25 anos falando da realidade do modo mais sintético possível – Mariza Tavares, diretora de jornalismo do Sistema Globo de Rádio e diretora-executiva da CBN, estréia na literatura com um livro de poesia que só podia vir de uma jornalista: os poemas de ‘Fio’ têm ‘o feitio de um haikai prolongado’, como afirma Carlos Heitor Cony na apresentação da obra, e falam do ‘jogo de esconde-esconde entre vida e arte’, como escreve Arthur Dapieve na contracapa. ‘Fio’ será lançado hoje pela editora Jaboticaba, às 20h, na livraria Argumento, no Leblon.


‘Escreve-se sobre o que não dá certo’


Curtos e precisos, os cerca de 80 poemas do título, alguns em inglês, mostram o ponto de vista feminino para a sexualidade do homem (‘Intumescer é segredo masculino’), o tempo (‘Porque já vivemos demais/(…) e fantasmas nos assombram – não há como dar certo’), os desencontros (‘Eu te digo/ que amei (…)/ Você conta dos amores/ que teve (…)/ E erramos novamente’), e a literatura (‘Escreve-se sobre o que não dá certo’, frase que bem poderia ser também sobre jornalismo).


– A poesia permite um exercício de busca da menor unidade dramática possível – afirma a autora.’


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006


MEMÓRIA / NICOLAU TUMA


Carlos Marchi e Antônio Carvalho Mendes


O adeus ao pioneiro Nicolau Tuma


‘Nicolau Tuma, o locutor que leu a declaração inicial da Revolução Constitucionalista no dia 9 de julho de 1932, ao microfone da PRB-9, a Rádio Record de São Paulo, morreu anteontem, aos 95 anos, foi velado na Assembléia Legislativa e sepultado no Cemitério São Paulo. Tuma foi deputado federal por três legislaturas e, mais tarde, ministro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Ele foi pioneiro no futebol: fez a primeira transmissão de um jogo de futebol pelo rádio, em 1932.


Tuma foi sempre inovador nas muitas atividades de que participou em sua longa vida. Começou a atuar como jornalista antes mesmo de terminar o curso de Direito no Largo de São Francisco. Depois de trabalhar como repórter policial, venceu um concurso para locutor da Rádio Educadora Paulista em 1929, aos 18 anos. Apesar de jovem, sua voz era elogiada. Depois de comandar, no começo de 1932, a primeira transmissão de uma partida de futebol pelo rádio, transformou-se em uma das ‘vozes de São Paulo’ na Revolução Constitucionalista.


MEMORÁVEIS DIAS


A Rádio Record de São Paulo tinha apenas um ano de fundação quando transmitiu, em primeira mão, o anúncio da Revolução Constitucionalista – a voz era de Nicolau Tuma, com apenas 21 anos. Nos ‘memoráveis 78 dias’, como gostava de dizer, formou, com César Ladeira e Renato Macedo, o triunvirato de locutores que lia os boletins dos revolucionários paulistas no conflito e vencia a censura imposta em todo o País pelo governo Getúlio Vargas. Mais adiante, trabalhou nas Rádios Cultura e Difusora de São Paulo, apresentando programas.


Sempre pioneiro, em 1934 Tuma narrou a primeira corrida internacional de automóveis nas ruas da Gávea, no Rio de Janeiro. Em 1939, depois de transmitir outra corrida internacional de automóveis, ainda na Gávea, foi à praia de Copacabana e foi reconhecido e abraçado por Carmen Miranda, já uma estrela consagrada do show business brasileiro.


Ele criou a expressão ‘radialista’, à época da fundação da Associação Brasileira de Rádio, no Rio. ‘Radialista é uma soma de ‘rádio’ com ‘idealista’, pois trabalhávamos muito e não ganhávamos nada’, dizia ele, sorrindo, para definir um tempo em que o rádio era um meio de comunicação nascente e sem grandes recursos.


REDEMOCRATIZAÇÃO


Tuma ampliou sua atuação como publicitário na área de rádio e foi diretor das Rádios Tamoio e Cultura, do Rio de Janeiro. Durante a guerra, dirigiu a Rede de Emissoras Associadas, a maior cadeia de rádios do Brasil à época. Em 1945 participou da campanha civilista pela redemocratização do País e entrou definitivamente para a política. Foi eleito vereador em São Paulo pela UDN, sendo reeleito em 1951 e 1955. No governo Jânio Quadros foi diretor do Serviço de Trânsito de São Paulo.


Em 1958, elegeu-se deputado federal pela primeira vez, o que se repetiria nas duas eleições seguintes. Na Câmara, chegou a vice-líder da UDN e destacou-se na elaboração do primeiro Código Nacional de Trânsito e do primeiro Código Brasileiro de Telecomunicações. Foi um dos criadores da Embratel e do Conselho Nacional de Telecomunicações, e um dos formuladores da nova telefonia brasileira e das ligações via DDD e DDI.


Deixou a política em 1969, ao ser nomeado ministro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo pelo governador Roberto de Abreu Sodré. Foi casado em segundas núpcias com Lúcia de Barros Tuma.’


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No primeiro jogo narrado, dez gritos de ‘goal’


‘No dia 19 de julho de 1931, os ouvintes da Rádio Educadora Paulista se surpreenderam com a primeira narração integral de um jogo de futebol. Até então, as transmissões dos jogos se limitavam a flashes esporádicos que informavam os lances principais. A idéia da transmissão completa foi do jovem (20 anos) locutor Nicolau Tuma. Antes de o jogo começar, Tuma foi aos vestiários do Campo da Floresta, no bairro da Ponte Grande, para fixar as características físicas dos atletas das seleções de São Paulo e do Paraná, pois à época os uniformes não tinham números às costas. Como o futebol ainda não era muito conhecido, Tuma se preocupou em explicar algumas regras. Foi um sucesso amplificado no Vale do Anhangabaú pela Confeitaria Mimi, que pôs auto-falantes para reproduzir a transmissão. Tuma narrava com tantos detalhes e tão rápido que ganhou o apelido de ‘speaker metralhadora’. Na primeira transmissão, narrou 10 ‘goals’, como se dizia: os paulistas venceram por 6 a 4. Suas transmissões ganharam tantos ouvintes que, em 1937, ele foi proibido de entrar no estádio para narrar um jogo entre Palestra e CDB porque temia-se perder público. Transmitiu o jogo encarapitado numa escada de 14 metros, fora do estádio.’


CRISE DAS CHARGES
O Estado de S. Paulo


Rice teme perda de controle


‘A secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, disse ontem que as violentas manifestações contra as publicações das caricaturas do profeta Maomé pela imprensa européia no mundo islâmico podem fugir ao controle se os países muçulmanos, principalmente Irã e Síria, não atuarem com energia e responsabilidade.


Em entrevista à rede de televisão ABC, Rice reafirmou sua posição em relação aos governos de Teerã e Damasco, que acusou na semana passada de instigarem as manifestações para ‘inflamar’ os sentimentos antiocidentais e tirarem proveito disso. Ela não quis comentar, no entanto, a declaração do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, de que não dispunha de nenhuma prova sobre aquelas acusações apresentadas contra sírios e iranianos. ‘Posso dizer que o governo sírio controla rigorosamente sua sociedade, e o iraniano ainda mais a dele’, disse Rice, para acrescentar: ‘Sabe-se que Irã e Síria enviam manifestantes às ruas quando assim desejam.’


Em Jacarta, o governo indonésio lamentou ontem a decisão da Dinamarca de retirar no sábado seus representantes diplomáticos temporariamente da Indonésia, onde teriam sido ameaçados de morte por irados muçulmanos em represália contra a publicação das 12 caricaturas do profeta Maomé.


‘Lamentamos a decisão do corpo diplomático dinamarquês’, disse o chanceler indonésio, Hassan Wirajuda. ‘Havíamos montado um esquema de segurança adequado para eles’, ressaltou o ministro indonésio. Cerca de 200 policiais fortemente armados patrulhavam a sede da representação diplomática dinamarquesa e seus arredores na capital indonésia.


Wirajuda acrescentou que o embaixador dinamarquês Niels Erik Anderson e o funcionários da embaixada haviam sido levados a um local absolutamente seguro. ‘Eles nos disseram que tinham recebidos ameaças telefônicas, mas não pudemos confirmar isso’, disse o chanceler.


No início da semana, o Ministério de Relações Exteriores da Dinamarca já aconselhara os cidadãos dinamarqueses a deixarem imediatamente o território indonésio. ‘Recomendados que saiam, pois dispomos de informações concretas de que um grupo terrorista vai atacar dinamarqueses nesse país em represália contra a publicação das charges’, alertara, em comunicado, a chancelaria dinamarquesa. Sem entrar em detalhes, o documento ressalta que a ameaça se restringia naquele momento à região oriental de Java, podendo alastrar-se a outras áreas.


Os interesses da Dinamarca serão atendidos provisoriamente pela Embaixada da Holanda na capital indonésia. REUTERS, EFE, AFP E AP’


Daniel Hessel Teich


Gigante da navegação cancela anúncio mundial


‘A empresa A.P. Moller-Maersk, um colosso da navegação, transporte de carga e exploração petrolífera avaliado em US$ 38 bilhões, está preocupada com os efeitos da crise provocada pelos cartoons publicados no jornal Jyllands Posten. Dinamarquesa como o jornal que despertou uma onda de fúria islâmica por todo o mundo, a Maersk adotou a política do casulo e abortou um anúncio mundial que faria hoje em vários países para evitar maiores dores de cabeça.


A empresa pretendia divulgar com toda a pompa a conclusão do processo de compra e incorporação da P&O Nedlloyd, outra gigante do ramo de navegação, numa operação estimada em US$ 3 bilhões. A Maersk aproveitaria a ocasião para apresentar uma nova logomarca e o novo nome de sua divisão de navegação – mudado de Maersk Sealand para Maersk Line.


A idéia era divulgar também novas estratégias de investimento, inclusive no Brasil, que agora serão publicadas discretamente no site da empresa.


‘Devido aos recentes acontecimentos envolvendo a Dinamarca, a Maersk, sendo uma empresa dinamarquesa, acredita ser prudente cancelar seu anúncio mundial’, justificou a empresa em uma nota distribuída à imprensa brasileira. Procurada pelo Estado, a assessoria de Imprensa da Maersk informou que os executivos não falariam sobre o assunto e toda comunicação se restringiria ao site mantido pelo grupo na internet.


Para a Maersk, a revolta islâmica contra os dinamarqueses e europeus em geral é coisa séria. O governo do Irã decidiu, na terça-feira, aumentar as tarifas de frete para a empresa e agora ameaça barrar totalmente o acesso da Maersk a seus portos em represália às charges. Um dia antes, os iranianos anunciaram a intenção de banir a importação de produtos dinamarqueses, avaliada em US$ 280 milhões por ano.


O Oriente Médio é uma área estratégica para a Maersk. Em dezembro, a empresa fechou um acordo com a Qatar Petroleum para exploração em alto mar. Com isso se tornará a maior produtora estrangeira no país, dono de uma das maiores reservas de petróleo na área do Golfo Pérsico. O negócio consumirá investimentos de US$ 5 bilhões.


Entre 2003 e 2005, a empresa investiu US$ 3,5 milhões no porto de Khor Az Zubar, o segundo maior do Iraque.


No entanto, o que parecia um negócio excepcional, fechado a partir de um contrato com o Exército americano, tornou-se uma imensa dor de cabeça. Em março, a empresa abandonou a operação alegando falta de segurança e agora é processada pelo governo iraquiano.


Segundo a agência de notícias econômicas Bloomberg, a Maersk é a primeira empresa estrangeira a ser alvo de uma ação do governo do Iraque desde a queda de Saddam Hussein em 2003.


Outras empresas da Dinamarca também sofrem as conseqüência da polêmica das charges. Segundo o jornal inglês Financial Times, produtos da Lego foram retirados das prateleiras de supermercados em vários países da região do Golfo Pérsico, como o Kwait, o Catar e os Emirados Árabes Unidos e os varejistas ameaçam cancelar pedidos de importação.


A Arla, multinacional dinamarquesa do setor de laticínios, calcula suas perdas em US$ 1,7 milhão por dia e já cancelou o projeto de construção de uma nova fábrica no valor de US$ 70 milhões na Arábia Saudita.’


***


Pichada mesquita palestina


‘Ofensas ao profeta Maomé, escritas com grafite numa mesquita – segundo os palestinos, por colonos judeus, causaram grande revolta em três aldeias palestinas da Cisjordânia, Nebi Elias, Azun e Punduk. Dezenas de furiosos manifestantes queimaram pneus e atiraram pedras contra veículos israelenses. Uma israelense ficou ferida, enquanto pelo menos dez colonos israelenses em estado de choque tiveram de ser internados. Os manifestantes lançaram coquetéis molotov contra tropas israelenses que tinham sido mobilizadas na região de Azun. Os soldados responderam, disparando tiros em direção à multidão. Três palestinos ficaram feridos e foram transportados a hospitais da região por ambulâncias do Crescente Vermelho (equivalente à Cruz Vermelha).


Uma emissora de rádio estatal israelense informou que as frases ofensivas haviam sido pintadas durante a madrugada por um grupo desconhecido. E acrescentou que as unidades militares israelenses na região haviam recebido ordens para apagá-las.


O deputado árabe-israelense Taleb a-Sanaa, representante da minoria beduína no Parlamento israelense, acusou ativistas da extrema direita israelense pelo incidente. ‘Com essas frases que ofendem todo o mundo islâmico, eles querem acender uma fogueira aqui’, disse o parlamentar, pedindo providências urgentes e enérgicas ao governo.’


MERCADO EDITORIAL
Katharine Q. Seelye


Como vender uma revista em 5.994 lições


‘Ultimamente, uma incursão a uma banca de revistas pode ser um atordoante mergulho numa avalanche de números. A edição de março da Elle Girl promete às leitoras ‘375 desculpas para fazer compras’. A Harper’s Bazaar oferece ‘783 idéias para melhorar sua aparência’. A Marie Claire anuncia não somente ‘71 penteados e maquiagens fáceis’, como também um confuso ‘1.157 aparências descoladas’ (todas as silhuetas, todos os tamanhos, todos os preços).


As revistas, particularmente os títulos de ‘prestação de serviços’ destinados às mulheres, há muito têm feito uso de números como atração de vendas, enquanto ajudam as leitoras a descobrir o que está na moda, o que é sensual, o que é descolado, o que não é. Mas, hoje em dia, esses totais, pontos e listas de aptidões e características parecem cada vez mais aleatórios.


A capa de março da revista Glamour leva os números para um outro nível, apresentando numerais em todas suas chamadas de capa, aqueles títulos extravagantes direcionados para atrair o leitor no primeiro olhar: ‘7 razões pelas quais você terá sucesso no trabalho’, ‘15 verdades chocantes sobre as mulheres e a comida’, ‘25 segredinhos sexy do corpo masculino’, ‘25 maneiras baratas de transformar sua casa’, chegando a um grand finale com ‘500 looks de primavera para todos as silhuetas e tamanhos’!


As revistas para o público masculino também estão entrando nessa miscelânea de números. A Field & Stream oferece ‘19 maneiras de escapar com vida’ (Será que você precisa de mais de uma?). Blender, a revista de música, oferece ‘Os 50 mais impressionantes astros do rock já mortos’. A Men’s Health vangloria-se na sua capa com ‘2.143 mulheres sexy confessam o que querem na cama’. (Preste atenção, é uma pesquisa de opinião, não entrevistas com 2.143 mulheres).


Tudo isso resulta numa corrida armamentista na banca de revistas. A escalada dos números é o resultado de uma nova realidade para as revistas mensais, que lutam com dificuldades para fazer frente às revistas semanais voltadas para celebridades e à internet. A briga é para manter seus tradicionais papéis como mapas, numa sociedade que busca inspirações, e como veículos sofisticados para anunciantes, particularmente os multimilionários setores de cosmética e moda.


Os editores suam para encontrar o número perfeito, mas admitem que não existe fórmula. Como diz Craig Marks, o editor da Blender, ‘É tudo adivinhação’. Mas alguns padrões são evidentes. Um é que maior é melhor. ‘A quantidade importa’, disse Marks. Um outro parâmetro é que parece que os números ímpares parecem mais confiáveis que os pares. ‘O número ímpar passa a impressão de autenticidade’, disse Ariel Foxman, diretor de redação da Cargo. ‘Se é ímpar, não pode ser inventado ou não deve ser inventado.’ Os diretores de redação dizem que o número 7 parece carregar um certo atrativo, enquanto o 13 é para ser evitado.


O assunto freqüentemente determina o tamanho do número. Cynthia Leive, editora da Glamour, disse que, se o assunto é sério, os números devem ser evitados. David Zinczenko, diretor da Men’s Health, disse que números menores são melhores para dicas de exercício, por exemplo, porque os leitores querem algo factível. ‘Dizer ‘35 melhores exercícios’ é demais’, disse. ‘Mas ‘789 novas dicas para o verão’ é legal.’’


TELEVISÃO
SBT dribla Record


Cristina Padiglione


‘A contratação de Carlos Nascimento, anunciada na calada da noite de sexta-feira, foi uma delas. Isso talvez explique por que uma turma do SBT passou boa parte do ano passado espalhando por aí que Nascimento deveria trocar a Band pela Record.


Enquanto os súditos botavam fé nessa versão, Silvio Santos já assediava o âncora da Band. O primeiro convite para conversar surgiu por ocasião da participação de Nascimento no Teleton, maratona televisiva beneficente, em setembro.


A própria Band constatou que não houve leilão. Na terça-feira, em tese sem conhecimento da cobiça de Silvio Santos, o canal dos Saad apresentou a Nascimento proposta para antecipar a renovação de um contrato que só venceria daqui a um ano. Na quinta, ele comunicou a decisão de mudar de canal.


Assinou com o SBT por quatro anos para comandar um novo noticiário. Se ele não teme a instabilidade do patrão, que mexe mais na programação do que no seu figurino? ‘Eu não. Nem comecei ainda, como posso ter medo?’, fala o novo colega do Baú.’


JORNALISMO & CINEMA
Matthew Shirts


Boa noite e boa sorte


‘Saí do trabalho correndo na quinta-feira da semana passada, peguei logo um táxi no ponto, e pedi para o motorista tocar a barca para a Paulista com a Augusta.


Quer dizer, não falei dessa maneira. Sempre quis enunciar uma frase dessas, como se vivesse num filme americano antigo e me comunicasse por legendas, mas nunca tive coragem.


Quando o taxista perguntou se havia predileção por algum caminho específico, no entanto, não hesitei em responder: ‘Pelo mais rápido.’


Saía do prédio da Editora Abril na Marginal do Pinheiros, próximo ali da ponte Eusébio Mattoso, e ia, como disse, à Paulista. Isso no finzinho de uma tarde chuvosa. O meu plano, ambicioso, para não dizer quixotesco, era assistir a dois filmes candidatos ao Oscar numa única noite e ainda chegar em casa a tempo de dormir cedo. Mas para que o plano desse certo, era preciso fazer o trajeto em menos de 25 minutos. Difícil, de acordo com os meus cálculos, mas não impossível.


Em São Paulo, pedir ao taxista que escolha o caminho mais rápido é um desafio e um convite a discussão. Sobe a Rebouças ou a Avenida Cidade Jardim? A Teodoro?, nem pensar. Há também uma opção pela 9 de Julho, pouco ortodoxa, para quem vai de Pinheiros, mas apreciada por alguns. A verdade é que, diferente do que acontecia antigamente, os motoristas de táxi já não querem assumir a responsabilidade pela escolha do caminho. É impossível, dizem. O número de variáveis, hoje em dia, é grande demais.


Na verdade, eu queria assistir ao filme de George Clooney sobre o apresentador de televisão americana Edward Murrow e o macarthismo, Boa Noite e Boa Sorte. Mas achava que deveria ver também O Segredo de Brokeback Mountain, mais popularmente conhecido como ‘o filme de caubói gay’. Afinal, só se fala nele nos Estados Unidos. Os programas de humor não têm outro assunto. Os meus amigos americanos não param de me mandar e-mails a respeito. E até no interior brasileiro, como tive a oportunidade de ver no fim da semana passada, é um assunto, digamos, candente.


Optamos pela Avenida Cidade Jardim e andamos bem até nos aproximar da região da Paulista, onde o taxímetro passou a girar com muito mais rapidez que os quarteirões. No fim, resolvi abandonar o carro antes e fazer o fim do trajeto a pé, apesar da chuva. Cheguei atrasado ao cinema e logo vi que teria que optar por um dos dois filmes.


Escolhi Boa Noite e Boa Sorte e me deliciei com ele. Se você ainda não viu, vá ver. Narra um episódio importante da história americana com uma velocidade e uma concisão de tirar o fôlego. Mescla material documental da época com cenas feitas por atores sem que se perceba a distinção, ou quase. Um feito. E uma delícia de se ver. Um grande filme – e de mocinhos e bandidos, ainda por cima. Torci do começo ao fim para os heróis.


A história de como a equipe da rede de televisão CBS e, em particular, Edward Murrow enfrentaram a caça às bruxas comunistas – liderada pelo senador Joseph McCarthy durante a guerra fria nos Estados Unidos – é relevante, hoje, quando a luta contra o terrorismo vem justificando atitudes arbitrárias, por parte do governo americano, e os motivos, no mínimo questionáveis, para a invasão do Iraque foram veiculados pela grande imprensa sem maiores questionamentos.


E mais: Boa Noite e Boa Sorte mostra que a indústria de cinema de Hollywood, tida como morta, ou no mínimo sem idéias, no ano passado, tem capacidade de reação. Acho que foi isso que me deixou feliz, ali no cinema na Rua Augusta. Não consigo muito imaginar a vida sem bons filmes de Hollywood. (Seria um pouco como o Brasil sem futebol.) Vou ver o dos ‘caubóis gays’ nesta semana. Deve ser bom também.’


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