Vivemos num mundo de poucas certezas e muitos lugares-comuns. E os lugares-comuns são, muitas vezes, os pobres dogmas que nos restaram – certezas obsoletas disfarçadas de certezas absolutas.
É lugar-comum dos mais comuns dizermos que tudo vale a pena se a alma não é pequena. E a minha alma encolhe, morro de pena do Fernando Pessoa…
É lugar-comum dizermos que em todo problema há uma oportunidade de crescimento. Por mais otimista que eu seja (e sou), aproveito a oportunidade para afirmar que há problemas insolúveis, problemas terríveis, problemas que diminuem o ser humano.
É lugar-comum mandarmos um beijo no coração de alguém. E fico imaginando o pobre coitado, ou coitada, peito aberto, o coração beijado pela morte.
É lugar-comum concluir que há uma banalização da violência, como se a violência não banalizasse tudo e todos.
É lugar-comum interromper uma pessoa que está falando e encobrir a falta de educação com a frase sem graça: ‘Não querendo interromper já interrompendo…’
É lugar-comum vir alguém com essa história de que se a vida me der um limão, devo fazer uma limonada. E quem disse que eu gosto de limonada?
Merece, sim
É lugar-comum descobrir que, nesta vida, nada se cria, tudo se copia. Pois é, o que se há de fazer…?
É lugar-comum dizer que isto ou aquilo tem que agregar valor a não sei o quê. E quanto mais se fala em agregar, mais desagregado me sinto.
É lugar-comum, com ares misteriosos, falarmos em sincronicidade, em inconsciente coletivo ou em arquétipos, e Jung se virando dentro do caixão.
É lugar-comum alguém pensar que o mundo é pequeno. E está comprovado que o mundo tem o tamanho que tem – nós é que vamos sempre aos mesmos lugares.
É lugar-comum dizer que você é tudo de bom, que dança é tudo de bom, que sexta-feira à noite é tudo de bom, Nova York é tudo de bom, bombom é tudo de bom, este site é tudo de bom, aquele filme é tudo de bom, tudo é tudo de bom… Que péssimo!
É lugar-comum queixar-se dos lugares-comuns, fazer uma lista de lugares-comuns, mesmo porque nada como um dia atrás do outro, e uma noite no meio.
É lugar-comum reclamar que a vida é uma correria, e dizer ‘ninguém merece’, mas a verdade é que a gente merece, sim.
Merece isso e muito, muito mais.
******
Doutor em Educação pela USP e escritor