Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Heitor Cony


‘RIO DE JANEIRO – Jesus Cristo, nosso suposto Salvador, libertando-nos de um suposto pecado original, foi supostamente traído por Judas Iscariotes, que supostamente teria recebido 30 dinheiros pela suposta traição.


Pedro Álvares Cabral, supostamente um almirante português -diziam que ele era tão almirante quanto o Jô Soares supostamente é surfista em atividade-, teria supostamente descoberto um país suposto de ser o Brasil ao desviar-se de supostas correntes marítimas, numa suposta viagem às Índias, seguindo uma suposta rota descoberta por um suposto Vasco da Gama, que, na realidade, é apenas (e não supostamente) um clube de futebol e regatas do Rio de Janeiro.


Uma suposta maçã teria caído no nariz de um sujeito supostamente chamado Isaac Newton, que supostamente dormia na ocasião e que, assim, teria descoberto uma suposta lei da gravidade, que, segundo suposições generalizadas, explica por que o armário no quarto de uma suposta empregada da casa do Roberto Jefferson teria supostamente caído na cara do deputado que tem levantado acusações de um suposto ‘mensalão’ responsável por supostas aprovações no Congresso, promovendo suposta corrupção, supostamente generalizada.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa suposta viagem a Escócia, país que supostamente fabrica o melhor uísque do mundo, mas, certamente, nunca fabricou cachaça, está enfrentando supostas dificuldades para fazer uma suposta reforma ministerial para aplacar os supostos apetites de sua suposta (e bota suposta nisso) base no Congresso Nacional.


Um suposto cronista comete diariamente alguns textos com suposições que nunca se concretizam e certamente nada mais tem a dizer, o que agradará aos supostos leitores que o aturam por suposta esperança de que, um dia, ele vá, não supostamente, mas concretamente, para o diabo que supostamente o carregue.’


 


FLIP


Sylvia Colombo


‘História em transição’, copyright Folha de S. Paulo, 9/7/05


‘O inglês de acento britânico tem sido uma espécie da língua oficial da Flip (Festa Literária Internacional de Parati) desde a primeira edição do evento (2003), por conta do grande número de autores britânicos e norte-americanos que passam por lá.


Essa característica constante, porém, será interrompida hoje, às 17h, quando Evaldo Cabral de Mello, um dos mais importantes historiadores do Brasil, evocar o maior dos autores de língua espanhola, Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616), em sua palestra ‘Dom Quixote e sua Espanha’.


Leia abaixo trechos da entrevista que o autor de ‘Rubro Veio’ e ‘A Fronda dos Mazombos’ -e também colunista da Folha-, concedeu, por telefone, do Rio.


Folha – ‘Dom Quixote’ é tido como marco de uma transição na história. O sr. concorda?


Evaldo Cabral de Mello – Não. Todo momento na história é de transição. A história é transição e crise. O que ocorre é que, quando ‘Dom Quixote’ foi lançado, a Espanha estava deixando de ser uma potência européia. E estava perdendo a ilusão a respeito de sua força. É mais ou menos o que acontece com os EUA de George W. Bush, querendo implantar o regime democrático em todo o mundo. Depois de um certo tempo matando e vendo morrer, eles vão chegar à conclusão de que não se pode impor a democracia.


Foi um pouco o que aconteceu com a Espanha nos séculos 16 e 17. O país quis espalhar seus valores pela Europa e acabou derrotado, pagando um preço caro por muito tempo. Pagou até Franco.


Folha – Do ponto de vista do historiador, por que ‘Dom Quixote’ se mantém importante?


Cabral de Mello – Porque há um parentesco, uma afinidade perturbadora, entre a ação da Espanha na Europa da época com o comportamento do Quixote. A Espanha dos séculos 16 e 17 foi quixotesca, ao querer impor a uniformidade religiosa, combater o protestantismo e forçar uma hegemonia dinástica ao continente. Esses dois objetivos já haviam fracassado na altura da redação do romance. Estava claro, por volta de 1605, quando publicada a primeira parte do livro, que a Espanha metia a cabeça na parede.


Folha – ‘Dom Quixote’ influenciou a literatura brasileira?


Cabral de Mello – A única figura da literatura brasileira que a crítica literária já aproximou do Quixote foi um personagem de José Lins do Rego (1901-1957) em ‘Fogo Morto’ (1943), o capitão Vitorino Carneiro da Cunha.


Folha – E por quê?


Cabral de Mello – Foi um personagem real, parte das reminiscências da infância de Zé Lins, mas que, na sua obra, assume um ar de Dom Quixote e tem aspectos formais que lembram o personagem. Está sempre sobre um cavalo em petição de miséria, como o Rocinante, e também é perseguido pelo ridículo no lugar onde vive.


Folha – O adjetivo quixotesco, por sua vez, também foi bastante banalizado ao longo do tempo. O que o sr. acha disso?


Cabral de Mello – Creio que ocorreu uma utilização abusiva. Porque o comportamento quixotesco, se analisado particularmente, é uma coisa muito concreta em termos de significado. Mas esse tipo de palavra não escapa de ser usado de maneira improcedente.


Por exemplo, todo mundo fala hoje a palavra ‘carismático’. Entretanto, provavelmente, ninguém sabe qual é a origem da palavra e quando ela foi adotada sociologicamente por Max Weber (1864-1920). É como acontece com ‘infra-estrutura’, ‘marxismo’ ou todo o vocabulário da psicanálise. Saem do contexto.


Folha – Recentemente, o peruano Vargas Llosa levantou uma tese polêmica, a de que Cervantes teria sido um precursor do liberalismo com a criação do Quixote. O que acha disso?


Cabral de Mello – Essas pessoas querem modernizar a ferro e a fogo o ‘Quixote’, isso não faz sentido. Essas tentativas de mostrá-lo como um arauto de novos tempos é uma leitura completamente anacrônica. Além do que, Dom Quixote era um regressista.


Todo projeto de ação até a Revolução Francesa na Europa eram projetos de regressão. O Quixote não queria mudar o mundo, e sim corrigir injustiças pontuais. Querer fazer do Dom Quixote um revolucionário é uma brincadeira.’


 


Luiz Fernando Vianna e Eduardo Simões


‘Jô Soares afirma que voto em Lula foi ‘romântico’’, copyright Folha de S. Paulo, 9/7/05


‘Na mesa mais concorrida da Flip (Festa Literária Internacional de Parati), Jô Soares disse, ontem à noite, que foi um ‘voto romântico’ o que elegeu Lula presidente.


‘Não se esperava um preparo para governar. Se eu disser aqui que vou disputar salto com vara nas próximas Olimpíadas, vocês vão torcer por mim, mas vai ser complicado’, comparou ele.


Jô procurou relativizar o tamanho da atual crise política. Para ele, a emoção que marcou a eleição de Lula alimenta a idéia de que estamos vivendo um desastre. ‘Não é isso [a crise] que vai derrubar o governo’, disse.


Ao lado da historiadora Isabel Lustosa e do escritor Luis Fernando Verissimo, que foi o mediador, Jô participou da mesa ‘A Sátira Ontem e Hoje’. Para ele, o humor ‘politicamente incorreto’ do Brasil é uma grande arma para enfrentar as sucessivas crises.


‘O politicamente correto é o maior exemplo de preconceito que existe. Nos Estados Unidos, eu não posso ser chamado de gordo. Tenho que dizer que sou possuidor de uma imagem corporal alternativa’, brincou Jô, que ainda autografou, após sair da Tenda dos Autores, 150 exemplares de seu último livro, ‘Assassinatos na Academia Brasileira de Letras’.


Crítica


Antes da mesa com Jô Soares, uma saia justa marcou a participação da escritora britânica Jeanette Winterson na palestra sobre ‘Arte e Natureza’, à tarde. Depois de convocar o público a reagir contra a poluição causada pela Petrobras na costa da cidade fluminense, a engajada Winterson foi questionada pela platéia se sua crítica não continha uma contradição, visto que a estatal Eletronuclear, patrocinadora da festa, também é responsável por danos ambientais na região.


‘Temos que criticar a sedução dos patrocínios, mas também é preciso negociar outras formas de relação com as grandes empresas, em que eles não provoquem danos à natureza e continuem a dar dinheiro para festivais como a Flip’, respondeu uma rápida Winterson, solidária a uma constrangida Liz Calder, a responsável pela organização da festa.


Lula também ganhou crítica de Winterson: depois de reputar as mudanças climáticas às políticas econômicas feitas em nome do progresso e do consumismo, a autora disse que o presidente brasileiro luta pelo desenvolvimento do país apenas pelo ponto de vista dos países ricos do Ocidente.


Depois de Winterson foi a vez do escritor turco Orhan Pamuk falar sobre sua inspiração nas narrativas de ‘As Mil e Uma Noites’, na segunda palestra da série ‘Mar de Histórias’. O bem-humorado escritor contou que os 16 volumes, apesar das tintas obscenas, são considerados clássicos da literatura oriental e, por isso, não são atacadas pelo Islã.’


 


Ubiratan Brasil


‘Narradores de guerras’, copyright O Estado de S. Paulo, 9/7/05


‘O atentado terrorista que deixou vítimas na quinta-feira em Londres chocou os escritores convidados para 3.ª Festa Literária Internacional de Paraty e provocou lembranças terríveis em especialmente dois. O americano Jon Lee Anderson acompanhou todos os momentos que culminaram com a queda de Saddam Hussein na guerra do Iraque.


A experiência resultou no livro A Queda de Bagdá (Objetiva). E o português Pedro Rosa Mendes presenciou a violência do conflito belicoso em Angola, confrontando com a morte quase que diariamente, relato que está no livro Baía dos Tigres (Sá Editora). Anderson e Mendes estarão juntos hoje na Flip, a partir do meio-dia, justamente para conversar sobre zonas de conflito.


A memória ainda traz sons e imagens com nitidez para os dois escritores. Anderson chegou pela primeira vez ao Iraque em 2000, como correspondente da revista New Yorker. O país logo começou a ferver, principalmente depois do ataque às torres gêmeas, em Nova York, e ao Pentágono, em 2001. Bagdá tornou-se alvo do exército americano e Anderson começava a viver a sensação de ser testemunha ocular da história.


Despreocupado com a exigência de enviar notícias pontuais todos os dias, Anderson conseguiu a proeza de cobrir a guerra a partir do aspecto humano e não tático – enquanto os demais dividiam-se em ouvir o relato oficial do exército americano, Anderson saía às ruas, ouvindo histórias da população.


Situação semelhante viveu Pedro Rosa Mendes, que chegou a Angola como correspondente do jornal português O Público. Assim como Anderson, Mendes descobriu personagens extraordinários. ‘O que mais me impressionou foram os habitantes de pequenas vilas que estavam no limite da vida, descobrindo formas de tentar recuperar uma rotina.’’


 


POTTER EM BRAILE


O Estado de S. Paulo


‘Versão em braile de ‘Harry Potter’’, copyright O Estado de S. Paulo, 9/7/05


‘O 6º livro das aventuras de Harry Potter estará disponível em braile, a partir do fim do mês. Duas semanas após o lançamento, no dia 16, de Harry Potter and the Half-Blood Prince, poderão ser consultadas as primeiras 60 páginas da edição em braile, também em inglês. A cada duas semanas sairão outras 60 páginas. O livro completo em braile sairá entre dois e três meses, após o dia 16.’