Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Quando as coincidências atrapalham a objetividade

A Folha de S.Paulo é o único grande jornal brasileiro que não participa do programa Master de Jornalismo, promovido pela Universidade de Navarra e conectado ao Opus Dei.


Entre os quase 200 profissionais de alto nível que concluíram o programa o campeão é o Grupo Estado, conforme revelou Luiz Antonio Magalhães neste Observatório (‘Opus Dei investe na formação de jornalistas‘). A ausência da Folha é ostensiva e contínua desde 1997.


Mas ninguém é de ferro. Para esgrimir a sua independência, o jornalão resolveu provar que o poderio da Obra é um mito. Para isso publicou na segunda-feira (13/2) uma entrevista com o ‘vaticanista’ americano John Allen Jr.


Deu azar, escorregou na escolha da fonte: o entrevistado está credenciado junto ao Vaticano, mas não é um vaticanista independente. Uma das estrelas do National Catholic Repórter, está profundamente comprometido com a alta hierarquia católica americana e seu dossiê no Google revela um fidelíssimo porta-voz do oficialismo romano.


A começar pelo título, o livro de Allen Jr. é altamente suspeito – Opus Dei, an objective look behind the miths and reality of the most controversial force in the catholic church.


O livro não tem nada de objetivo, é uma artimanha publicitária. Não responde às acusações de que o objetivo prioritário da Obra localiza-se no mundo ibero-americano. Quando Allen Jr. afirma que a Obra não é poderosa refere-se aos EUA, onde a Legião de Cristo é muito mais influente e rica.


Nada lhe foi perguntado sobre as atividades do Opus Dei na Península Ibérica ou na América Latina, nem sobre a estratégia da prelazia no tocante à mídia desses países – assunto que ganhou a capa do semanário Época, já foi comentado na página de opinião da própria Folha e vem sendo acompanhado por este Observatório há quase uma década.


Poder explícito


Mais uma vez a Folha tropeça nas suas contradições: ao longo de anos recusa qualquer participação no programa Master de Jornalismo mas aceita o pedido do ‘amigo da casa’, o celebrado tributarista Ives Gandra Martins (representante da Obra no Brasil) para desfazer os ‘mitos’ e mostrar ‘as realidades’.


Além de escolher o ‘vaticanista’ errado, a Folha deu azar na escolha do dia: naquela mesma segunda-feira, Carlos Alberto di Franco, representante da Universidade de Navarra no Brasil e reitor do programa Master de Jornalismo (e atividades afins), mostrava o seu poder ocupando a página de opinião de dois poderosos jornais: O Globo e o Estado de S.Paulo.


Então o Opus Dei não é poderoso? Se no mesmo dia os três jornalões nacionais prostraram-se diante do poder de persuasão desta frágil e humilde prelazia, como é que se classifica esta realidade? Objetivamente: coincidências.