Quando falou aos participantes da 68.ª Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), na segunda-feira, o chairman e publisher do jornal The New York Times, Arthur Ochs Sulzberger, Jr., 61 anos, não revelou a razão de subir ao palco de bengala e com a perna imobilizada. Preferiu distribuir uma notícia de impacto para o meio jornalístico: sua empresa vai lançar no próximo ano um site noticioso em português, feito do Brasil, numa operação idêntica à implementada na China, meses atrás. No dia seguinte, em entrevista ao Estado, Sulzberger iria mais longe: confessou que a perna quebrada tem a ver com um tombo de motocicleta, em uma montanha dos Alpes. E confirmou que tanto o site chinês quanto o site no Brasil são apenas o início do processo de internacionalização do New York Times na web. Muito mais virá nos próximos tempos.
Ao longo da conversa, Sulzberger comentou como o mais reverenciado jornal impresso americano, 151 anos de existência, vem se defendendo do patamar declinante de leitores – atualmente com algo em torno de 800 mil exemplares nos dias da semana e 1,2 milhão no fim de semana – e como se firma a certeza de que o futuro é mesmo digital. Hoje o New York Times contabiliza 500 mil assinantes na web, numa bem-sucedida operação de paywall, ou seja, de cobrança por conteúdos do site. Nos próximos dias, a empresa deverá divulgar novos e estimulantes números. “Já batemos com alguma folga o meio milhão de assinaturas”, diz o entrevistado. Entre uma pergunta e outra, Sulzberger reforça: “Hoje fala-se muito nas possibilidades da web. Mas, acredite, a maior preocupação do New York Times é oferecer bom jornalismo onde os nossos leitores preferem. Papel, computador, tablet, celular, onde eles nos querem”.
Um terço dos leitores do New York Times na web vive fora dos Estados Unidos. Isso já é um sinal seguro de que ser digital compensa?
Arthur Sulzberger – Se pensarmos em termos de lucratividade, eu diria que sim. Porque a estrutura digital é muito mais barata do que a estrutura de impressão. No padrão digital, não há custos de produção, de papel, de distribuição. O que você precisa é de bons times na área tecnológica e na área de comercialização. Mas o que nos ajudou bastante foi introduzir o modelo de paywall na internet, com a definição dos planos de assinaturas. Se este é o caminho a seguir, eu não sei. Não me atrevo a apontar o nosso modelo como receita para outras empresas jornalísticas. O que sei é que para nós o modelo vem funcionando bem. Não vou dar os melhores dados agora porque justamente na próxima semana vamos divulgar nossos mais recentes números. Mas posso adiantar que são muito bons. Superamos a marca de meio milhão de assinantes digitais.
Eu me lembro de uma carta que o senhor dirigiu aos leitores, tempos atrás, explicando por que o Times passaria a cobrar pelo conteúdo na internet e por que seria importante contar com a adesão dos assinantes, não só para garantir a saúde do negócio, mas a independência do jornalismo. Como foi construída aquela decisão de falar diretamente ao leitor?
A.S.J. – O leitor precisaria estar consciente não só do difícil momento, mas consciente de que, para fazer jornalismo de qualidade, é necessário ter dinheiro. Precisamos manter um batalhão de correspondentes estrangeiros, por exemplo – aliás, nunca tivemos tantos como atualmente. Ou, mesmo para produzir matérias especiais de ciência ou arte, também precisamos destinar recursos. Então é preciso suporte financeiro. Fazer a carta foi uma decisão estratégica e, para mim, uma oportunidade maravilhosa de me dirigir aos nossos clientes. Falei com toda a honestidade. Até porque, no fim do dia, o que se espera de uma empresa de jornalismo é honestidade.
A reação à carta surpreendeu?
A.S.J. – Sim, muito. Antes de divulgá-la fizemos pesquisas, discutimos internamente, ou seja, cobrar pelo conteúdo digital não foi decisão de rompante.
Essa “monetização de conteúdo” na web tornou-se um conceito claro?
A.S.J. – Não é um conceito muito claro e o cenário geral ainda está cambiante. Em termos de circulação, sim, está provado que funciona. Mas ainda há dúvidas do mercado publicitário face a esse conteúdo presente em tantas plataformas, no computador de mesa, no tablet, no celular… Continuo usando para os anunciantes os mesmos argumentos de 50 anos atrás: conteúdo de qualidade atrai leitor de qualidade, o que é particularmente interessante. O conceito não muda, o que muda são os métodos para transformá-lo em realidade. Como envolver o leitor que usa o tablet, ou aquele que gosta de vídeos, ou aquele que lê notícias pelo celular? São formas distintas de envolvimento. Só agora os anunciantes estão se dando conta das possibilidades.
Seis meses atrás, a sua empresa decidiu abrir um site na China. Nesta sua vinda para cá, o senhor anunciou o lançamento de um site em português, no Brasil. Por que China, por que Brasil? E por que não começar por um site em espanhol, já que a América Latina é imensa e diversificada, sem falar nos milhões de hispânicos vivendo nos EUA?
A.S.J. – Tem a ver com a intenção de nos tornarmos cada vez mais internacionais, e o digital é um bom approach para isso. Vale lembrar, como você bem sabe, que temos há muito tempo uma consolidada operação de jornalismo impresso fora dos EUA, com o International Herald Tribune. É a voz internacional do New York Times no impresso. Já no digital, resolvemos grudar a nossa marca. Por que começar pela China? Pelo crescimento econômico exuberante, pelo fortalecimento das classes médias, pela elevação dos padrões de educação. Da mesma forma enxergamos o Brasil. China e Brasil são países cada vez mais importantes para o mundo.
Certamente, ao pensar num website com base na China e produção jornalística local, os acionistas e a cúpula diretiva do New York Times devem ter levado em conta a rigidez do regime político. Os jornalistas a serviço do Times na China são orientados a evitar confrontos ou, no limite, a desviar de temas delicados?
A.S.J. – Isso foi foco de conversas antes de lançar a operação. Longas conversas. Num certo ponto, decidimos que iríamos fazer jornalismo de acordo com os nossos padrões. E que se o governo chinês viesse a bloquear coberturas ou mesmo o site, arcaria sozinho com a responsabilidade de fazer isso. Eu estive lá muitas vezes, visitando o país, tivemos várias conversas com membros do governo, acho que eles entenderam o que estávamos propondo. Agora, a nossa relação com o establishment do regime não melhorou nem piorou, ou melhor, manteve-se no mesmo patamar de alguns anos atrás, quando passaram a contar com o nytimes.com.
Se um dos seus jornalistas baseados em Pequim tiver que denunciar um caso de violação dos direitos humanos, vai postar a matéria no site em mandarim?
A.S.J. – Exatamente. Vai fazer jornalismo como sempre temos feito.
Qual é a sua expectativa em relação ao site em português, feito no Brasil?
A.S.J. – Ainda vamos definir a estrutura. Certamente teremos de 30 a 40 matérias postadas diariamente, sendo que dois terços delas virão do site americano, mas selecionadas por um editor no Brasil (ainda não sabe se será um editor brasileiro). E um terço deste material diário será produzido localmente, buscando mostrar a diversidade brasileira, a cultura, a moda, as artes, o mundo do esporte. O foco do site será o Brasil, mas poderá interessar a outros países de língua portuguesa, fora os milhares de brasileiros que vivem em vários pontos do mundo. Voltando à sua questão de por que não começar por um site em espanhol. Claro que isso está no radar, afinal, a audiência em língua espanhola é imensa. Mas é uma operação complicada, os leitores mexicanos haverão de perguntar “por que não um site voltado para o México?”. Por que não um site na Venezuela para os venezuelanos? E os espanhóis vão querer um site só para eles. Ou seja, é algo complexo, que ainda analisamos. Uma coisa é certa: estamos apenas na fase inicial do processo de internacionalização da web, ainda há muito pela frente.
Na sua apresentação na SIP, o senhor disse “a marca importa, a história importa”, expressando zelo com a tradição do New York Times.
A.S.J. – A tradição é a maior qualidade do nosso jornalismo. É a maneira como as coisas são vistas, é a precisão de investigar, são os core values com que trabalhamos. Queremos continuar fazendo algo no qual se pode confiar. Mudar para o mundo digital significa apenas contar com novas ferramentas para fazer exatamente o mesmo. A experiência diária do jornalismo não muda, é essencialmente única. Só que, no passado, o jornalista poderia escrever uma matéria para depois ir para casa relaxar com um martini. Hoje o jornalista escreve a matéria, ao mesmo tempo em que produz um vídeo, posta um tuíte, responde e-mails…. e só então vai para casa tomar o martini (risos). Isso mudou.
Como avalia a situação da imprensa americana como um todo?
A.S.J. – A crise do setor é dura, tem requerido grande capacidade de adaptação numa transição tecnológica que cobra novas soluções a todo momento. E, mesmo sendo uma crise para todo mundo, a solução que serve para nós pode não ser a mesma para o Los Angeles Times.
Com tanta mudança, o New York Times no futuro ainda será o grande faturador do Pulitzer? Vocês têm mais de 100 prêmios na coleção…
A.S.J. – Absolutamente, queremos aumentar a coleção! Claro que a competição vai crescer muito, vai mudar e novos competidores aparecerão. Mas também novas categorias de premiação estão surgindo e nós vamos nos adaptando a isso, por que não? No ano passado, o Huffington Post ganhou o seu primeiro Pulitzer. Achei isso bem importante.
O senhor perdeu seu pai recentemente, Arthur Ochs Sulzberger, publisher do New York Times por longo tempo, com um legado definitivo e a quem o senhor sucedeu. Como se sente agora, mais do que nunca levando o bastão da família adiante?
A.S.J. – Eu me sinto bem em relação à família. Sou a quarta geração atuando no negócio. Tenho parentes da minha geração trabalhando comigo e seis membros da nova geração entrando por diferentes departamentos da empresa: redação, serviços internacionais, etc. De fato levamos muito a sério a ideia de continuar unidos. No fim de semana anterior à minha vinda ao Brasil, me reuni com oito trustees, membros da família com direito a voto no conselho, para falar de diretrizes. Ou seja, um fim de semana para contar o que estamos fazendo, para discutir como melhorar, coisas assim.
Essa história familiar começa com seu bisavô, Adolf Ochs. E quem leu, ou conhece, a história do New York Times sabe da importância dele. Se eu lhe pedisse para definir seu bisavô em uma única palavra, qual seria?
A.S.J. – Compromisso. Nesses anos todos, gerações da nossa família seguem a mesma missão estabelecida por Ochs: assegurar a independência editorial e a integridade do New York Times. Note que Ochs não falou em lucros ou prosperidade no negócio. Mas em independência editorial e integridade. Então, é isso.
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[Laura Greenhalgh, do Estado de S.Paulo]