‘É uma sensação estranha para nós, imersos que somos no look americano, no jeito lá deles de apresentar o mundo e que acaba virando nosso jeito também, por colagem. A revista trimestral Rojo, parcialmente financiada pela prefeitura de Barcelona, desprega esta colagem.
O 14º número foi lançado semana passada simultaneamente no Rio, Berlim, Londres, Madri, Milão e Nova York. Traz, como sempre, um olhar participante mas ao mesmo tempo estrangeiro ao consumo. Um estar no mundo nova-iorquino, americanamente deslocado. A revista é a visão da globalização se globalização fosse sensibilidade compartilhada.
Nas suas 160 páginas coloridas só há imagens e nenhum texto. Ou seja, a revista revê e critica a imagem com mais imagens. Uma e outra – a que critica e a criticada – lado a lado. Isto acontece porque não há diferença de tratamento entre a arte e a publicidade que ajuda a pagar a arte. Em uma página fica a imagem que irá agredir, desconstruir ou apenas dialogar com a imagem publicitária que está na página ao lado. Não é, portanto, uma revista de arte usual, este objeto que se parece tanto com um museu portátil e que se esforça em fazer com que o leitor se esqueça do mundo real. É mais um caminhar por uma cidade grande.
Por exemplo: depois de uma publicidade de tênis Adidas com uma fotografia de grande riqueza de detalhes, pessoas sem nenhum detalhe põem seus pés esboçados em um mundo vazio, feito de cores chapadas, da pintura de Eva Navarro.
Mais algumas páginas e Cláudio Parentela cola pedaços de fotografias publicitárias no meio de seu grafismo sujo, carregado, de caras caricatas. Faz isto ao lado da publicidade de moda da Wonders e da Dark Tales.
As fotos de Claire Dalquié mostram os arredores degradados de Nova York, cujo recorte de cartão postal fica ao longe, contra um céu de poluição. Aqui, a tensão do ter e do não ter aparece na propaganda inscrita em muros sujos. Parecido com os outdoors grafitados de Nir Aharon, cujas palavras sem sentido se repetem em recados ininteligíveis. E nos carros – objetos de desejo de todos em todos os lugares – de Gomez Bueno. Na lataria brilhante vêm pintados bonequinhos falsamente inocentes.
Há os diretos, os agit-prop modernos, que escrevem no war ou Iran versus USA: 2 x 1 em seus trabalhos, como é o caso de Piero de Biase e Tiffany Malakooti.
E há o paulista Daniel Piwowarczyk, que pega o grafite de uma rua do bairro de Pinheiros, a Cardeal Arco Verde, e faz uma intervenção, acrescentando bonecos e dizeres. Para o brasileiro que folheia a revista, o nome da rua e o palavrão grafitado dão uma sensação suplementar de estar em casa. Piwowarczyk se assina assim mesmo, sem apelidos acomodantes. Não tem nada de acomodante. Canção preferida do artista? I hate the rich, da antiga banda punk Dils. Hábitos alimentares? Vegetariano radical.
Combina com a revista. A Rojo também não acomoda.
Os editores publicam trabalhos de qualquer um – famosos ou experimentais. Basta mandar. Basta que gostem. Neste número gostaram, além dos já citados, de Manuela Ravanello, Alessandro Palmigiani, Filipe Mesquita, Deanne Cheuk, Michael Leon, Karin Lindholm, entre e outros.
O site é: www.revista-rojo.com. Os distribuidores no Rio são FNAC, Barra Shopping, Letras e Expressões, Ipanema e Modern Sound, Copacabana.’
T. J. CLARK EM SP
‘A espetacularização da realidade’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/2/05
‘‘Por que, no século 20, quando o capitalismo aparentemente abriu as fronteiras do mundo, foi criada uma arte abstrata?’ Foi sobre essa questão que versou o historiador inglês T.J. Clark em suas palestras realizadas terça e quarta-feira no Centro Universitário Maria Antonia, em São Paulo. Clark é um pessimista. Para ele, no atual mundo desolado, cada vez mais as imagens instantâneas da realidade nos distanciam da própria realidade. ‘A modernidade é um estado de perda.’ E é num mundo moderno que ainda vivemos, frisa.
A arte abstrata surgida no início do século passado representava mais uma preocupação formal do que um retrato do momento sociopolítico. Mais especificamente o expressionismo abstrato produzido nos EUA, como ele destacou no quadro Subúrbio em Havana (1958), de William de Kooning, representava falta de engajamento político – apesar do título, a obra não tinha relação com o momento revolucionário em Cuba, o triunfo de Fidel Castro em janeiro de 1959. Uma ‘obra-prima’ predominantemente feita em amarelo sujo, azul e tendo um V marrom como destaque, é um ícone desse distanciamento da realidade.
O mesmo vivenciamos hoje, neste momento de espetacularização das imagens e informações. No exato momento em que uma imagem é produzida e, posteriormente, divulgada, ela se torna desapropriação do presente, perde seu sentido real.
Na visão ousada do historiador de arte, a Al Qaeda acaba desempenhando o papel de vanguarda esquerdista. ‘Não é essencialmente uma vanguarda, mas a Al Qaeda acaba movimentando uma bandeira necessária dentro de um processo de guerra. Ela representa um processo complexo de radicalização, de uma emergência de modificação. Foi a Al Qaeda que infligiu danos reais sobre o centro do um império (o americano).’
Clark, um homem de esquerda, não pretende reduzir o fenômeno da resistência islâmica à modernidade e à Al Qaeda. ‘Ainda acho que a Al Qaeda e suas variações são de extrema importância e vão determinar a resposta dos EUA e Europa aos movimentos que se opõem ao capitalismo avançado.’ Esse é o tema de seu próximo livro, Afflicted Powers, escrito com Iain Boal, Joseph Matthews e Michael Watts.’
MAPPLETHORPE
‘Vik Muniz coordena releitura da obra do fotógrafo Mapplethorpe no Brasil’, copyright Folha de S. Paulo, 3/2/05
‘O puritanismo norte-americano jogou a obra do fotógrafo Robert Mapplethorpe (1946-1989) na fogueira. Em 1989, meses após a morte do artista, o senador republicano de extrema direita Jesse Helms fez campanha contra e conseguiu suspender sua exposição na galeria Corcoran, em Washington. A partir do incidente, a obra de Mapplethorpe ganharia destaque pela controvérsia.
Nova York, começo dos anos 70: Mapplethorpe começa a fotografar os amigos, como a cantora e poeta Patti Smith, e a si próprio. Durante quase duas décadas de produção, ele transita em diversos campos, das imagens homoeróticas e de sadomasoquistas em ação, que chocaram a América casta, a singelos registros de paisagens e retratos de celebridades.
Sem o alarde dos puritanos, Mapplethorpe volta a ser exibido. A fundação que leva o seu nome e arrecada fundos para a fotografia e para financiar pesquisas sobre Aids (doença que matou o fotógrafo) convidou artistas para realizarem curadorias de mostras pelo mundo. Catherine Opie realiza a sua em Los Angeles, Cindy Sherman fez em Nova York, e David Hockney, em Londres.
No Brasil, a obra de Mapplethorpe ganha releitura de Vik Muniz, o artista brasileiro de maior expressão internacional do momento. Ele assina a seleção com 50 trabalhos do fotógrafo apresentados na galeria Fortes Vilaça, em São Paulo, em março.
No mesmo mês, Muniz inaugura, na sede paulistana do Centro Cultural Banco do Brasil, a exposição da série ‘Diamonds Divas and Caviar Monsters’ (divas de diamante e monstros de caviar).
É exatamente o que diz o título: múmia e Frankenstein desenhados com as bolinhas pretas do beluga (a caríssima iguaria iraniana) e os contornos de Brigitte Bardot e Marilyn Monroe feitos com quase meio quilo de diamantes.
Um preciosismo semelhante aos dos retratos de Muniz pode ser visto nas obras de Mapplethorpe, embora o brasileiro não veja uma influência direta do norte-americano em seu trabalho.
‘Ele era influenciado pela arte da época. A sexualidade e a sensualidade moviam o trabalho dele, mas isso era só uma faceta’, diz Muniz. ‘A obra de Mapplethorpe sempre foi vista de forma limitada, como algo sensualizado e pornográfico. A idéia é dinamizar essa leitura. Tentei mostrar o trabalho dele que é completamente desconhecido do público. Como, nos anos 70, o minimalismo aparece no rigor formal de seus trabalhos.’
Um dos exemplos é a singular composição do retrato de Philip Glass e Robert Wilson, de 1976, que estará na exibição brasileira. Sentados lado a lado, o músico e o teatrólogo conflitam a simetria do ambiente e a contraposição de suas aparências. Retratos de Louise Bourgois, Alice Neel, Andy Warhol, Sonia Braga e Iggy Pop também estarão na mostra.
O brasileiro conheceu Mapplethorpe no começo dos anos 80. ‘Sou amigo do irmão dele e trabalhei com um de seus assistentes. Ele era uma pessoa muito especial. Tive um contato pequeno, depois ele ficou doente e recluso.’
Muniz se lembra da última vez em que viu o fotógrafo, numa vernissage no DIA Art Foundation. ‘Ele estava muito magro, andando com uma bengala com uma caveira na ponta.’ A imagem está imortalizada num sombrio auto-retrato que integrará a mostra.
Mercado
Antes de ser polêmico, Mapplethorpe ajudou a abrir caminho para a fotografia no mercado da arte. ‘Ele foi um dos primeiros a vender foto a preço de pintura, US$ 10 mil, US$ 15 mil [R$ 26 mil e R$ 39 mil], quando a tendência estava começando a acontecer’, destaca o brasileiro.
Na mostra, as obras do americano custarão de US$ 7.500 a US$ 20 mil (R$ 19,5 mil a R$ 52 mil) para fotos com tiragens que variam de cinco a 15 cópias.
‘Com ele e outros dessa geração, percebi que a fotografia poderia ser levada mais a sério e comecei a me ver mais como fotógrafo’, conta Muniz, cujas obras custam hoje entre US$ 8.000 e US$ 25 mil (R$ 20,8 mil e R$ 65 mil), com edições de no mínimo três e no máximo dez cópias.’
MEMÓRIA, CLÁUDIO LYSIAS
‘Morre, em Brasília, o jornalista Cláudio Lysias’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 2/2/05
‘Foi enterrado nessa terça-feira (01/02), em Brasília, o corpo do jornalista Cláudio Lysias. Diretor de redação do Jornal da Comunidade e do Jornal Coletivo, ele estava internado há um mês no Hospital Brasília, onde morreu em decorrência de câncer no pulmão.
Aos 58 anos de idade, Lysias fez carreira em Brasília e no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, trabalhou na revista O Cruzeiro, no Jornal do Brasil e no jornal O Sol, publicação criada por esquerdistas durante a ditadura militar.
Em 1976, mudou-se para Brasília, onde trabalhou no Correio Braziliense, na sucursal de O Estado de S. Paulo, na Câmara Legislativa e no Jornal de Brasília. Há dois anos voltou para o Jornal da Comunidade, do qual havia saído em 1999.
Conhecido entre os colegas pela paixão musical, Lysias foi um dos fundadores do mais tradicional bloco carnavalesco de Brasília, o Pacotão, criado por um grupo de jornalistas em 1978 para satirizar os governantes de plantão na capital federal.’