‘O boato como fonte de informação é, evidentemente, uma nulidade. Excepto, naturalmente, quando confirmado por factos comprováveis. Aí, o boato pode passar a ser uma, pouco relevante, confirmação dos factos apurados segundo as regras da investigação jornalística. O boato, nesse caso, mais não foi do que um ponto de partida para a investigação jornalística.
Em termos de investigação criminal, uma carta anónima pode ser deitada ao lixo ou pode determinar subsequentes investigações, conforme o grau de credibilidade que lhe for atribuído. Mas nunca a carta anónima, por si só, será uma prova. Se a investigação confirmar os factos constantes da carta anónima e os mesmos constituírem crime, não fica a investigação manchada por ter sido iniciada por uma carta anónima. Ou uma chamada telefónica anónima.
Na verdade, se alguém telefonar anonimamente para uma esquadra da polícia a dizer que está a ser assaltado um determinado armazém e a identificar os assaltantes, a autoridade que receber a queixa anónima registá-la-á, iniciará um processo, determinando-se as diligências necessárias, nomeadamente a imediata deslocação ao armazém de um carro-patrulha. E se os assaltantes forem apanhados com ‘a boca na botija’, não fica a sua detenção inquinada pelo facto de a denúncia ter sido anónima.
Na verdade, o processo criminal só ficaria inquinado caso fossem utilizadas provas não admissíveis, como escutas telefónicas não autorizadas ou interrogatórios sem a presença de advogados.
E, por isso mesmo, se, em qualquer momento da nossa vida democrática, corresse o boato que um determinado governante se tinha apropriado de uma qualquer verba num qualquer negócio do Estado, nada impedia que um jornalista tentasse confirmar, realizando as diligências necessários, se para além do fumo, haveria fogo. Mas se tal hipotética actuação se poderia justificar num caso de mau uso de dinheiros públicos, já no caso de boatos sobre comportamentos da vida privada a situação é mais complexa.
O direito ao respeito da vida privada de cada um, mesmo que figura pública, é indiscutível. Mas a dimensão desse direito, um chamado ‘direito de geometria variável’, tem de ser procurada nas circunstâncias concretas do caso.
No caso de questões como a da orientação sexual das figuras públicas, nomeadamente dos eleitos, parece claro que só muito raramente poderão ter relevância pública, no sentido de ser legítima a sua divulgação sem a autorização do visado. Tal ‘área’ faz parte do ‘núcleo duro’ da privacidade e muito dificilmente deverá ser sacrificado no ‘altar’ da informação. A jurisprudência e a doutrina têm, no entanto, apontado sempre o caso de escola do político conservador homossexual não ‘assumido’, defensor encarniçado da família tradicional, considerando lícita a divulgação da sua vida oculta ou a violação da sua vida privada. Como se refere, em tradução livre, no livro ‘Droit à la Vie Privée et Droit à l´Image’ de André Bertrand, ‘… nesse domínio, como noutros, é difícil de admitir que um homem político possa ter um discurso oficial dirigido aos seus eleitores, com o único objectivo de captar os seus votos, e que esse mesmo discurso esteja compleamente desfasado das suas ideias e das suas práticas.’ Mas, mesmo no caso do político conservador é preciso ver o grau ou tipo de conservadorismo ou de defesa dos valores tradicionais que estão em causa, as suas actuações em concreto. Não bastaria uma mera invocação de ‘hipocrisia’, para justificar a revelação de factos da vida ‘íntima’. Ou muito menos, para divulgar ou insinuar um boato sobre a vida íntima de uma qualquer figura pública.
Como é evidente, não é isto que, lamentavelmente, tem vindo a acontecer na nossa campanha eleitoral…
Os blogues são, hoje em dia, para além de outras coisas, uma fonte de informação riquíssima. Para se esquecer do tema ‘boatos e vida privada’ e poder apreciar, com um sorriso nos lábios, o fim-de-semana que se aproxima, do blogue ‘ordemnotribunal’, transcrevo o ofício de um juiz de Lisboa para outro do Porto, solicitando informação sobre uma carta precatória que não tinha ainda tido resposta.
( Esclareça-se que a carta precatória é um ‘ofício’ enviado de um tribunal para outro, solicitando a realização de uma qualquer diligência, normalmente a inquirição de testemunhas necessárias para a realização do julgamento e a posterior devolução do registo desses depoimentos.)
‘ Exmo. Sr.
Dr. Juiz de Direito
Tribunal XXXX do Porto
Lisboa, 8 de Março de 2000
A carta precatória nº XXXXX, nasceu no dia 25.02.1996.
Neste momento, embora um pouco tarde, não queria deixar de pedir a V.Exª – não o cumprimento da carta precatória, uma vez que certamente, isso iria dar muito trabalho aos funcionários desse tribunal – que transmitisse à visada os meus cumprimentos pela passagem do seu quarto aniversário natalício.
Já agora, e dado o tempo que já passou, solicitava a V.Exª que me informasse do estado da deprecada, designadamente sobre se já anda sozinha, já fala, já conhece as pessoas e as cores, etc.
Desde já muito grato pela atenção despendida.
O juiz de Direito.
(assinatura ilegível)’.
Outra manifestação da morosidade: em 1999, dei conta aqui de um acórdão do Tribunal Constitucional sob o título ‘ Pai constitucional’. Aí contava o caso de uma mãe que pretendera ver reconhecida a paternidade do seu filho João pelo Abílio. Mas este negara-se a assumir a paternidade, apresentando numerosos argumentos, mas recusando-se a sujeitar-se a um teste genético que implicava a recolha de uma amostra de sangue.
O tribunal, tendo em conta essa recusa e a prova produzida em julgamento, considerou que o Abílio era, de facto, o pai do João. O Abílio, advogado mas parece que não exerce, levou o caso ao Tribunal Constitucional, argumentando que tinha o direito de se recusar a ser picado para lhe retirarem sangue, por ofender a sua integridade física, salvaguardada na nossa Constituição. Mas o TC não lhe deu razão e o Abílio passou a ser ‘constitucionalmente’ pai do João.
Soube, agora, que o João já tem 15 anos e que foi proferida decisão na 1.ª instância, condenando o Abílio a pagar alimentos ao João, sendo certo que, desde 1999, vigorou um regime provisório de alimentos. Espera-se que, ‘no meio de tudo isto’, o João não perca o ‘encanto’ que transporta e não se esqueça… da nossa Constituição!’
AUSCHWITZ
‘Auschwitz’, copyright O Globo, 4/2/05
‘Esta coluna nunca teve um título tão feio. Auschwitz. O nome alemão para a cidade polonesa de Oswiecim, célebre pelo campo de extermínio no qual 1,1 milhão de pessoas — 900 mil judeus — foram metodicamente assassinadas pelos nazistas na Segunda Guerra.
Como eu, você deve ter visto a cerimônia da semana passada pela TV: sob neve, 27 chefes de Estado e dez mil convidados lembraram não apenas os mortos em Auschwitz e na vizinha Birkenau, mas todas as vítimas (além dos judeus, ciganos, homossexuais, poloneses, soviéticos, doentes mentais) da máquina genocida de Hitler, no 60 aniversário da libertação dos dois campos pelo Exército Vermelho, ocorrida a 27 de janeiro de 1945.
Falar em lembrar, naturalmente, é falar em esquecer. Há o temor de que com o avançar do tempo perca-se contato com o Holocausto e seus alertas. Poucos dos cerca de 300 sobreviventes presentes à solenidade estarão vivos para voltar à Polônia na comemoração dos 70 anos da libertação de Auschwitz-Birkenau, o que aumenta o medo de que jovens idiotas, como o príncipe Harry, achem bacana se fantasiar de Adolf Hitler.
Os alemães (e austríacos) não foram os únicos perpetradores de um genocídio no século XX: bem no começo, muçulmanos turcos assassinaram em massa cristãos armênios; e, ainda há pouco, cristãos sérvios fizeram o mesmo com muçulmanos bósnios. Não há religião com as mãos limpas. Para não mencionar massacres ateus e fratricidas, claro, como os comandados por Stalin e Pol Pot. Ou a limpeza étnica no Tibete invadido pela China.
O que torna único o sacrifício de seis milhões de judeus pelos nazistas, no chamado Holocausto, é a aparência de racionalidade, de cientificidade, é sua produção industrial de cadáveres. Na Segunda Guerra Mundial como um todo, foram 50 milhões deles; 17 milhões só de cidadãos soviéticos, vítimas do fogo cruzado de dois déspotas.
Os números são tão avassaladores que, somados ao pânico do esquecimento, tomaram a mídia de um dos países de consciência mais culpada pela colaboração com os nazistas, a França. Discutiu-se tanto o Holocausto quanto a possibilidade de sua representação pela arte, entendida como expansão da memória e da sensibilidade coletivas.
O canal estatal TF1 exibiu um especial da BBC inglesa sobre Auschwitz; o TF2 passou na íntegra as dez horas do documentário ‘Shoah’, do francês Claude Lanzmann; todas as emissoras de TV promoveram debates com historiadores, sobreviventes e líderes judaicos; a edição de janeiro do ‘Magazine Littéraire’ foi quase toda dedicada aos livros produzidos a partir da experiência nos campos; e a revista do jornal ‘Le Monde’ de sábado passado trouxe 15 páginas sobre a história das fábricas de morte na Polônia.
Por trás disso, a necessidade de dar uma face humana à imensidão da História, numa forma tradicional de aproximar a audiência. Nessa tarefa, as bancadas das livrarias francesas também foram ocupadas por novos depoimentos de sobreviventes do Holocausto, bem como pelo ‘Diário de Anne Frank’, sua mais conhecida vítima.
Refugiada na Holanda, a judia alemã ganhou um diário no seu aniversário de 13 anos, quando o país já estava ocupado por Hitler. A partir de junho de 1942, ela narrou as angústias e as esperanças no esconderijo das famílias Frank e Van Peels e de Fritz Pfeffer, num anexo nos fundos do número 263 do Prinsengracht, um dos canais de Amsterdã.
Em agosto de 1944, eles foram denunciados e presos. Anne morreu aos 15 anos, de tifo e maus-tratos, em março de 1945 no campo de Bergen-Belsen, na Alemanha. Das oito pessoas no anexo, só Otto Frank sobreviveu — para editar o diário da caçula, mantido a salvo dos alemães graças a Miep Gies, sua funcionária, protetora do anexo secreto.
Hoje, a casa do Prinsengracht é um museu. O esconderijo, atrás de uma falsa estante, está lá, tal e qual nele viveram os Frank, os Van Peels e Pfeffer, senhor com quem Anne dividia seu quarto. Não é uma experiência fácil visitá-lo, obviamente. Ainda que se atravesse, coragem, os painéis com trechos do diário, como aquele que fala da esperança com a notícia do desembarque aliado na Normandia no Dia D, 6 de junho de 1944; ainda que se contemple as paredes, nó na garganta, com as fotos de artistas de cinema que a própria Anne colava e com as marcas de lápis, registro do crescimento dela e de sua irmã Margot durante o tempo na clandestinidade; ainda que se observe tudo isso com os olhos secos, compostura, homem!, o museu providencia um golpe de misericórdia.
Na sala dedicada à publicação do ‘Diário’, há uma série de frases sobre o legado da menina que sonhava ser jornalista e, ironia macabra, escritora de sucesso. Uma delas é do escritor italiano Primo Levi, prisioneiro número 174517 de Auschwitz: ‘Uma única Anne Frank nos toca mais o coração do que os inúmeros que sofreram como ela, mas cujas imagens permaneceram nas sombras. Talvez isso seja necessário. Se fosse possível e se tivéssemos que sofrer o sofrimento de todos, não poderíamos viver.’
Levi sobreviveu para narrar sua temporada no inferno em ‘É isso um homem?’ e a libertação do campo em ‘A trégua’, duas obras-primas, terríveis mas ternas e, por vezes, até cômicas. Contudo, em 11 de abril de 1987, aos 67 anos de idade, ele não pôde mais viver e se atirou do alto de uma escadaria de 15 metros em sua casa de Turim.’
WATERGATE
‘Papéis de Watergate mostram um Nixon `fora de si´’, copyright O Estado de S. Paulo / The Washington Post, 5/2/05
‘Milhares de páginas com anotações, memorandos, transcrições e outros materiais conhecidos em conjunto como Os Documentos de Watergate – Woodward e Bernstein foram abertos ao público ontem na Universidade do Texas. Entre eles não estava o detalhe mais fascinante relacionado com o fim do governo Nixon: a identidade de Garganta Profunda.
O nome da principal fonte de informações – assim como os de dezenas de outras fontes confidenciais – permanecerá em sigilo até a morte deles, como lhes prometeram Bob Woodward e Carl Bernstein, cuja reportagem para The Washington Post resultou na renúncia de Nixon em agosto de 1974.
‘Achávamos que muitas dessas pessoas estariam mortas por agora, mas as pessoas simplesmente estão vivendo mais’, disse Woodward, editor-executivo assistente do Post, numa informação para a mídia sobre os papéis, arquivados no Harry Ranson Humanities Research Center da universidade. ‘É espantoso quanto as pessoas vivem hoje em dia.’
Mas o que a coletânea revela ao público pela primeira vez é o fato de que nem mesmo os altos assessores e políticos republicanos da Colina do Capitólio mais próximos de Nixon compartilhavam ‘dúvidas, preocupações e desconfianças’ em relação ao presidente. Eles estavam apreensivos, disse Woodward, tanto sobre o envolvimento de Nixon com o criminoso acobertamento de Watergate, quanto com a fragilidade do estado psicológico dele no final de seu mandato.
Como disse de forma muito sucinta o senador republicano Barry Goldwater do Arizona sobre Nixon, segundo os documentos recém-liberados: ‘Começo a achar que ele está fora de si’ e ‘mentindo o tempo todo’. Goldwater faleceu em 1998 aos 89 anos.
A Universidade do Texas pagou a Woodward e Bernstein US$ 5 milhões pela coleção de documentos, no ano passado.’
EUA / ATLAS PARA JORNALISTAS
‘Secretária distribui atlas de bolso a jornalistas’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/2/05
‘NÃO SE PERCAM: Diante da reputação dos americanos de que não sabem nada de geografia, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, distribuiu atlas de bolso para os jornalistas credenciados em sua primeira viagem no cargo.
‘Não quero que ninguém se sinta perdido’, disse a ex-superintendente universitária, enquanto distribuía 18 cópias no avião.
Os americanos costumam ser ridicularizados por sua falta de conhecimento do mundo exterior – pesquisas mostram que crianças americanas não conseguem até mesmo localizar vizinhos como Canadá e México. O suvenir distribuído para os jornalistas em sua viagem inaugural à Europa e ao Oriente Médio foi também um meio de Condoleezza mostrar que ela viajará amplamente para cumprir sua promessa de que ‘o tempo para a diplomacia é agora’. Seu predecessor, Colin Powell, foi criticado por viajar pouco e evitar a diplomacia ‘olho no olho’, o que poderia ter ajudado a obter mais aliados às políticas dos EUA.’
CHINA
‘Jornal chinês lança edição em ouro 24 quilates’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/2/05
‘O Diário Econômico, de Shenzhen, no sul da China, lançou o primeiro jornal de ouro do mundo. A novidade, em comemoração aos 20 anos do periódico, teve duas edições, com 36 exemplares – cada unidade da primeira edição, com 500 gramas de ouro 24 quilates, custou a bagatela de US$ 8.500. São 20 páginas de artigos políticos, sociais, econômicos e culturais sobre ‘A idade dourada da China’. Segundo editores do jornal, a façanha deve entrar para o Livro dos Recordes.’