Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plutão é um asteróide

Em menos de duas semanas, o sistema solar sofreu uma série de incríveis abalos. Há um mês atrás, ele possuía 9 planetas. Há menos de quinze dias, ele estava para ganhar mais 3 e dentro em breve mais outros 8, chegando a um total de 20. Hoje ele só possui 8.

Aliás, desde a sua descoberta nos confins do sistema solar, pelo astrônomo norte-americano Clyde W. Tombaugh, em 1930, ou seja, há quase 80 anos, Plutão foi motivo de discussões com relação à sua classificação como planeta. Finalmente, agora, o planeta foi colocado no seu devido lugar no sistema solar. Não se justifica afirmar que Plutão foi desclassificado. Afirmar que Plutão perdeu status é um pouco injusto. Na realidade, ele sempre foi um asteróide ou um pequeno planeta ou ainda um planetóide.

Sua classificação como planeta foi um equívoco justificável, pois na época não se tinham os recursos tecnológicos que permitissem observar a região onde se encontrava. O mesmo ocorreu com Ceres que, foi inicialmente conhecido como planeta e, mais tarde, com as sucessivas descobertas de outros na mesma região, passou a ser designado como asteróide ou planetóide. Com efeito, a história da astronomia nos mostra que a destituição de status de Plutão não foi a primeira.

Quando da descoberta em 1801, pelo astrônomo italiano Giuseppe Piazzi, do pequeno planeta Ceres, foi lhe atribuída o status de planeta, em igualdade com os demais. Somente depois de quase meio século que em virtude do número crescente de descobertas desses objetos nesta mesma região do sistema solar, ou seja, entre Marte e Júpiter, é que a comunidade astronômica internacional decidiu considerar Ceres como um dos membros, o maior deles, do Cinturão dos asteróides e, desde então Ceres foi destituído da sua condição de planeta de maneira justa. Aliás, o mesmo deveria ter ocorrido com Plutão logo que outros corpos celestes começaram a ser localizados em suas vizinhanças.

Apesar do astrônomo norte-americano de origem holandesa Gerald Kuiper ter previsto, por volta de 1950, a existência de um cinturão de asteróides além da órbita de Netuno, só a partir dos anos 1990 foi possível descobrir uma série de corpos celestes nessa região. Daí a razão de uma retificação tão tardia.

Convém assinalar que, logo depois da descoberta de Plutão, as suas dimensões foram superestimadas de tal modo que num certo período os livros didáticos registravam que o menor planeta do sistema solar era Mercúrio. Todavia, sabe-se hoje que Mercúrio (4.880 km) é de dimensões muito superiores às de Plutão (2.274 km). Aliás, as diferenças existentes entre Plutão e os outros planetas já naquela época não permitiam a sua fácil integração à família dos planetas históricos. Com efeito, Plutão não é um planeta rochoso como Mercúrio, Vênus, Terra e Marte, os quatros planetas mais próximos do Sol, nem um gigante gasoso como Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Na realidade, Plutão é um astro deserto e gelado, cujo diâmetro de 2.274 km é inferior em mais de 1.200km ao da Lua, satélite natural da Terra. Ao contrário do que ocorre com os oito outros planetas históricos que descrevem órbitas quase circulares, Plutão descreve uma trajetória muito elíptica, sendo o plano da sua órbita muito mais inclinado em relação às dos outros planetas.

Apesar do desconforto da classificação de Plutão como planeta, a crise se agravou em 2003, com a descoberta do asteróide 2003UB313 (provisoriamente denominado Xena), que possuía um diâmetro superior a Plutão em 100 km.

A procura de uma definição

Para complicar a discussão, não existia uma definição oficial para os planetas e a descoberta de objetos importantes nas fronteiras do sistema solar, levantava regularmente a questão sobre o status desses novos objetos em relação a Plutão e vice-versa. A definição de planeta, em geral, existente nos dicionários, podia ser resumida no seguinte: planeta é um astro sem luz própria ou radiação interna própria que possui uma massa inferior à das estrelas, e que é atraído pela ação do campo de gravidade de um astro central, ao redor do qual descreve uma órbita. Era necessário rever ou estabelecer uma definição oficial de planeta com urgência. Até que enfim a UAI tomou uma decisão, que já deveria ter sido adotada há muito tempo, criando uma comissão de sete astrônomos e historiadores para definir o termo planeta.

Proposta da Comissão

Se essa proposta Comissão de Definição de Planeta da UAI – Resolução 5 –. tivesse sido aceita pela comunidade internacional, a lista dos planetas que giram ao redor do Sol passaria a ser, em ordem de distância: Mercúrio, Vênus,Terra, Marte, Ceres, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Plutão-Caronte e 2003UB313, que apesar de ter sido batizado de Xena, ainda não teve o nome oficializado.

A proposta também criava uma nova categoria de planetas, os ‘plútons’, que seriam os objetos semelhantes a Plutão, que giram em uma região do espaço conhecido como Cinturão de Kuiper. Além da órbita de Netuno situam-se os transnetunianos; os objetos dessa região constituem,em geral, detritos espaciais semelhantes aos asteróides ou planetóides, e cometas. Se a proposta tivesse sido aceita, Plutão, Caronte e Xena seriam os primeiros ‘plútons’. Se aprovadas, as novas resoluções deveriam causar uma revisão de todos os livros, enciclopédias assim como alguns conceitos relativos ao sistema solar.

É interessante notar que mesmo que a lista totalizasse 12 planetas, poderiam não permanecer assim por muito tempo, já que a UAI tinha elaborado uma lista com mais de uma dezena de objetos que seriam classificados como planetas. Para isso falta apenas conclusão mais precisa sobre suas órbitas, tamanhos e centros de gravidade.

A proposta apresentada se baseia em outra, que define mais precisamente o que é um planeta, que seria: qualquer objeto redondo que tivesse mais de 800 km de diâmetro, que girasse em torno do Sol e uma massa equivalem a cerca de pelo menos 1/12.000 avos da terrestre.

Plútons e outros asteróides

A definição de ‘plútons’, segundo as propostas apresentadas, seria a dos objetos que têm as características mínimas para se enquadrarem na definição de planeta, mas que se diferenciariam por se localizar a uma grande distância do Sol e portanto precisarem de mais tempo para completar sua órbita. Por se localizarem, além da órbita de Netuno, são também conhecidos por objetos transnetunianos.

Um planeta da subcategoria dos plútons também seriam caracterizados por sua órbita muito inclinada em relação à órbita dos planetas, e também bastante alongada. Para os astrônomos, essas características sugeriam que os plútons tinham uma origem diferente da dos demais planetas.

Ceres, por estar localizar no Cinturão dos Asteróides, situado entre Marte e Júpiter, não seria um plúton. No entanto, outros objetos também localizados neste cinturão, como Vesta, Pallas, e Higéia, poderiam também ser promovidos ao status de planeta.

Se a definição originalmente elaborada pela Comissão de Planeta tivesse sido totalmente aprovada, o sistema solar passaria a ter 12 planetas: (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão) denominados planetas clássicos que dominam o sistema solar, três planetas (Ceres – principal membro do Cinturão dos Asteróides existente entre Marte e Jupiter –, o planeta duplo Plutão-Caronte e Xena com a designação provisória 2003UB313). Por esta primeira proposta, os corpos celestes do Cinturão de Kuiper seriam planetas na definição da UAI, incluídos na nova subcategoria de planetas plútons ou plutônianos que por sua vez pertencia à categoria descritiva de ‘planeta anão’.

Votação

Em 23 de agosto, cerca de 500 astrônomos reunidos em Praga, iniciaram os debates sobre a proposta da Comissão de Definição de Planeta da UAI. Logo no início, a proposição elaborada pelos 7 astrônomos e historiadores foi recusada pela maioria dos astrônomos presentes. Surgiram várias emendas.

Cansados pelas discussões, os planetólogos ainda tinham tempo para serem irônicos. Um deles chegou a propor, em aparte, que se remetesse às pessoas mais sábias, mas que não passasse de três.

Terminaram com a bela e efêmera classificação dos ‘planetas clássicos’ – telúricos e gasosos – e os ‘plutons’, que figuravam, na primeira proposição, Plutão e seu satélite Caronte, como planeta-duplo, pois ambos constituem, na realidade um sistema binário não muito diferente do sistema Terra-Lua.

No dia seguinte, quinta-feira, 24 de agosto, os astrônomos resolveram votar as ementas. Na realidade, apesar da proposta da Comissão da UAI constituir uma definição física, seu objetivo era manter o status de planeta para Plutão, quando muito mais lógico seria incluí-lo como o principal asteróide do Cinturão de Kuiper – conjunto de asteróides situados além da órbita de Netuno.

Felizmente foram apresentadas emendas à Resolução 5, que foi subdividida em duas novas, 5A e 5B assim como duas novas, 6A e 6B foram apresentadas.

A Resolução 5A, que estabelecia a definição que deverá ser usada para conceituar planeta, ainda que constitua um avanço é uma conceituação polêmica. Foi adotada com emendas, segundo as quais a definição não deveria incluir os satélites assim como a expressão ‘planeta anão’ deveria ser usada entre aspas.

A Resolução 5B, que determinava o uso da palavra clássico para designar os oito planetas, foi rejeitada por expressiva maioria.

A Resolução 6A, que estabeleceu o status de Plutão como ‘planeta anão’ e protótipo de uma nova categoria (plúton) foram adotados por 237 votos a favor, 157 contra e 30 abstenções.

A Resolução 6B, que estabeleceria uma nova categoria de objetos denominados ‘plutons’, foi rejeitada por 186 votos contra e 183 a favor. O nome será selecionado por processo normal da União Astronômica Internacional.

Os astrônomos haviam igualmente integrado, ao grupo de ‘planetas anões’, Ceres – que não cruzava os confins do sistema solar como Plutão, Caronte e Xena, mas se encontrava entre os planetas Marte e Júpiter, onde giram milhares de asteróides e, dentre eles, alguns de forma esférica.

O critério essencial para que um corpo celeste entre na história como ‘planeta anão’ é o de orbitar ao redor do Sol, possuir uma massa suficiente para que sua gravidade compensando as forças de coesão do corpo sólido lhe dê uma forma quase esférica e, finalmente, satisfaça um terceiro critério, sem dúvida o mais polêmico, segundo o qual deveria ter eliminado todos os corpos suscetíveis de se deslocarem em uma órbita próxima. Com efeito, em conseqüência desta última exigência, todos os objetos do Cinturão de Asteróides, assim como os mais afastados do Cinturão de Kuiper, ao qual pertence Plutão, serão excluídos da classificação de planeta, devendo ser incluídos na categoria de ‘planeta anão’.

Definição de um planeta do sistema solar, como foi adotada

As observações recentes mudaram nossa visão dos sistemas planetários, sendo importante que a nomenclatura desses objetos reflitam a nossa compreensão atual. Isso se aplica em particular à definição de planeta. Em conseqüência, a UAI decidiu distribuir os planetas e os outros corpos do sistema solar em três categorias:

1. Planeta [os oito planetas são Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno] é um corpo celeste que: a) está em órbita ao redor do Sol; b) possui uma massa suficiente para que a sua gravidade agindo sobre às forças de coesão do corpo sólido mantenha-o sobre equilíbrio hidrostático, ou seja, em uma forma quase esférica; c) tenha eliminado todos os corpos capazes de se deslocar sobre uma órbita próxima.

2. ‘Planeta anão’ [uma ação específica será organizada pela UAI para decidir em que categoria os ‘planetas anões’ e/ou outras classes deverão pertencer a esses limites] é um corpo celeste que: a) está em órbita ao redor do Sol; b) possui uma massa suficiente para que a sua gravidade superando as forças de coesão do corpo sólido, seja capaz de mantê-lo em equilíbrio hidrostático, ou seja, sob a forma quase esférica; c) não tenha eliminado todos os corpos capazes de se deslocar sobre uma órbita próxima, e não seja um satélite.

3. Todos os outros objetos em órbita ao redor do Sol, com exceção dos satélites, são denominados pequenos corpos do sistema solar. [Aqui está incluída a maior parte dos asteróides, a maior parte dos objetos transnetunianos, os cometas e todos os outros corpos do sistema solar. De acordo com a definição acima, Plutão é um planeta anão. Ele também é identificado como protótipo de uma nova categoria de objetos transnetunianos. Esta observação sugere que as denominações de plúton e plutino não estão ainda confirmadas]

Uma definição polêmica

Após um intenso debates, os astrônomos da União Astronômica Internacional, reunidos em Praga, resolveram excluir Plutão do seu status de planeta. Embora tenha sido uma vitória do espírito racional e científico relativamente às influências históricas e culturais, a nova classificação de Plutão, como ‘planeta anão’ – ainda que constitua um avanço – é uma conceituação polêmica, pois era melhor denominá-lo de asteróide ou planetóide.

Além de apresentar numerosas características comuns aos asteróides que circulam no Cinturão de Kuiper, Plutão descreve uma trajetória que corta a órbita de um outro grande planeta: Netuno.

Plutão está submetido à influência de Netuno, tendo em vista que está em ressonância 2.3, ou seja, Plutão efetua aproximadamente duas voltas completas ao redor do Sol, quanto Netuno efetua 3 voltas completas.

Se, por um lado, Plutão possui uma órbita muito alongada de grande excentricidade (E=0,246) e seu plano orbital é muito inclinado (17º) em relação aos outros planetas, o que o aproximam muito mais dos objetos do Cinturão de Kuiper do que dos outros planetas, por outro lado, também é muito pequeno (cerca de 2.250km), menor que o nosso satélite natural, a Lua (3.476km) e menor que os 4 satélites maiores de Júpiter, assim como de Titã que gira ao redor de Saturno, ou ainda de Tritão, satélite de Netuno. No entanto, Plutão é tão esférico como os outros planetas. Aliás, convém assinalar que alguns grandes asteróides se apresentam igualmente como um corpo esférico. Ademais, alguns satélites, como Titã, possuem atmosfera mais espessa do que a de Plutão. As recentes observações têm mostrado que os outros asteróides possuem também os seus próprios satélites como, por exemplo, (243) Ida ou asteróides rasantes a Terra (69.230) Hermes.

Não há dúvida atualmente, na visão de numerosos astrônomos profissionais, que Plutão é um dos representantes – um dos maiores –, dos objetos que circulam além da órbita de Netuno, ou seja, um transnetuniano. A descoberta de objetos de diâmetro equivalente ou superior a Plutão teve como conseqüência, um movimento pedindo a revisão do status de Plutão; um status que não tinha mais como se sustentar desde a descoberta de objeto tais como 2002LM60, denominado Quaoar (1.250 km), depois 2004DW, denominado Orcus (com um diâmetro entre 1.010 e 2260 km), e do 2003VB12, denominado Sedna (com um diâmetro entre 1.700 e 2000 km).

Para Alan Stern, engenheiro da NASA responsável pela missão New Horizon destinada a enviar uma sonda a Plutão, essa decisão é muito discutível, pois só participaram menos de 5% dos astrônomos do mundo, apesar de todos os periódicos terem sugerido que 2500 astrônomos tinham participado das discussões, a decisão final envolveu somente 424 astrônomos que permaneceram até o último dia do encontro.

Vários astrônomos criticaram a definição como ambígua. A Resolução da UAI estabeleceu três principais categorias de objetos no nosso sistema solar: planetas; planetas anãos e pequenos corpos do sistema solar.

Na realidade, a proposta inicial elaborada por 7 astrônomos e historiadores tinha como objetivo preservar Plutão como planeta, sugerindo uma conceituação deste vocábulo muito ambígua o que provocou calorosas discussões e críticas. Na realidade, eles também tentaram fazer promover ao status de planeta o asteróide Ceres, Caronte, satélite de Plutão, e o recém-descoberto Xena (2003UB313), ao mesmo tempo em que criavam duas novas categorias descritivas: a dos planetas clássicos (os oitos descobertos antes de 1900) e a dos planetas anões (os quatros citados acima). Eles esperavam também incluir 12 outros objetos descobertos além da órbita de Netuno.

A palavra planeta era originalmente empregada para designar objetos que se deslocavam no céu com movimentos aparentemente contraditórios aos das estrelas.

A terceira condição aprovada pela UAI é ainda mais questionável, pois a Terra, Marte, Júpiter e Netuno possuem asteróides em sua vizinhança, sendo que Júpiter tem os famosos asteróides troianos.

Stern considera um absurdo que somente 424 astrônomos tivessem votado, quando existem 10.000 astrônomos profissionais em todo o globo. Owen Gingerich, historiador e astrônomo emérito da Universidade de Harvard, que chefiou a Comissão de definição de planeta da UAI, declarou que a nova definição além de confusa era infeliz. Afirmou também que não gostou da expressão ‘cleared the neighbourhood around its orbit’ e também do termo ‘dwarf planet’ (planeta anão), pois, ‘um planeta anão é um planeta’. Com relação à votação, Owen concluiu ‘penso que isso foi muito inoportuno’, pois a votação poderia ter sido feita pela internet.

Com respeito à crítica de que seria preciso reescrever os livros didáticos, acredito que eles já deveriam ter sido revistos há muito tempo, pois fazem em geral uma caricatura pouco fiel do nosso sistema solar, descrevendo o Cinturão de Asteróides existente entre Marte e Júpiter e esquecendo o Cinturão de Kuiper que se situa além da órbita de Netuno e do qual Plutão, até a descoberta de Xena (2003UB313), foi o principal objeto celeste.

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Astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins e membro Titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; escreveu mais de 80 livros, entre os quais Anuário de Astronomia e Astronáutica 2006; http://www.ronaldomourao.com